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1.7 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE

1.7.3 Prestação de serviços à comunidade

Constitui uma das principais medidas cumpridas em meio aberto pelo adolescente e está prevista nos Arts. 112, III e explicitada no Art. 117 do ECA. Ela restringe direitos do adolescente a quem se atribui a prática do ato infracional, e embora não haja previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente, a medida só deve ser aplicada ao adolescente maior de 14 anos de idade, por força de uma interpretação conforme a Constituição Federal, especialmente com o que dispõe o inciso I do § 3º do art. 227 da referida Carta Magna, que estabelece a idade mínima de 14 anos para o trabalho infantil, na condição de aprendiz. Consiste na prestação de serviços a entidades hospitalares, assistenciais, educacionais e congêneres, por período não superior a seis

meses, e visa, fundamentalmente, aferir o senso de responsabilidade do jovem e sua aptidão para cumprir a medida em meio aberto, ou seja, o adolescente continuará estudando ou trabalhando, normalmente, convivendo, na sua comunidade, com seus familiares e amigos. Essa medida deve ficar a cargo de algum programa de atendimento socioeducativo, que deverá encaminhar o adolescente para determinada entidade onde ele prestará o serviço. Como toda medida socioeducativa, a Prestação de Serviços à Comunidade tem um caráter sancionatório, que é a resposta coercitiva do Estado diante da prática do ato infracional, como também um caráter pedagógico, que é precisamente oferecer ao adolescente uma experiência que ele ainda não vivenciou, prestando serviços gratuitos junto a idosos, crianças com câncer, por exemplo, no sentido de despertar no jovem uma nova consciência voltada para a prática da solidariedade e do respeito ao outro.

As tarefas atribuídas ao adolescente, conforme dispõe o Parágrafo Único do art. 117 do ECA, devem ser compatíveis com suas habilidades pessoais e cumpridas numa jornada máxima de oito horas semanais, podendo ser dias úteis, sábados, domingos e feriados, de forma a não prejudicar as atividades educacionais ou laborativas do educando. A prestação de serviços pode ser também executada em programas comunitários ou governamentais. Como se sabe, não existe medida socioeducativa com prazo determinado. Logo, dependendo do progresso do adolescente e do alcance da meta almejada com a aplicação da medida, a equipe interdisciplinar do programa de atendimento socioeducativo pode, perfeitamente, opinar pelo desligamento do adolescente, antes de ser completado o período máximo, inicialmente determinado pelo magistrado, que não poderá exceder a seis meses, conforme disposto no art. 117 do ECA. Para tanto, basta o juiz contar com a anuência do representante do Ministério Público com relação às conclusões da equipe interdisciplinar e se convencer de que o prolongamento da medida de prestação de serviços é desnecessário, pois já foi atingido, satisfatoriamente, o objetivo da medida, já tendo o socioeducando absorvido o seu conteúdo pedagógico.

Na verdade, consoante o escólio do jurista Paulo José da Costa Júnior, a Rússia foi pioneira ao contemplar a prestação de serviços à comunidade como alternativa à pena privativa de liberdade, no seu Código de 1960. No Brasil, a reforma geral do Código Penal, ocorrida em 1984, inseriu, pela vez primeira, a prestação de serviços à comunidade como pena alternativa à prisão, e, também, como condição da suspensão

condicional da pena, a ser cumprida, pelo acusado, no primeiro ano de cumprimento do benefício, nos termos do § 1º do Art. 78 do Código Penal Brasileiro.

As atividades devem ser oferecidas ao adolescente conforme suas aptidões, nível de instrução ou formação, de sorte a não perder o caráter pedagógico e se transformar numa mera expiação, submetendo o jovem, ainda na condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, a uma situação de constrangimento. Ora, se o jovem já está concluindo o ensino médio e tem aptidões para informática, não é pedagógico que o coloquem para limpar sanitários de um hospital, com todo o respeito que merece a profissão de servente e de doméstico, pois, assim, não se estará estimulando as potencialidades do jovem e buscando a sua reeducação. A medida socioeducativa, nesse caso, terá um efeito meramente de expiação e de retribuição, contrariando, assim, o espírito da Doutrina da Proteção Integral e os preceitos da socioeducação estabelecidos na Lei do Sinase.

Na verdade, a medida socioeducativa da prestação de serviços à comunidade guarda coerência com a corrente minimalista, que prevê a intervenção mínima do Estado na esfera individual do adolescente a quem se atribui a prática do ato infracional, buscando evitar o seu encarceramento e criando as condições para que ele reflita sobre as consequências do ato infracional e tome consciência dos valores voltados para o exercício da solidariedade humana e da cidadania. O saudoso jurista Evandro Lins e Silva explicita:

Já estamos assistindo a implantação das chamadas penas alternativas, outras formas de manifestar a reprovação social contra o crime que não seja o encarceramento do acusado: as interdições de direitos; o ressarcimento do dano ocasionado pelo crime; a multa; a prisão de fim de semana; a prestação de serviços à comunidade [...] (2005, p. 361).

Roberto Bergalli arremata, enfatizando o caráter pedagógico da medida socioeducativa da prestação de serviços à comunidade:

A medida possibilita o alargamento da própria visão do bem público e do valor da relação comunitária, cujo contexto deve estar inserido numa verdadeira praxis, onde os valores de dignidade, cidadania, trabalho, escola, relação comunitária e justiça social, não para alguns, mas para todos, sejam cultivados durante sua aplicação (2005, p. 361).

O representante do parquet de Santa Catarina, Miguel Moacyr Alves Lima, com percuciência enxerga o alcance social da prestação de serviços à comunidade, ao explicitar o seguinte, in verbis:

[...] Nesse caso, a submissão de um adolescente à prestação de serviços à comunidade tem um sentido altamente educativo, particularmente orientado a obrigar o adolescente a tomar consciência dos valores que supõe a solidariedade social praticada em seus níveis mais expressivos. Assistir aos desvalidos, aos enfermos, aos educandos. (atividades que devem serprestadas em entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres) é tarefa que impõe a confrontação com o alter coletivo, de modo que possa demonstrar-se uma confiança recíproca que, por sua vez, está presente em todos os códigos de ética comuntária [...] (2005, p. 387).

Como enfatizado no início, o sucesso da medida depende da existência de um programa de atendimento socioeducativo responsável pela elaboração do Plano Individual de Atendimento – PIA – e que monitore e fiscalize, junto à entidade responsável pela execução da medida socioeducativa de Prestação de Serviços, o efetivo cumprimento da medida, através de sua equipe interdisciplinar e pautada numa proposta pedagógica que implementa a socioeducação. Trata-se de uma medida, que, uma vez aplicada sob a égide das diretrizes do Sinase, pode proporcionar ao socioeducando uma experiência terapêutica extraordinária, capaz de mudar suas atitudes comportamentais e criar uma consciência que valoriza a convivência social, a alteridade e o respeito ao outro. Nessa perspectiva, atuando diretamente na raiz do problema, estimulando a autoestima do jovem ainda em desenvolvimento, introjetando regras mínimas de convívio social e fortalecendo os vínculos familiares, é de se esperar que o adolescente que eventualmente cometeu algum ato infracional possa redirecionar seus passos para o exercício pleno da cidadania.