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Objectividade e credibilidade do desenho de materiais arqueológicos

No documento O desenho como substituto do objecto (páginas 175-179)

O desenho como reflexo de um ‘modo de ver’ e comunicar

1. Entender o desenho do objecto num sentido alargado

2.3. Objectividade e credibilidade do desenho de materiais arqueológicos

A epistemologia científica previne sobre aquilo que se podem considerar boas provas para generalização. A captura de informação destinada a produzir generalizações deve pois assentar em processos objectivos e credíveis. Existe a assunção de que esses processos são mais credíveis quanto mais se basearem em meios mecânicos de medição para capturar dados. “Data capture must be reliable and objective; machines have both virtues; draftsmen have neither.” (Lopes, 2006, p. 7) À partida a produção de imagens objectivas para generalização empírica exige ausência de conteúdos conceptuais na produção, como tal, seria esta uma boa razão epistemológica para seguir uma objectividade mecânica, usando, por exemplo, a fotografia. Sob este ponto de vista os desenhos arqueológicos tornar-se-iam não credíveis; pelo facto de serem executados por pessoas e como tal encerrarem conteúdos conceptuais que permitem relevar, distorcer ou excluir certos aspectos do objecto. Os desenhos arqueológicos são interpretações, porém não são totalmente fruto das mesmas.

No desenho de materiais arqueológicos a informação a representar é determinada pelo contexto de uso da representação, no qual, os objectos são objectos de estudo pelas suas característica artifactuais. Por isso o desenho sustenta toda e apenas a suficiente informação para que possa ser comparado com outros objectos em qualquer laboratório. As severas convenções e normas visam manter uma credibilidade dessa informação. O desenhador tem que exercer então, com grande rigor, conceitos, como por exemplo no desenho de material lítico, “ flake scar, retouch and thermal fracture”136. O desenho de uma pedra talhada não trata de recriar a sua aparência mas antes de criar uma leitura clara dos conceitos associados a características suas (fig. 116).

Pensa-se que a metodologia e os constrangimentos de actuação, baseados em processos rigorosos e instrumentação precisa para obter dados de medida, permitem uma captura não conceptual de dados para que estes constranjam os conteúdos conceptuais implícitos. Um desenhador provido de boa formação técnica e teórica, e que segue as regras, estará desse modo a produzir desenhos credíveis no seio da comunidade cientifica arqueológica.

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O desenho torna-se assim credível, não sendo, pelas razões que implicam exclusão de informação, objectivo. Segundo Lopes o que seria necessário era um novo conceito de objectividade que subsistisse na acuidade dos dados de acordo com a teoria. “Objectivity is consistent with observations or data being theory laden.” (ibidem, p. 9) Esta é uma objectividade desejável e que vale a pena ter. O desenho torna-se útil na arqueologia porque a sua capacidade de especificar informação torna possíveis

Fig. 116– Desenho de utensílio de sílex com

interpretações que seriam muito difíceis de fazer a partir de fotografias, ou, por vezes, em casos mais complexos, mesmo do próprio objecto.137

Reside porém uma questão incómoda, pelo facto das predeterminações se basearem em teorias à priori, o que nos impede de criar outro tipo de entendimento do objecto, e como tal de representa-lo; consequentemente há uma parte da representação excluída da aprendizagem.

“ (…) theory-ladenness in depiction … is a double-edge sword: on the one hand, concepts aid us in seeing what may otherwise be missed; on the other hand they can also impede us in recognizing something that does not fit the given categories but which may , in fact, be sitting in front of our noses” ( Topper)138

Mas como seria então possível produzir registos visuais onde se contemplasse o que não está enquadrado nas teorias prévias, sem cair numa espécie de objectividade mecânica prejudicial ao aumento e proliferação de conhecimento? Como poderíamos nós representar a razão de ser de sapato sem fazer ideia de como este se constitui e para que serve, sem tornar clara esta informação? Então, na nossa vontade actual de determinado tipo de saber, não ficaríamos sujeitos a comunicar aspectos menos relevantes do objecto para o seu conhecimento?

Pelo facto de não observamos passivamente o mundo mas cria-lo, dentro das nossas referências sociais e históricas, este é um paradoxo que só terá desenvolvimentos consistentes a par com um desenrolar de novas consciências e vontades. “ São efectivamente as questões socioculturais que induzem a ver nas coisas qualidades anteriormente insuspeitadas, como Gombrich (1961) amplamente demonstrou.” (Massironi, 1982, p. 95)

A representação da verdade do objecto arqueológico atende à sua compreensão e à vontade de saber de si, o que depende de uma educação da sensibilidade e capacidade, adquiridas no seio da comunidade, para atender à mesma. Objectividade e credibilidade

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“ Torna-se evidente que o desenho funciona como um instrumento de clarificação e explicação (mais do que de representação) pelo facto de se reconhecerem mais facilmente os órgãos de um corpo num mapa anatómico do que num corpo real dissecado” (Massironi, M., 1982, p. 92) Será fácil verificar a este respeito que os manuais de montagem de objectos, como sejam de moveis, candeeiros, etc, são a esse respeito economizadores de grande esforço interpretativo das peças componentes. As fábricas marcam com frequência os seus produtos com simples representação linear, reconhecendo que tanto as formas, como a decoração, se podem identificar rapidamente com estes desenhos simplificados melhor do que com fotografia, sobretudo quando se usa a mesma forma para um certo número de desenhos diferentes. (Lambert, 1996; Capitulo - Documentos e diseños)

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do desenho arqueológico entendem-se aqui como absoluto rigor de acesso a essa verdade relativizada: entre a informação, o raciocínio e a auto consciência. A objectividade científica absoluta é um problema filosófico incomensurável: um jogo de transcendências que envolve a utopia. Já a credibilidade científica poderá ser pensada como processo acreditável, ou ainda, no contexto mais vasto da sociedade, como crença. “Our task is not the objective approach to the truth, but the investigation of our culturally bound ignorance” (Hodder, 1996, p. 150)

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3. Um outro olhar sobre a descrição cientifica

No documento O desenho como substituto do objecto (páginas 175-179)