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1 Diversidade entre os sistemas probatórios e a superação das eventuais incompatibilidades

1.2 Sistema probatório europeu-continental

A origem do sistema probatório europeu-continental remonta ao período da

50 UBERTIS, Giulio. Principi di procedura penale europea. Le regole del giusto processo. 2. ed. Milano:

Rafaello Cortina, 2009. p. 15.

51 É evidente que estes princípios, que representam a garantia do processo justo, se confrontados com as

características do sistema processual acusatório e inquisitório, certamente conduzem a uma leitura crítica quanto à efetiva manutenção destes modelos na sua forma original. Contudo, não constitui objeto do estudo este confronto, mas simplesmente o reconhecimento das características do modelo de processo justo, derivado do processo de internacionalização dos direitos humanos, com vistas à construção de um padrão normativo universal no sentido da harmonização. O que significa dizer, que a adesão dos Estados a estes documentos e o consequente processo de constitucionalização deste modelo normativo, induz à adequação do sistema acusatório e inquisitório a este modelo.

52 ZILLI, Marcos Alexandre Coelho. A prova ilícita e o Tribunal Penal Internacional: regras de

admissibilidade. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. p. 102. O TPI é inspirado no modelo adversarial, embora contemple elementos de natureza inquisitorial. O promotor tem ampla discricionariedade na seleção dos casos a serem investigados, como também na formulação de acordos com os acusados. O Conselho de Segurança das Nações Unidas pode suspender uma investigação por um período de doze meses, e a Sala das Questões Preliminares intervém quando o Ministério Público decide se existe ou não fundamento razoável para iniciar o procedimento (AMBOS, Kai. Temas de Derecho Pena Internacional y Europeo. Madrid: Marcial Pons, 2006. p. 382). As provas somente poderão ser admitidas no Tribunal se houver confrontação entre a acusação e a defesa perante o juiz da fase pré-processual. O órgão judicial que julgará o caso é uma terceira parte, que a princípio, não tem qualquer conhecimento das provas que serão apresentadas no julgamento. Trata-se de um modelo equilibrado com vistas a um julgamento justo. Verifica-se, ainda, o aperfeiçoamento em relação à posição da vítima, que goza de proteção segundo o Estatuto de Roma, principalmente no que se refere à consideração dos seus interesses contra os direitos dos acusados. A flexibilização do sistema

adversarial vem igualmente manifestada na hipótese em que a Câmara de Apelação tem a possibilidade

de invalidar o procedimento adotado para a assunção de culpa pelo acusado, quando este não tiver sido corretamente informado (ZAPPALÁ, Salvatore, ZAPPALÀ, Salvatore. Human rights in international

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inquisição53, em que a revelação da verdade fazia-se por métodos irracionais,

posteriormente substituídos pelo inquérito, segundo uma nova racionalidade probatória de reconstrução do fato passado. Trata-se do método inquisitivo, caracterizado pelo segredo e pelo caráter ilimitado da pesquisa da verdade, em que a atividade probatória constituía uma busca pela confissão54.

A legitimação do método inquisitivo, segundo Antonio Magalhães Gomes Filho, veio com a teoria das provas legais, em que as provas tinham um valor pré-determinado e que surgiu com o objetivo de afastar a ilimitada e arbitrária liberdade de convencimento. O valor pré-determinado da prova estava condicionado a uma excessiva e detalhada regulamentação do procedimento probatório55.

A reação ao modelo inquisitivo veio com o movimento iluminista do século XVIII, mais especificamente com a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, em que a relação entre o Estado e o indivíduo passa a ter uma nova concepção, não mais ex parte

principi, mas ex parte populi. O processo penal também sofreu a influência iluminista, com

o reconhecimento da presunção de inocência como valor fundamental. E no que se refere às provas, não foi diferente, e o sistema das provas legais foi substituído pelo sistema da íntima convicção do julgador, baseado num processo dedutivo, de confiança na capacidade

técnica do julgador56. Antonio Magalhães Gomes Filho aponta uma contradição entre o

repudio às provas legais e a afirmação do princípio da livre convicção, porquanto o juiz estava desvinculado das regras probatórias, mas restrito às prescrições legais no tocante à aplicação da pena57.

A ruptura com o sistema inquisitivo, segundo Antonio Magalhães Gomes Filho, veio com a lei francesa de 16 de setembro de 1791, cuja grande inovação foi a regulamentação do procedimento para o julgamento pelos jurados, a adoção irrestrita da oralidade no procedimento probatório e o abandono por completo da teoria da prova legal.

53 DENTI, Vittorio. L´evoluzione del diritto delle prove nei processi civili contemporanei. Rivista di

Dirittto Procedurali, p. 31, 1965. A disciplina legal da prova nos Estados que adotaram o sistema

inquisitivo, de influência romano-germânica, da Idade Média até a Idade Moderna, nunca foi considerada somente um produto de uma situação cultural, mas uma consequência inevitável do modo como era administrada a justiça na Europa até a Revolução Francesa.

54 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997. p. 20-

22.

55 Ibid., p. 22-24.

56 DENTI, Vittorio, op. cit., p. 32-33. O formalismo tradicional da doutrina jurídica européia passou a

considerar o problema da prova somente nos seus aspectos lógicos ou técnicos, superando, assim, o método da prova legal. Essa superação, contudo, não se justificou em razão de um problema de conhecimento, mas principalmente por razões de natureza política e social.

A transição, todavia, do modelo inquisitivo para o modelo acusatório consolidou-se com o Code d´Instruction Criminelle, de 1808, cuja característica básica era a divisão do procedimento em duas fases: a primeira, secreta, escrita, sem a participação da defesa, e perante o juiz de instrução; a segunda, pública, oral, com a participação da defesa, e perante o júri, que se orientava pela íntima convicção58.

A crítica à teoria das provas legais parte da premissa de que não é razoável a determinação prévia do valor do conhecimento obtido através da prova. Por outro lado, não é menos verdade que a teoria das provas legais possui uma função garantista, de repúdio ao risco de abuso que o livre convencimento irracional representava a partir da definição de um modelo de prova59.

Mesmo com a transição do sistema das provas legais para o sistema da íntima convicção, que coincide com a transição do modelo inquisitivo para o modelo acusatório – ao menos no tempo –, o sentido da teoria das provas legais não se perdeu totalmente. É verdade que as provas não possuem mais um valor pré-determinado. No entanto, com a transição do modelo inquisitivo para o modelo acusatório, em que se consagram a oralidade e a participação das partes no procedimento, evidencia-se uma clara preocupação com o método, inclusive, no que se refere ao método probatório.

Na estrutura do sistema europeu-continental não há uma fase destinada à livre iniciativa das provas pelas partes. Toda a atividade processual se desenvolve segundo um controle jurisdicional60.

Assim, na hipótese da prova produzida no exterior, considerando que a atividade probatória é dotada de oficialidade na sua formação, a prova produzida em outro país tem na intervenção das autoridades estatais locais a condição para resguardar a sua eficácia61. No entanto, a intervenção da autoridade estatal, com exceção feita à prova pessoal, cumpre a função de controlar a legalidade do ato praticado.

58 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997. p. 29-

31. No mesmo sentido Vittorio Denti (L´evoluzione del diritto delle prove nei processi civili contemporanei. Rivista di Dirittto Procedurali, p. 31, 1965), segundo o qual os movimentos de reforma verificados nos países de civil law se notabilizaram pelos seguintes efeitos: a) atenuação do regime da prova legal e a restituição ao juiz do livre convencimento; b) reconhecimento do processo como de tipo dispositivo, em que o juiz detém o poder de iniciativa de buscar a verdade com vistas à verificação dos fatos relevantes da causa; c) atenuação do vínculo do juiz à iniciativa probatória das partes; d) a adoção do princípio do contraditório (p. 42/46).

59 Ibid., p. 33.

60 PETRUS, Christian Herrera. La obtención internacional de pruebas. Asistencia jurisdiccional em

Europa. Bolonia: Publicaciones del Real Colegio de España, 2005. p. 79.

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