A partir de Latour, pudemos caracterizar a “informação” de Shannon como fruto de um processo de autonomização do significante, seguida de sua purificação última, a informação. Com Simondon, pudemos recobrar o corpo nos processos de comunicação (ou, se formos rigorosos, nos processos de transdução).
Já os conceitos de quase-‐objeto e objeto-‐técnico demonstram a participação de entes materiais em intensa relação com os humanos, não se separando deles em seus processos de individuação. Em outras palavras, o humano se constitui com e através de matéria organizada (lembrando que essa organização é promovida por transduções). Corpos animados e corpos inanimados se influenciam mutuamente em seus processos de individuação e atualização. A ênfase aqui no termo “corpo” possui uma razão: o corpo é o nível tangível, superfícies/interfaces que são atualizadas a partir de um campo de virtualidades. Nos processos de individuação, corpos se misturam:
“O que há nos corpos, na profundidade dos corpos, são misturas: um corpo penetra no outro e coexiste com ele em todas as suas partes, como a gota de vinho no mar ou o fogo no ferro. Um corpo se retira de outro, como um líquido de um vaso.”151
A mistura e a separação se dão em superfícies que separam e conectam o externo ao interno. Mas não como uma membrana porosa e sim como uma extensa continuidade que liga os acontecimentos que definem e redefinem um corpo, isto é, sua individuação:
“de tanto deslizar passar-‐se-‐á para o outro lado, uma vez que o outro lado não é senão o sentido inverso. E se não há nada para ver por trás da cortina é porque todo o visível, ou antes, toda ciência possível, está ao longo da cortina, que basta seguir o mais longe, estreita e superficialmente possível para inverter seu lado direito, para fazer com que a direita se torne esquerda e inversamente. (...) Deslizar de tal modo que a antiga profundidade nada mais seja, reduzida ao sentido inverso da superfície”152.
Nessa ontogênese, humanos e inumanos se igualam. No entanto, isso não quer dizer que o campo de virtualidades humanas seja igual ao campo de virtualidades de não humanos. Nesse ponto, diferentemente da reação à Constituição Moderna, que trata os híbridos como informação, o conceito de individuação não exclui o referencial. A informação, como parte de uma superfície heterogênea, está entrelaçada a um corpo, está entrelaçada ao que é vivo e ao que é inanimado. E deles não pode ser isolada, destilada. E ao estar entrelaçada, ela não o define. Apenas participa de seus processos de
151 DELEUZE, Gilles. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.6. 152 Idem, p.10
individuação e, portanto, dos processos de diferenciação entre indivíduos. Tratar o híbrido como em individuação pressupõe a diferença, enquanto tratar o híbrido como informação pressupõe uma homogeneidade.
Simondon, ao estabelecer os conceitos de metaestabilidade, transdução e individuação, nos apresenta o que temos todos em comum: como nos individuamos. Mas também ressalta o que temos de diferente: o resultado das individuações são diferenciados devido às ressonâncias específicas entre o campo de virtualidades que um ente possui e que, por sua vez, se manifesta transitoriamente em seus padrões internos.153. A diferença se daria principalmente, no entanto, pelo humano ser ao mesmo tempo palco e espectador de suas próprias transformações. Ele as acompanha no que é possível acompanhar, via consciência. E essa consciência participa da peça, alterando, no que é possível alterar, o que acontece no palco. Como diz Simondon, o humano é o teatro de sua individuação.
As individuações sempre ocorrem no tempo e envolvem momentos em que virtualidades ou possibilidades são tornadas tangíveis ou descartadas (sem, no entanto, deixar de existir: continuam compondo o campo de virtualidades, em termos gerais, e a grade de possibilidades, se pensarmos apenas nas recombinações possíveis no computador).
No caso dos objetos-‐técnicos em seu processo de diferenciação, algumas atualizações também são descartadas, abandonadas. Essa escolha, para Simondon, possui uma conotação evolutiva. Escolhe-‐se a solução “técnica” que melhor consiga resolver um problema. Mas, como a individuação é contínua, o campo problemático (interno e externo, sua virtualidade e o que se atualiza em um meio) a que a solução técnica deve responder também muda no tempo. Nesse processo em que escolhas humanas são feitas, muitas soluções ótimas se tornam obsoletas e são deixadas para trás.
A trajetória de um objeto-‐técnico no tempo, portanto, não é contínua. Ela é uma sucessão de descontinuidades, rupturas, bifurcações e descaminhos.
Voltemos a Latour. Seguindo sua concepção de Constituição Moderna e Império do Centro, a informação como entidade autônoma e o vivo como algo
em busca de equilíbrio e de ordem via auto-‐organização (homeostase) poderiam ser entendidos como conceitos que operaram uma purificação em seus respectivos quase-‐objetos. O primeiro quase-‐objeto de ordem digital, isto é, a manifestação material (organizada em bits, ons e offs) de faculdades humanas, é traduzido em termos de uma objetividade que subtrai uma entidade, a informação, do meio em que ela existe. A mesma purificação também acontece quando a lógica é subtraída do pensamento. No entanto, não podemos deixar de notar o poder do mecanismo purificador. A subtração de seus contextos possibilita um mapeamento entre campos e domínios, reconfigurando-‐os e recombinando-‐os entre si. O mecanismo em si, dessa forma, não é limitante. Pelo contrário: ele atua enormemente na proliferação de híbridos (ao misturar o que pertence a domínios diferentes). Os mapeamentos sucessivos dessas subtrações possibilitaram, inclusive, a configuração da máquina definitiva de mapeamentos (por possibilitar recombinações quase ilimitadas entre domínios, como vimos no capítulo III), uma matéria organizada a partir do paradigma da informação: o próprio computador (como vimos no capítulo II).
Esse mapeamento, por sua vez, acontece dentro das normas das possibilidades da sua aparição. Essas normas procuram garantir um equilíbrio, uma estabilidade do sistema replicando a homeostase dos vivos em uma busca incessante pela neguentropia.
Como vimos com Goedel e seu Teorema da Incompletude (ampliado para a alegoria da “máquina de verdades universais”) e o Problema da Parada em Turing, a manipulação e a geração de informação via computador possuem a incapacidade de lidar com certos problemas de forma automatizada, autogenerativa. Isso implica entender a dimensão potencial dos processos digitais submetidos a essas limitações. Todos os processos combinatórios obedecem a convenções de linguagem de programação e à sua relação com o
hardware, mas também, em última instância, só podem derivar do que é
possível de ser modelado matemática e algoritmicamente.
Mas será que poderíamos afirmar que esse mundo interno ao computador possuiria um estado de metaestabilidade por possuir uma multiplicidade enorme de possibilidades latentes esperando nossa interferência
para se precipitarem na superfície dos eventos tangíveis? Mas, como poderíamos falar em uma metaestabilidade se as possibilidades latentes, essa energia potencial, são, na verdade, um universo de probabilidades discretas, finitas e, portanto, calculáveis? Esse universo, regido pela lógica booleana, que possui limites no que pode modelar numérica e logicamente, poderia ser comparado às estruturas condicionantes de padrões da matéria e energia em geral encontrados nos processos de transdução?
Em última instância, o computador é uma entidade material. Seus fluxos se expressam materialmente, deixam rastros. E o que não estiver em concordância com o seu corpo não pode se propagar154. Mas, quando esses fluxos se tornam tangíveis, transformando-‐se em imagens, sons, luz ou estabelecendo que forma a matéria deveria assumir (como em projetos arquitetônicos ou de design auxiliados por computador), essa tradução poderia ser entendida como transdução?
Ao se manifestar tangivelmente, materialmente, o número e a informação (como entendida pela teoria da informação, isto é, autônoma) entram em ressonância com as estruturas latentes da matéria, pois, afinal, a informação nunca deixou de ter corpo (como acredita a Cibernética e a Teoria da Informação). Nessa tradução, o corpo material/tangível (suporte para luz, suporte para o som, etc.) pré-‐individual sofre uma transdução na direção dos padrões da matéria que atualizou o número/informação. Inverte-‐se o vetor: em vez de entendermos a informação dando forma à matéria, devemos entendê-‐la como informação/padrão de uma matéria/corpo interferindo na informação/padrão de outra matéria/corpo. Tendências e eventos que englobam o acidente, o imprevisível, o indeterminável, em vez de probabilidades, emergem dessa relação.
Mas, se o universo “caixa-‐preta-‐cibernética”, mesmo como ficção, fosse incompatível com o universo “em transdução”, como explicar suas interferências mútuas? Em outras palavras, a relação entre potencialização (a operação de transformar o real em entidades discretas possíveis, calculáveis,
154 Como vimos anteriormente, uma homeostase ou neguentropia é implementada em sistemas
que autorregulam a dimensão material do computador, assegurando seu funcionamento de forma coerente.
predetermináveis) e virtualização não é uma relação de incompatibilidade, de exclusão mútua. A potencialização pode tanto restringir (quando reifica o sujeito ou quando o controla em demasia, restringindo liberdades155) como ampliar possibilidades de virtualização (quando amplia o número de híbridos que trazem consigo novos campos problemáticos). A virtualização, se atualizando, pode não só oferecer novos recursos a serem potencializados ao serem digeridos pela lógica booleana, por exemplo, como também pode desestabilizar tanto o referencial que torne impossível sua resolução em termos potenciais.
A partir dessa perspectiva convergente, entende-‐se que, ao programar um computador criando interfaces com o que é externo a seus processos internos, podem-‐se gerar novos estados de metaestabilidade e, a partir da ressonância entre o universo numérico que se atualiza na matéria, provocar precipitações, diferenciações de pré-‐indivíduos.
Segundo a Teoria da Informação, como vimos no capítulo III, quando digitalizamos um sinal sonoro ou luminoso o convertemos em números ou, em último caso, em sequências de portas lógicas (transistores com chaves ligadas ou desligadas), subtraindo de um “corpo” (som ou luz) uma informação pura. Essa informação pura está em concordância, em sincronia com a lógica booleana que, por sua vez, é mapeada em circuitos lógicos.
A impressão de que algo autônomo permanece nesses processos de conversão é fortalecida quando aplicamos o caminho inverso, reconvertendo os números gerados nesse processo em som ou luz novamente, recompondo estes últimos. Dizemos, por exemplo, ao ouvir uma voz ou imagem reproduzida via computador, que realmente podemos ouvir a mesma voz, a mesma imagem original. Mas, será isso verdadeiro? Na verdade, não. A voz original não pode ser totalmente resgatada, nem analogicamente nem digitalmente. Caso o fosse, realmente poderíamos acreditar em uma informação destilável que pode recompor o líquido de onde veio. Mas não é esse o fato. A voz regenerada é uma voz transformada, contaminada pelos diversos corpos por onde transitou. A sua
voz digitalizada não é mais a sua voz. É uma voz polifônica de diversos corpos em ressonância, em coro. É a voz da membrana no microfone que converte onda mecânica em sinal elétrico, é a voz do fio que transporta esse sinal, é a voz dos transistores que convertem sinal elétrico contínuo em entidades discretas (ons e offs) e, finalmente, a voz do auto-‐falante que recompõe, a partir da operação inversa da digitalização, ondas sonoras audíveis.
Se abordarmos essa tradução de entidades analógicas em entidades numéricas via conceito de transdução, teremos a seguinte sequência: estruturas, padrões contidos na luz/som, são convertidas em sinais elétricos que são capazes de receber a ressonância desses padrões em seu “corpo”. Esse sinal elétrico é convertido finalmente em padrões que emergem da combinação de um conjunto de transistores ligados ou desligados. O corpo “conjunto de transistores” só pode acolher os padrões trazidos pelo sinal elétrico, pois sua matéria possui padrões que, de alguma forma, podem ecoar os padrões externos. O que não for passível de se traduzir em transistores e suas dinâmicas maquinais não pode existir nesse nível156.
Essas portas lógicas possuem regras de recombinação de seus estados e isso possibilita processos mais complexos que a simples tradução de uma entidade analógica em seu equivalente digital. Possibilita automatização de processos complexos, matemáticos. Os limites do que pode ser modelável internamente em um computador (lembremos de Turin e Goedel) nesses processos automatizados não dizem respeito aos limites do que pode ser traduzido de volta em matéria (a Teoria da Informação visa a garantir a
156 Normalmente se dá como ponto pacífico a ideia de que os transistores recebem plenamente a
lógica booleana. Isso é até aceitável para processos em baixa velocidade. Quando a velocidade dos processos é aumentada, aumenta-‐se a probabilidade de eventos desestabilizadores. Por exemplo: dependendo da velocidade de alteração dos estados das portas lógicas (informando o sistema se ela está ligada ou desligada), uma porta pode ser alterada antes da contagem de seu estado. Essa contagem sem sincronia pode propagar em cadeia essa inconsistência, provocando desde comportamentos ilógicos (ou, pelo menos, ilogicamente booleanos) até um colapso do sistema (estranha ou ironicamente esse fenômeno é conhecido nas ciências da computação como “metaestabilidade das portas lógicas”). O agravante é que esse evento é imprevisível e, quando acontece, é irremediável. Uma das causas desse problema é a miniaturização dos circuitos. Grosso modo, quanto menor o circuito, maior a dificuldade de se isolar eletronicamente uma porta lógica da outra. Esse não isolamento significa que uma porta pode receber influência eletromagnética de outra porta antes da contagem de seu estado.
transmissão sem perda e sem interferência, mas não diz nada a respeito de como um ruído pode ser incorporado para gerar ou criar novas informações). O que determina esse limite é essa própria matéria. A matéria ou o meio externo ao computador devem poder ressonar os padrões emergentes da matéria que recebeu a lógica booleana (isto é, o próprio computador).
O computador, assim como a informação, possui corpo. Esse corpo está em contínua individuação e, como tal, é uma fonte imensa de possibilidades latentes. Cabe ao humano orquestrar essas multiplicidades, fazendo colidir a lógica maquinal com os diversos “corpos” que as circunscrevem, explorando as sincronias, semelhanças e diferenças. Assim, o computador, ao contrário das denúncias que o veem como máquina homogeneizante, pode ser visto como vetor hibridizante.
Em vez de máquina que potencializa o controle e a regulação, ele pode ser visto como catalisador de processos de individuação que, como vimos, podem ser processos hibridizantes entre humanos e não humanos, motores de heterogeneidades.
Esvaziar a denúncia da homogeinização via potencialização do mundo em informação implica, segundo Latour, não acreditar na efetivação total da transformação do humano e do natural em linguagem, mais especificamente em informação: ela não concluiria seu processo de destilação do híbrido em entidades puras. Na verdade, ela geraria novos híbridos que, por sua vez, catalisariam a geração de outros híbridos. O mecanismo purificador, dessa perspectiva, se torna um recurso de mediação: as entidades pretensamente purificadas em informação, frutos desse processo, quando vistas como parte de uma rede (com corpos, significados, etc.), são contaminadas pela rede e as contaminam retroativamente.
Esvaziar a denúncia significa, enfim, não acreditar na consumação da “autonomização da informação”157 e no poder da informação de modelar a matéria. Essa purificação, que ecoa o hilemorfismo aristotélico, nunca foi totalmente consumada. E não foi consumada por não ter conseguido tecnicamente meios ideais para dar forma à matéria, tornar material processos
157 E seus correlatos: autonomização da lógica e a conseqüente possibilidade de mapear-‐se em
lógicos (puros)158. Essa incompletude da purificação acontece, pois o controle da matéria via pasteurização numérica/informacional (Shannon) está sempre se confrontando com pré-‐indivíduos metaestáveis (inclusive aqueles situados internamente à “caixa-‐preta-‐digital”). A informação está entrelaçada a corpos e não pode existir fora deles.
Nesse sentido, o espelho nunca foi finalizado, as caixas-‐pretas nunca foram totalmente opacas. Isso não impediu que a crença no espelho e na opacidade pudesse produzir inúmeros frutos. Mas o que se produziu não foram espelhos que refletiam maquinalmente o humano puro tornando-‐os caixas-‐ pretas que tornavam tangíveis inputs e outputs puros (informação). O que se produziu foram entidades híbridas, continuidades entre humanos puros e não humanos, entre o corpo e a informação pura (autônoma). Esses híbridos remodelaram o que se entende por humano e não humano e o que se entende por informação e corpo. Essa remodelação não apagou as diferenças. Apenas deslocou o conceito de “diferença entre essências” para processos incessantes de contaminação e diferenciação. O mar de híbridos não é um mar abstrato ou um mar de significantes, indiferenciado e homogêneo. Esse mar está em contínuo fluxo e possui diferentes densidades, diferentes cores ao longo do tempo.
Pudemos construir, com as considerações acima, a diferença entre a busca pela neguentropia via transformação de híbridos em informação e a busca pela ressonância entre metaestabilidades nos processos de individuação. Mas, do ponto de vista prático, isto é, de quem interage com sistemas em transdução, existiria realmente uma diferença entre essas duas buscas? Essa diferença se resumiria apenas ao que se busca: governo ou ressonâncias? Retomemos o caráter indireto, exterior, daquele que interage: do ponto de vista de quem observa, como este poderia ler mecanismos, padrões, ressonâncias internas só acessíveis na sua totalidade quando dentro desse sistema? Como acessar um campo de virtualidades se este só se manifesta, se torna tangível, depois de
158 Lembremos que na Constituição Moderna os intermediários, os híbridos, podem ser servos
atualizar-‐se e, da perspectiva de quem observa, se torna externo? O que se vê externamente dos padrões e ressonâncias internas não seriam, afinal, como
outputs de informação shannonianas (que, por sua vez, em algum momento,
serão reações a inputs vindos de fora)? A metaestabilidade não poderia ser entendida como um rearranjo interno, gerando novos mecanismos e estruturas, realizado a partir de retroalimentações contínuas entre os lados de fora e de dentro de uma caixa-‐preta, entre suas partes discretas e finitas e o lado de fora? Enfim, aquele que trata um sistema como sendo um caso de metaestabilidade se atualizando via transduções, em termos práticos, difere daquele que trata o sistema como uma luta contínua contra a neguentropia? Estando fora do sistema, ambos não devem lidar indiretamente, sempre através da superfície, com o que é interno ao sistema? E no que se gera a partir dessas leituras diferenciadas (que nega ou afirma o híbrido), afinal, encontramos uma contradição ou uma justaposição de equivalências?
A diferenciação, como veremos, não acontece apenas enquanto busca, mas também conforme se entende a própria relação do computador com o humano. Nesse sentido, a interface passa de agenciadora de inputs/outputs para algo que se redesenha continuamente no que chamamos zonas de conexão/separação. Essas zonas de conexão/separação são partes, regiões tanto do computador como do humano. E elas estão em ressonância no momento da comunicação. Para definirmos essas zonas (que são compostas por regiões do humano e regiões do computador), voltemos à transdução.
Uma individuação através de transduções, como vimos, é relacional. Ela relaciona o domínio “indivíduo” com seu “milieu”. Mas o modo da relação é específico. Retomando o modo como uma transdução se processa, temos na ressonância sua principal operação. Como ressonância entendemos uma espécie de sincronia entre o que se transmite e o que se recebe, entre as regiões ou subdomínios do indivíduo ou entre o domínio “indivíduo” e seu ambiente. Essa sincronia precede a transdução e diz respeito à própria possibilidade de a transdução se efetivar. Mas essa ressonância não é um simples eco, uma repetição. Ela opera uma transformação. A sincronia, que torna a ressonância
possível, mostra onde as regiões se assemelham. No entanto, como vimos, a semelhança entre regiões não está na sua essência, mas sim nos mecanismos que as estruturam, aqueles que coordenam e operam os processos de diferenciação de uma região. Assim, cada região reage à ressonância de maneira diferente, singular.
A transdução se propaga reestruturando regiões, criando conexões entre elas e entre outros domínios que não existiam anteriormente. Nesse processo, cada região que se reestruturou em função de uma região anterior também reestrutura a região com que irá se conectar. Essa é a forma da relação. Assim, a ressonância não se propaga por canais estabelecidos. Na transdução, a ressonância se propaga por zonas de conexão que se redefinem, se reestruturam, se reinventam continuamente. Essas conexões, no entanto, não surgem do nada. Elas estão presentes e existem virtualmente no indivíduo em individuação, constituindo o próprio pré-‐indivíduo. Esse campo virtual, que não