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Meios de obtenção de prova e restrição à intimidade e à vida privada: busca e apreensão domiciliar e interceptação telefônica

3 Processo justo e prova penal: marco de garantias na atividade probatória no exterior

Article 6 of the European Convention on Human Rights and its functions in criminal justice of selected European countries A comparative view [s.l.]: Leuven University Press, 2000 p 23-27.

3.2 Aplicação do marco de garantias às provas em espécie

3.2.4 Meios de obtenção de prova e restrição à intimidade e à vida privada: busca e apreensão domiciliar e interceptação telefônica

Conforme definição formulada na Parte I, os meios de obtenção de prova consistem em instrumentos de investigação, cuja finalidade é a identificação de fontes de

153 GRINOVER, Ada Pallegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

prova. São os instrumentos indispensáveis para a investigação probatória, muito embora não se qualifiquem como instrumentos de convencimentos, como os meios de prova154.

Interessa ao estudo, todavia, a aplicação do marco de garantias aos meios de obtenção ou pesquisa de prova que implicam restrição à intimidade e à vida privada, como a busca e apreensão domiciliar e a interceptação telefônica.

De acordo com o art. 8º, n. 2, da Convenção Européia de Direitos Humanos, a ingerência da autoridade pública na vida privada, familiar, no domicílio e na correspondência da pessoa deve: estar prevista na lei, ser necessária numa sociedade democrática para a segurança nacional, segurança pública, bem-estar econômico do país, defesa da ordem e prevenção de infrações penais, proteção da saúde ou da moral, proteção dos direitos e liberdades de terceiros.

3.2.4.1 Busca e apreensão domiciliar

A medida de busca e apreensão domiciliar tem como objeto pessoas ou coisas. As coisas passíveis de apreensão devem ser concebidas em sentido amplo, abrangidos os documentos e qualquer elemento útil para provar ou negar o fato a que se refere à imputação, à punibilidade ou à determinação da pena155.

A jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, segundo Giulio Ubertis, refere-se ao termo domicílio não somente aos locais de habitação, mas a qualquer lugar em que se desenvolve uma atividade profissional ou comercial, uma vez que na casa pode ser desenvolvida atividade de trabalho, assim como na sede do trabalho podem ser desenvolvidas atividades pessoais156.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos também decidiu que a inviolabilidade do domicílio estende-se aos espaços fechados, nos quais o ser humano desenvolve sua vida não somente privada, mas também de relação com o exterior157.

O marco de garantias na busca e apreensão domiciliar compreende, em primeiro lugar, a exigência de previsão legal, segundo a interpretação da Corte Européia de Direitos Humanos, em que o termo lei é considerado no sentido material e não formal,

154 SIRACUSANO, Delfino et al. Diritto Processuale Penale. 3. ed. Milano: Giuffrè, 2001. v.1, p. 377. 155 Ibid., p. 377.

156 UBERTIS, Giulio. Principi di procedura penale europea. Le regole del giusto processo. 2. ed. Milano:

Rafaello Cortina, 2009. p. 129.

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abrangendo o direito escrito e o não escrito, assim como a interpretação jurisprudencial, que tem força normativa igualmente.

Em segundo lugar, é necessário controle judicial prévio ou posterior, a partir da comunicação ao juiz competente sobre a medida realizada. Se num Estado, por exemplo, o Ministério Público detém o poder de determinar a busca e apreensão domiciliar, basta que a medida seja submetida ao controle judicial, para que a atuação seja convalidada e legítima.

Em terceiro lugar, quanto à iniciativa, baseada na igualdade de armas e no direito à prova, tanto a acusação como a defesa poderá pleitear a diligência de busca e apreensão, porquanto a medida pode ser hábil tanto à demonstração da imputação como da inocência.

Em quarto lugar, a Corte Européia de Direitos Humanos afirmou que é assegurada ao interessado a possibilidade de recorrer a uma autoridade judicial, após a execução da medida, mesmo que não haja qualquer apreensão, para controlar a legalidade da busca158.

3.2.4.2 Escuta telefônica, interceptação telefônica e gravação ambiental

Antonio Scarance Fernandes define as seguintes modalidades de captação de conversas:

a) a interceptação de conversa telefônica por terceiro, sem o conhecimento dos dois interessados; b) a interceptação da conversa telefônica por terceiro, com o conhecimento de um dos interlocutores; c) a interceptação da conversa entre presentes por terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos interlocutores; d) a interceptação da conversa entre presentes por terceiro, com o conhecimento de um ou alguns dos interlocutores; e) a gravação clandestina da conversa telefônica por um dos sujeitos, sem o conhecimento do outro; f) a gravação clandestina da conversa pessoal e direta, entre presentes, por um dos interlocutores, sem o conhecimento do(s) outro(s)159.

A interceptação telefônica abrange também a interceptação telemática, que abrange as conversas mantidas por meio da rede mundial de computadores (internet).

158 UBERTIS, Giulio. Principi di procedura penale europea. Le regole del giusto processo. 2. ed. Milano:

Rafaello Cortina, 2009. p. 130.

Na Constituição Federal Brasileira, a hipótese legalmente autorizada é a interceptação telefônica por terceiro, sem conhecimento dos dois interlocutores ou com conhecimento de um deles. A gravação ambiental está prevista na Lei n. 9034/95 (Lei do Crime Organizado). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já decidiu que na escuta telefônica, em que um dos interlocutores faz a gravação da conversa, não há intimidade a ser tutelada, porquanto o compartilhamento de informações é feito de forma deliberada (Recurso em Habeas Corpus n. 5.944/Paraná; relator Ministro Fernando Gonçalves; julgado em 24/03/1997)160.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, quando trata da escuta telefônica, emprega a expressão em sentido amplo, abrangendo todas as modalidades de registro de conversas. A Corte entende por correspondência as cartas, os envios postais e as telecomunicações, incluída as conversas telefônicas, ou seja, todo processo de transmissão de mensagens entre pessoas determinadas através de qualquer meio técnico. A liberdade de comunicação implica, assim, o direito de poder se comunicar e corresponder com outras pessoas, sem que ocorra qualquer interrupção ou suspensão no curso normal de uma correspondência ou de uma comunicação, de modo a não permitir que pessoas estranhas ao destinatário conheçam ilegitimamente o conteúdo de uma correspondência ou de uma comunicação161.

O marco de garantias exigido na escuta telefônica, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, necessário para evitar abusos e ao mesmo tempo assegurar a presteza do ato, compreende: a previsão em lei; a definição das categorias de pessoas suscetíveis de aplicação da medida; a natureza da infração que a admite; a fixação de um limite de duração; as condições de elaboração do relatório de síntese do registro das conversações, as precauções a adotar na transmissão dos registros para eventual controle pelo juiz e pela defesa e as circunstâncias em que se deve operar a destruição dos registros162.

160 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scaracnce; GOMES FILHO, Antonio Magalhães.

As nulidades no processo penal. 7. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 198. Os autores sustentam que a

gravação em si é lícita, pois na realidade a vedação incide sobre a divulgação do conteúdo, ressalvada a hipótese de justa causa, por exemplo, quando há investida criminosa na conversa.

161 CATALÀ i BAS, Alexandre H. La problemática adecuación de la legislación española sobre escuchas

telefónicas a las exigencias del Convenio Europeo de Derechos Humanos y sus consecuencias. Revista

del Poder Judicial, Consejo General del Poder Judicial, n. 66, p. 32, 2002.

162 BARRETO, Ireneo Cabral. A Convenção Européia dos direitos do homem anotada. 3. ed. Coimbra:

Coimbra Editora. 2005. p. 194. O autor cita as seguintes decisões da corte: Acórdãos Kruslin e Huvig, ambos de 24 de abril de 1990; Valenzuela Contreras, de 30 de julho de 1998; Rotaru, de 04 de maio de 2000.

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Nesse sentido, a Corte do Reino Unido admitiu a interceptação realizada na Holanda, de acordo com a lei local, porquanto era compatível com a Convenção Européia de Direitos Humanos163.

Cumpre observar que no tocante à exigência de previsão legal, é imperioso que a medida esteja prevista tanto no Direito Brasileiro como no Estado solicitado e desde que respeitados os pressupostos de proporcionalidade da medida, ainda que não coincidentes.

No que se refere à exigência de ordem judicial, basta que a autoridade judicial brasileira defira a medida e a autoridade judicial estrangeira intervenha no ato com o objetivo de assegurar a legalidade na execução. Deve ser assegurado o recurso à autoridade judicial ao interessado tanto no Estado requerente como no Estado requerido, de modo a coibir eventual abuso.

No tocante ao prazo de duração da interceptação, por se tratar de uma medida de exceção, sensível do ponto de vista das liberdades individuais, há que se observar a lei do Estado requerido.

Uma questão bastante tormentosa na interceptação telefônica ocorre nos casos de telefonia móvel, em que o mesmo número é utilizado no mundo inteiro, variando simplesmente a operadora. Do ponto de vista operacional, o registro das conversas somente poderá ser feito pela operadora que estiver gerando o sinal para o aparelho, de modo que o pedido de assistência jurídica deve ser direcionado ao estado em que se encontra exatamente o gestor do serviço164.

163 BANTEKAS, Ilias, NASH, Susan. International Criminal Law. 2nd ed. London: Cavendish Publishing,

2003. p. 250-251.

4 Segue: aplicação do marco de garantias à prova emprestada, atípica,

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