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1.7 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE

1.7.2 Obrigação de reparar o dano

Toda vez que o ato infracional praticado pelo adolescente acarretar prejuízos, ou seja, ocasionar reflexos patrimoniais, o juiz poderá aplicar a medida socioeducativa de obrigação de reparação do dano, nos termos do Art. 116 do ECA. Dispõe o Art. 114, in

verbis:

Art. 114 – Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo.

Parágrafo único – Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada

.

Entende-se que a medida – reparação de danos – pode ser aplicada na remissão clausulada, no âmbito da justiça consensualizada, principalmente quando há concordância com relação ao ressarcimento dos danos causados pelo ato infracional, seja material ou moral. Evidentemente que essa medida não será destinada à maioria esmagadora da clientela da Vara da Infância e Juventude, oriunda, principalmente, de lares desafortunados, desestruturados, sem quaisquer condições de arcar com algum prejuízo, tendo em vista que compõem a grossa fileira dos excluídos e miseráveis que sobrevivem à margem de nossa sociedade tão desigual.

Não resta a menor dúvida de que esta medida visa, precipuamente, atender aos interesses da vítima, em face do prejuízo causado pela prática do ato infracional. Nessa modalidade de medida socioeducativa que visa também reparar os danos de natureza material e moral provocados pelo ato infracional, tem perfeita aplicabilidade o modelo de justiça restaurativa, que objetiva responsabilizar o autor do fato, de forma consensualizada, no sentido de fazê-lo refletir sobre o ato cometido e comportar-se como responsável pelas consequências do ato, oportunizando a escuta e o protagonismo da vítima, buscando, assim, restaurar definitivamente os traumas emocionais provocados pelo evento.

Entendo que a medida socioeducativa só deve ser aplicada ao adolescente que praticou determinado ato infracional, não devendo se estender a outras pessoas, como

pais, avós, irmãos etc, sob pena de ferir de morte o princípio da intranscendência – um dos princípios constitucionais da pena no processo penal – e que, a fortiori, tem perfeita aplicação na seara do direito infracional do ECA, de sorte que somente aquele adolescente a quem se atribui a prática do ato infracional é que, de fato, poderá suportar os efeitos da imposição coercitiva da medida de reparação de danos. Todavia, normalmente, em face da hipossuficiência do adolescente, que não dispõe de renda, as consequências do ato acabam se diluindo por toda a família, que de qualquer forma procura auxiliar o jovem que está em dificuldade; entretanto, a medida deve focar diretamente o adolescente para que ele se sinta responsável e perceba o sacrifício a que a família vai ser submetida para pagar um ato ilícito que ele cometeu, de sorte que surta o efeito pedagógico almejado pela medida socioeducativa.

Evidentemente que a maioria dos casos referir-se-ão aos crimes patrimoniais, como furto, apropriação indébita, extorsão, dentre outros, mas também podem ocorrer em atos similares a lesões corporais, homicídio, crimes contra a honra, ou, mesmo, o caso de lesões culposas ou homicídio culposo decorrente de acidente de veículo provocado por adolescente menor de 18 anos, capaz, portanto, de gerar prejuízos de caráter material – danos emergentes e lucros cessantes – como danos de natureza moral. Não se pode impor ao pai do adolescente, no âmbito da Justiça da Vara da Infância e Juventude, o ressarcimento dos danos com fundamento na culpa in vigilando.

Ad primam, a justiça da infância e juventude, no que toca à prática de atos infracionais,

não julga atos de adultos, mas o ato infracional imputado ao adolescente é que poderá ensejar a aplicação de uma medida socioeducativa.

Na verdade, nada impede, ao contrário, recomenda-se que a questão da responsabilidade civil seja buscada através de via própria, ou seja, da jurisdição cível, muito embora, hoje, no processo penal, já há previsão para que o juiz condene o réu a indenizar a vítima ou a família da vítima pelos prejuízos de natureza moral e material decorrentes do delito, ainda que não represente a totalidade da reparação de danos. É bem possível, entretanto, que ainda na fase pré-processual – proposta de remissão clausulada com reparação de danos feita pelo Ministério Público – os pais ou responsáveis legais pelo adolescente intervenham, no sentido de compor amistosamente o litígio, assumindo o compromisso de ressarcir o prejuízo causado pelo adolescente, mas aí não haverá imposição coercitiva da medida, e sim consenso. Observa-se que esta medida vem sendo aplicada, reiteradamente, por vários juízes, nos casos de lesões corporais, pichadores de prédios públicos, principalmente em se tratando de

adolescentes de classes altas, o que não deixa de ter certa eficacidade, no sentido de exigir que o adolescente assuma o ônus de ressarcir os danos, mesmo que tudo isso tenha a participação da família, obrigando-o a refletir sobre o ato que praticou; todavia, o juiz deve analisar cada caso e evitar os excessos que possam submeter o adolescente a situação de extrema humilhação ou constrangimento, capaz de ferir o princípio da dignidade humana, sem qualquer critério de natureza educativa que possa efetivamente produzir os efeitos almejados pela aplicação da medida. Entende-se que nos atos infracionais de motivação patrimonial, como roubo, furto, bem como naqueles atos que configurem crimes contra a honra e lesões corporais pode-se aplicar a justiça restaurativa, como um modelo de pacificação de conflito, pelo qual, através do consenso obtido nos círculos restaurativos coordenados pelos mediadores de conflitos, se possa estabelecer parâmetros objetivos para responsabilizar o autor do ato infracional e empoderar a vítima, assegurando o seu protagonismo no processo e ressarcindo-a dos prejuízos materiais e morais provocados pelo evento, de sorte a neutralizar os traumas emocionais decorrentes do conflito.

Finalmente, quando se tratar de atos infracionais similares a furto, roubo, apropriação indébita, extorsão, a simples devolução da res furtiva ou o equivalente em dinheiro ou outro objeto já satisfaz às exigências do cumprimento da medida de reparação de danos. Todavia, quando não for possível o cumprimento da medida, por qualquer motivo, a alternativa é substituir a medida socioeducativa por outra que possa ser cumprida efetivamente pelo adolescente, nos termos preconizados pelo § 1º do art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.