Antes que o confronto entre as duas realidades pudesse se efetivar a partir da confecção de modelos computacionais e físicos, houve um semestre inteiro de instrumentalização: princípios de programação em Linguagens JAVA e C/C++ e princípios de eletrônica aplicados a vídeo e áudio. Com esse repertório inicial, foi formulado o “Spherical Spaces”. Esse primeiro projeto propunha uma concepção inicial de como a complementaridade entre simulação e fenômeno físico poderia acontecer: uma realidade virtual configurada como uma espécie de banco de dados tridimensional de indexação dinâmica, cuja contínua reestruturação seria alimentada pelas observações/leituras provenientes do espaço interno da esfera e sua dinâmica.
O texto a seguir39 foi apresentado como proposta para o exercício da disciplina “Generative Systems Modeling”, do curso “Generative Systems”, no codelab_berlin. Ele será apresentado na forma de citações, sendo interrompido eventualmente por comentários.
Spherical Spaces -‐ A primeira atualização do Kaleydoscope Universe
“O modo como nós organizamos informações em um ambiente digital é relativo às nossas noções espaço-‐temporais. Podemos dizer que ainda estamos nos relacionando com tempo e espaço basicamente através do uso da perspectiva e da Física newtoniana, que nos diz que o tempo é linear, dividido em instantes, e que o mundo pode ser descrito como uma porção de peças que funcionam em conjunto dentro de um espaço abstrato e tridimensional. Nós temos sido sensibilizados por esse modelo discretizante de mundo através do “uso” de trens, fotografia, cinema, telefone, livros impressos e, atualmente, “Realidade Virtual”. Todos eles internalizam os conceitos sobre tempo e espaço citados acima. No entanto, atualmente temos diversos outros modelos mais acurados para a realidade, mas ainda não fomos sensibilizados sobre e por eles.
Minha pesquisa atual busca uma maneira de modelar um tempo não linear e um espaço não perspéctico com a intenção de nos sensibilizar para aspectos da realidade que ainda não podemos perceber: simultaneidade,
relação entre tempo e luz, continuidade entre tempo e espaço, universo não discreto, espaços n-‐dimensionais. Esse espaço modelado deveria ser dinâmico e funcionar como suporte onde dados/informações poderiam interagir entre si e com o usuário desse espaço.
A partir de especulações iniciais a respeito de um espelho esférico (uma esfera cuja superfície interna é capaz de produzir reflexos de um objeto situado dentro dela), várias questões sobre o comportamento desses reflexos surgiram e ainda não encontraram resposta. De qualquer modo, essas questões apontam para uma complexidade que poderia ser usada como base para a produção do que chamamos de ‘Spherical Space’. Essa complexidade diz respeito a um sistema dinâmico que produz continuamente anamorfoses, questionando nossa compreensão e percepção sobre esse espaço, sobre o objeto nesse espaço e sobre como esse espaço pode nos ajudar a perceber o ‘tempo passando.”
Essas suposições sobre a possibilidade de lidarmos com um espaço que desconstruísse certas noções espaço-‐temporais, embora contivessem um certo grau de pretensão, derivavam de algumas especulações já comentadas nesta tese sobre a diferença entre os reflexos dentro de um cubo espelhado e uma esfera espelhada, apontando relações entre o tamanho e a forma dos reflexos e sua “idade”.
“O projeto Spherical Space
A primeira etapa desse projeto é simular um espelho esférico. Isso poderia ser feito utilizando um software de simulação de “luz”. Para compreendermos melhor o comportamento real da luz, um modelo material (grande o suficiente para inserirmos uma câmera nele) será também construído. É importante ressaltar que a ideia não é criar uma simulação realística do espelho esférico, e sim usar seus complexos fenômenos como inspiração para um espaço esférico. Para que compreendamos melhor esses fenômenos, vários experimentos deverão ser realizados a partir da inserção de uma prótese que nos possibilite ver e ouvir o comportamento da luz dentro da esfera, testando variações dos parâmetros de seus elementos (fonte de luz, posição do objeto refletido, sensibilidade da câmera etc.).”
A partir desses experimentos, uma estrutura análoga à perspectiva tradicional (enquanto mecanismo que estrutura a visualização espacial) poderia ser elaborada. Essa estrutura (com seus processos dinâmicos) poderia ser utilizada para organizar informação de um modo não perspéctico. A indexação de dados poderia ser feita com a substituição da imagem refletida por alguma informação (figuras, texto, sons, etc.), mantendo, no entanto, o comportamento do reflexo anterior. Poderíamos verificar também o que aconteceria se, ao invés de observarmos os reflexos produzidos por um objeto, nós pudéssemos fazer o contrário, em um processo inverso: diversas informações (figuras, sons, textos que estão substituindo “reflexos” ) produzindo um objeto dentro da esfera. Essa produção aconteceria a partir da construção do caminho inverso dos
reflexos, isto é, partindo do espelho em direção ao objeto. O que seria esse objeto? Como ele se fundiria a partir desses diversos “reflexos”?”
Como vimos no segmento de texto acima, o projeto Spherical Space pretendia usar a esfera espelhada física como referência para a modelagem de um espaço onde informações imitassem os fenômenos nela observados. Esse projeto não se concretizou40. O modelo digital foi abandonado e a atenção passou a ser dada exclusivamente às imagens internas capturadas pela câmera. A sedução dessas imagens, somada à ampliação gradativa do meu repertório técnico, apontava para novas direções e comecei a imaginar novos encaminhamentos para a investigação. A inserção na esfera foi um passo que provocou uma ruptura importante no encaminhamento da pesquisa. Esse redirecionamento fez com que eu concebesse um novo projeto: o “end(o)los”.
No entanto, embora não tenha sido concretizada, essa intenção de se fazer convergir uma dimensão digital e uma dimensão analógica assumiria uma outra forma no projeto que viria a ser chamado de M(n)EMO, uma fase seguinte ao end(o)los em que, em vez de se modelar um espaço digital que simulasse o comportamento do espaço analógico da esfera, utilizando-‐o como referência para uma estruturação dinâmica de dados, começou-‐se a explorar a justaposição de imagens digitais (gravadas, editadas ou sintetizadas digitalmente) às imagens capturadas no interior da esfera. Porém, antes de abordarmos o projeto M(n)EMO, vamos apresentar o projeto end(o)los, em que poderemos observar como se iniciou a modelagem dos meios de observação do espaço interno da esfera.
40 Essa mudança de direção deixou de explorar uma reversão interessante: aquela que criava o
“objeto” a partir do reflexo, no caso, uma informação como sendo resultado da convergência das informações renderizadas na superfície.
I.4 -‐ END(O)LOS
Se a vontade/ímpeto de transparência da superfície espelhada da esfera não pôde ser concretizada, à medida que eu incrementava meus conhecimentos sobre tecnologias digitais e programação, uma outra transparência começou a acontecer: os processos digitais até então obscuros, passaram a ser gradualmente “visualizáveis”: o controle do software em relação ao hardware, as funções computacionais controlando operações, as conversões A/D41 passaram a fazer parte de um entendimento da esfera que crescia gradualmente. Essa ampliação da visibilidade dos processos maquinais sensibilizou-‐me para a percepção de uma tensão contínua entre um universo analógico e um universo digital que não dizia respeito somente à contraposição simulação x fenômeno físico. As idas e vindas das traduções/conversões de um universo em relação ao outro (do analógico para o digital e vice-‐versa), que propiciavam, em última instância, a entrada na esfera, direcionavam tanto o campo teórico como o empírico para uma investigação das características intrínsecas de cada um desses universos.
Com o andamento dos experimentos com o modelo físico foi-‐se abandonando a preocupação de uma sistematização do que poderíamos chamar de banco de dados dinâmico do “Spherical Spaces” inspirado nos fenômenos da esfera. O foco foi deslocado para a esfera física e para os processos de conversões “A/D” citados acima. Assim, os fenômenos observados apontavam para uma ênfase na exploração visual via câmera como algo a ser incorporado como parte da própria interface final e não apenas como referencial a ser remodelado virtualmente, como acontecia no projeto Spherical Space.
O componente visual se mostrou tão forte que passou a ser o protagonista da história. E, talvez, mais importante ainda: ficou claro que a observação do espaço interno da esfera era uma criação contínua da interface, isto é, ao observar (via criação de meios de observação), eu estava interferindo