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2 A CONSTRUÇÃO DO MÉTODO COMO UM ENTRE-LUGAR

2.2 Percurso Metodológico: abrir frestas sem fechar ferrolhos

2.2.5 b Oficinas de construção de personagens

O aprofundamento nos temas a serem investigados e o surgimento das categorias de análise começaram a aparecer quando fizemos um processo de construção de personagens, por meio da identificação das formas de ser jovem em Itinga. O grupo de adolescentes jovens apontou para cinco perfis de jovens: “do hip-hop”; “de projeto social”; “da igreja”; “de Torcida Organizada” e “de facção”. Os policiais, por sua vez, agruparam os jovens de Itinga

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em quatro perfis: “usuários”; “vida loka”40; “novinhas” e “resistentes”. A ordem na qual os perfis são apresentados refere-se à mesma sequência na qual eles surgiram durante as oficinas.

A construção dos perfis foi guiada pelas questões: quem são, como vivem, o que fazem, como se apresentam os jovens de periferia? Uma vez identificados os perfis, suas histórias foram construídas tendo como base uma ficha de construção de personagem contendo uma série de perguntas referentes a aspectos físicos e psicológicos do personagem como: altura, cor de pele, o que sente quando está com medo, onde se sente seguro etc.41.

O objetivo com esta atividade foi justamente convidar os sujeitos da pesquisa a problematizar a possibilidade de se falar e entender a juventude como uma “juventude homogênea”. Ambos, policiais e adolescentes jovens, tenderam em seus discursos a apontar “os jovens” como uma condição única, com características similares e condicionadas exclusivamente à condição etária. Nesse exercício, foi possível estimulá-los a refletir sobre a as diferentes formas de “ser jovem” dentro de um mesmo espaço geográfico. Por isso, a escolha por construir as identidades juvenis encontradas no bairro de Itinga. Como vamos abordar mais adiante, o reconhecimento dos adolescentes e jovens como sujeito de direitos, com suas especificidades e diversidades ainda está longe de ser alcançado no Brasil. Na abordagem sociológica, é apenas na década de 1980 que começam a surgir teorias contestatórias que colocam em xeque a possibilidade de analisar a juventude para além de uma quase “classe social homogênea”, mas como sujeitos com interesses e valores próprios (ZALUAR, 2004).

Com o intuito de problematizar esse olhar, jovens e policiais foram convidados a construir os perfis/personagens. Foram realizados três encontros com jovens em que os perfis foram categorizados e descritos e uma oficina de produção textual para construção de histórias desses personagens que ganharam nome, casa, relações familiares. Com os policiais, este processo não se deu da mesma forma. Por conta da dificuldade de agendar os encontros, só foi possível realizar a construção dos “perfis de jovens” identificados por eles no território. A produção dos contos sobre as possíveis histórias de vida desses personagens não ocorreu. À título da análise dos dados, optamos por nos concentrar na comparação das narrativas acerca dos perfis/personagens identificados por ambos os grupos.

40 É com o grupo de rap Racionais Mc que emerge a nomenclatura “vida loka”. Neste estudo, o “vida loka”

aparece nas falas de jovens e policiais quando se referem a adolescentes e jovens inseridos na criminalidade e, também, como nome de um dos perfis de jovens de Itinga construídos pelos policiais.

54 2.2.6 Terceira etapa: narrativas individuais ou o Outro está mais perto do que parece

Neste momento da pesquisa de campo, foram realizadas as entrevistas individuais semiestruturadas, com objetivo de identificar as histórias pessoais e as relações afetivas dos sujeitos, bem como suas dinâmicas de interação e percepção no/do bairro de Itinga, tendo em vista que a partir das narrativas individuais é possível perceber elementos acerca dos aspectos políticos, culturais e cotidianos. As entrevistas foram realizas na sede do CRAS (grupo de adolescentes jovens) e na sede da BCS (grupo de policiais) e tiveram entre uma a duas horas de duração.

O questionário foi dividido em dois blocos temáticos: perguntas sobre a infância, adolescência, juventude, carreira, família, relações de amizade do/a entrevistada/o e o segundo com perguntas sobre os temas da pesquisa: violência e a criminalidade; o processo de estigmatização do jovem em Itinga; a percepção sobre a atuação policial, entre outros aspectos surgidos nas etapas anteriores. Foi uma estratégia adotada, também, com o objetivo de observar algumas mudanças de posicionamento dos discursos ocorridas ao longo da intervenção.

Para Robert Bogdan e Sari Biklen (1994), as entrevistas individuais na pesquisa qualitativa devem ser utilizadas em conjunto com a observação participante e são importantes à medida que trazem dados descritivos na linguagem do próprio sujeito e permite o investigador “desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 134).

No total, foram realizadas sete entrevistas: três com o grupo de adolescentes jovens e quatro com o grupo de policiais. Não consegui entrevistar dois jovens – os irmãos Tí e Ruth, que deixaram de frequentar o SFCV/Projovem antes de finalizar a pesquisa porque começaram a trabalhar. Tentei agendar algumas vezes a entrevista com eles, inclusive indo à sua residência, mas não foi possível. Já o soldado Ivo foi transferido e, por isso, não consegui fazer a entrevista com ele, apesar de algumas tentativas por telefone.

Estas narrativas individuais serão apresentadas no terceiro capítulo, no qual os sujeitos participantes serão apresentados. Perguntava-me: como contar as histórias que me foram contadas? Como apresentar os sujeitos – meninos e meninas, homens e mulheres – que construíram essa pesquisa comigo? Algumas questões perpassaram a decisão sobre como descrever os participantes da pesquisa. A primeira diz respeito à garantia do sigilo das identidades. Por conta disso, inicialmente pensei em criar dois personagens fictícios que agregassem as histórias dos policiais e mais dois que trouxessem as histórias dos jovens.

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Porém, percebi que esta estratégia poderia recair, justamente, em uma “rotulação” dos sujeitos, uma vez que suas especificidades iam ser agrupadas em um modelo para representar o “adolescente jovem resistente” e “o policial que dá até pra falar”. O campo gritava-me justamente o contrário: as diversidades e multiplicidades de narrativas revelam que a interação dos sujeitos com o “espaço social” (BOURDIEU, 2012) não os aprisiona nessa estrutura uma vez que podemos transformar as formas pelas quais somos representados ou interpelados pelos sistemas culturais que nos cercam. Optei, portanto, por trazer as histórias individuais, com o cuidado de não registrar nenhum elemento que pudesse identificar diretamente os sujeitos.