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4 Segue: aplicação do marco de garantias à prova emprestada, atípica, não ritual, anômala e proibida

4.1 Prova emprestada

A prova emprestada consiste no meio de prova produzido em determinado procedimento e posteriormente transportado para outro procedimento, com o qual, guarde ou não conexão em relação ao fim perseguido.

Quanto à classificação ou natureza da prova emprestada, sustenta Ada Pellegrini Grinover, que a prova emprestada é sempre documental, citando como fundamento o art. 238 do CPP italiano165, tendo em vista a forma como se reveste, quando da sua transposição de um procedimento para outro.

165 GRINOVER, Ada Pellegrini. Prova emprestada. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 1, n. 4, p.

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Há que se ponderar em relação a esta afirmação, a necessária distinção entre documento e documentação. Enquanto o documento constitui a fonte da prova, a documentação consiste a forma como a prova é registrada ou como se materializa.

Com efeito, ainda é salutar a distinção entre documento representativo de uma descrição ou de uma declaração. Por exemplo, a prova produzida num procedimento de natureza administrativa, somente poderá ser transportada se for representativa de uma descrição. Ela é o próprio fato, como a prova documental. Diferentemente da prova testemunhal que é representativa de um fato, a partir de uma declaração166.

Em assim sendo, é de se reconhecer que a prova emprestada, embora documentada nas cópias que são transportadas para outro procedimento, não se divorcia da fonte originária, de tal forma que se a prova originária for testemunhal, a prova emprestada será da mesma natureza, o mesmo ocorrendo em relação à prova documental.

Tal distinção é de extrema importância, uma vez que o procedimento a ser observado na formação da prova originária constitui exigência para a sua consideração como prova e para a sua admissibilidade no procedimento para o qual é transportada.

Nesse sentido, como resguardar a eficácia da prova emprestada segundo o modelo de processo justo universalmente reconhecido na atividade probatória?

Em primeiro lugar, a observância do contraditório: contraditório na prova e sobre a prova

No que se refere à prova emprestada de natureza documental, que é pré- constituída por definição, produzida fora do processo judicial, o contraditório sempre será diferido ou prorrogado. De modo que somente a partir da sua juntada, é que as partes terão a oportunidade de se pronunciar. O contraditório é sobre a prova.

Já no que se refere à prova testemunhal, o contraditório é na prova, e a prova emprestada somente poderá ser admitida se houver sido produzida em contraditório, com a participação da parte contra quem se pretende utilizá-la, no exterior. A participação da partes no procedimento originário, na formação da prova testemunhal, de forma dialética, gera a segurança de que o método de conhecimento utilizado foi o mais aprofundado possível e o menos arriscado a gerar uma situação de injustiça.

O eventual desrespeito ao método dialético na formação da prova conduz num primeiro momento à sua inadmissibilidade. Porém, em que medida o desrespeito ao método compromete a credibilidade, a função e o resultado da prova, a ponto de impedir a

sua valoração? A produção incorreta da prova e que afete o âmbito dos direitos do acusado, nem sempre conduz à não valoração da prova167. Daí porque ser possível identificar três hipóteses preclusivas do contraditório e que, em tese, conduziriam à admissão da prova168: fator dispersivo da prova de caráter objetivo-naturalístico, na presença do qual deve se admitir a formação da prova com método não dialético; fator dispersivo subjetivo, jurídico- lícito, na presença do qual a formação da prova está no todo inibida; fator dispersivo subjetivo, jurídico-ilícito sobre o declarante e do declarante que consente a recuperação da prova através de método alternativo.

É de se sublinhar que a formação da prova através do método não dialético não consente atribuir valor absoluto ao conteúdo das declarações, pelo contrário, exige rigorosa valoração que, inclusive, pode ser negada169. A admissão da prova nessas três situações não faz com que a mesma deixe de cumprir a sua função epistemológica ou de

conhecimento, não sendo razoável qualquer censura ética170, podendo, inclusive, ser

valorada como elemento informativo e não como prova.

Em segundo lugar, o direito à prova, no sentido da participação do juiz na formação da prova.

Caso se trate da prova documental, a intervenção do juiz cumpre a função de controle, no sentido da observância da legalidade na obtenção da prova.

Diferentemente, na prova testemunhal a participação do juiz é fundamental. Para Ada Pellegrini Grinover, há a necessidade de que a prova tenha sido produzida perante o mesmo juiz, em razão da garantia do juiz natural171. Isso porque a exigência do juiz natural está associada à intensidade na atuação do juiz que deve ser verificada por ocasião da formação da prova. E no entendimento da Professora Ada, este requisito somente estará plenamente satisfeito se o juiz de ambas as causas for o mesmo. Se o juiz do procedimento originário for o mesmo juiz do segundo procedimento, haverá uma melhor inter-relação com os elementos de prova e, portanto, uma cognição mais aprofundada, o que representa a preservação da garantia da imparcialidade e, portanto, de um julgamento justo.

167 ROXIN, Claus. Derecho procesal penal. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2000. p. 192-193.

168 APRILE, Ercole; SILVESTRE, Pietro. La formazione della prova penale. Dopo le leggi sulle indagine

difensive e sul “giusto processo”. Milano: Giuffrè, 2002. p. 205.

169 Ibid., p. 207.

170 UBERTIS, Giulio. La ricerva della verità giudiziale. In: ______. La conoscenza del fatto nel processo

penale. Milano: Giuffrè, 1992. p. 8.

171 GRINOVER, Ada Pellegrini. Prova emprestada. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 1, n. 4, p.

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Esta exigência de participação do mesmo juiz, que se traduz no princípio da imediação, sofre limitações, como observa Nelson Nery Junior, como, por exemplo, na hipótese de carta precatória, carta rogatória e carta de ordem, em que juiz, perante o qual a

prova se forma, não é o mesmo juiz da causa172. Em outras palavras, o princípio da

imediação compreende o contato com os elementos de prova tanto de forma direta como indireta.

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