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2 Processo de internacionalização e constitucionalização da garantia do processo justo

O processo de internacionalização e constitucionalização dos direitos humanos, definidos no Capítulo I da Parte II, estende-se às garantias processuais.

As garantias do processo justo compreendem os direitos fundamentais processuais, cujo reconhecimento por um Estado constitui um dos critérios para medir o caráter autoritário ou liberal de uma sociedade69 e atuam para assegurar a efetivação dos direitos70.

Segundo André de Carvalho Ramos, o Direito Internacional dos Direitos Humanos é um sistema de princípios e normas, que regulam a cooperação internacional dos Estados, cujo objetivo é a promoção do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais universalmente reconhecidas, assim como o estabelecimento de mecanismos de garantia e proteção de tais direitos71 (grifo nosso).

Tais mecanismos de garantias e proteção dos direitos materializam-se na garantia do processo justo, e são extraídos do texto de documentos elaborados tanto no plano universal como regional (europeu; interamericano; africano). As garantias nascem com o objetivo de promover e proteger os direitos humanos, em que o modelo de processo justo está configurado com vistas a atingir tal finalidade.

No plano universal, os principais documentos internacionais e as respectivas garantias reconhecidas são:

1. Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que prescreve: que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante; que ninguém poderá ser preso arbitrariamente; a presunção de inocência e a garantia do contraditório e da ampla defesa; julgamento por juiz imparcial e independente; igualdade de armas;

2. Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966): as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça; toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com o respeito às garantias, por tribunal

69 BACIGALUPO, Enrique. Justicia penal y derechos fundamentales. Madrid: Marcial Pons Ediciones

Jurídicas y sociales, 2002. p.133.

70 Ver nota inserida na introdução da Parte II quanto à distinção entre direitos e garantias.

71 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de

competente, independente, imparcial e estabelecido por lei; a imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das partes o exija, quer na medida em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a ser informada, sem demora, no idioma que lhe permita compreender tanto a natureza como os motivos da acusação contra ela formulada; a dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com o defensor de sua escolha; a ser julgada sem dilações indevidas; a estar presente no julgamento e a defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; a ser informada, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo, e sempre que o interesse da justiça assim exija, a ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo; a interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e a obter comparecimento e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação; a ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua empregada durante o julgamento; a não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

No plano regional, os principais documentos internacionais são:

1. Convenção Européia de Direitos Humanos72 (1950): qualquer pessoa tem o direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável e por tribunal independente, imparcial e estabelecido por lei; o julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser

72 BACIGALUPO, Enrique. Justicia penal y derechos fundamentales. Madrid: Marcial Pons Ediciones

Jurídicas y sociales, 2002. p.283. Segundo o autor, a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, ao interpretar o art. 6º da Convenção Européia de Direitos Humanos, impôs uma série de princípios que configuram um marco básico para o Direito processual penal europeu, como: a compatibilidade do Direito à presunção de inocência com certas limitações razoáveis; o silêncio do suspeito ou acusado no interrogatório não pode ter como consequência qualquer sanção; o acusado e o defensor devem ter em alguma etapa do processo o direito de ouvir testemunhas.

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proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça; qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente, enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada; o acusado tem no mínimo o direito de ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza da causa da acusação contra ele formulada; de dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; de se defender a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, pode ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; de interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; ser assistido gratuitamente por intérprete, se não compreender ou falar a língua usada no processo.

2. Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, prescreve: garantia de julgamento no prazo razoável; garantia de julgamento no prazo razoável; garantia do habeas corpus; garantia de julgamento independente e imparcial; presunção de inocência; ciência prévia da acusação; contraditória e ampla defesa; assistência jurídica; direito à prova; direito de não produzir prova contra si mesmo; ne bis in idem; publicidade dos atos processuais; direito à honra, intimidade e vida privada contra violações arbitrárias.

3. Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (1999): direito à ação e a um tribunal imparcial; acesso à justiça; toda pessoa tem o direito a um julgamento equitativo, público e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei; toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo; é concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir

a efetividade do acesso à justiça; presunção de inocência e direitos de defesa.

4. Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos de 1981 (Carta de BANJUL): direito de recorrer aos órgãos nacionais contra atos que violem direitos fundamentais reconhecidos e garantidos em convenções, leis e costumes vigentes; direito de ser considerado inocente; direito de defesa, inclusive, o direito de ser defendido por um advogado de sua preferência; direito de ser julgado num prazo razoável e por um tribunal imparcial. Todas as garantias reconhecidas nos tratados internacionais acima indicados integram o conteúdo da garantia do processo justo ou equitativo, em que os direitos humanos constituem ao mesmo tempo o seu objeto e o fator de legitimação da atuação estatal73.

Ao estudo, todavia, interessam as garantias universais que incidem sobre a prova, como parâmetros a nortear a atividade probatória, da descoberta da fonte até a efetiva valoração do dado probatório. As garantias que incidem sobre a atividade probatória coincidem com o modelo garantista sustentado por Luigi Ferrajoli, examinado na Parte I, e que cumpre dupla função: cognitiva e de proteção às liberdades. O modelo garantista do ponto de vista cognitivo expressa o parâmetro para a atividade de produção de provas, enquanto método mais adequado para a apreensão de uma realidade. Do ponto de vista das liberdades individuais na atividade probatória, o modelo garantista está associado à promoção e à proteção do indivíduo, assegurando, por exemplo, a participação das partes e o direito ao silêncio.

Nesse sentido, o modelo de processo justo, de natureza garantista, representa muito mais do que o direito a uma boa administração da justiça, como atestado pela Corte Européia de Direitos Humanos74, significa, na realidade, o padrão normativo de garantias a assegurar, dentre outros, a maior eficácia da prova.

73 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001. p. 34-35.

O autor propõe a sistematização das garantias do processo, dividindo-as em garantias associadas ao juiz e as do contraditório. À garantia do juiz é pressuposta a imparcialidade, independência, o juiz natural, e em certa medida o duplo grau de jurisdição. Da garantia do contraditório resulta a igualdade processual, a defesa, o direito à prova, a presunção de inocência, e o duplo grau de jurisdição.

74 MARTIN-CHENUT, Kathia; SILVA, Fábia de Melo e. La constitutionalisation/conventionalization du

droit de la preuve. In: GIUDICELLI-DELAGE, Geneviéve (Coord.). Les Transformations de

l´administration de la prevue pénale. Perspectives comparées. Paris: Société de Législation Comparée,

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3 Processo justo e prova penal: marco de garantias na atividade

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