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Onde se inser em os mapa s na Lingüística? 

Devido ao seu caráter sociohistórico, sua natureza dialógica – que o constitui elo da  cadeia  das  relações  sóciocomunicativas,  e  de  seu  explicito  propósito  comunicativo,  consideramos  o  mapa  um  gênero  textual,  cujo  agente  de  interação  sociodiscursiva  extrapola a ação individual. Sob a ótica da teoria  dos gêneros textuais, fundamentada nos  estudos  de  Bakhtin  (1997),  ampliada  por  Miller  (1984),  Bazerman  (2005,  2006),  Marcuschi  (2000,  2005a,  2005b),  dentre  outros  estudiosos,  infere­se  que  os  mapas  são  formas tipificadas de ação social, aplicáveis a diferentes contextos de comunicação. 

Embora o mapa seja objeto da Cartografia, ele converte­se em unidade discursiva,  inserindo­se  na  Lingüística  e  passando  a  operar  com  outras  áreas,  constituindo  áreas  interdisciplinares,  já  que  o discurso  resulta  da  interação que  se  processa  entre  indivíduos  pertencentes às mais diferentes esferas sociais. 

Para Bakhtin, a utilização da língua relaciona­se com todas as esferas da atividade  humana, sob a forma de enunciados “orais e escritos, concretos e únicos, que emanam dos  integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana” (BAKHTIN, 1997, p. 279). Para  esse  estudioso,  os  gêneros  do  discurso  são  tipos  relativamente  estáveis  de  enunciados  elaborados  pelas  diferentes  esferas  de  utilização  da  língua,  caracterizados  também  por  apresentar  relativa  heterogeneidade.  Marcuschi  (2005a,  p.  18)  ratifica  ao  dizer  que  “o  estudo dos gêneros textuais é uma fértil área interdisciplinar com atenção especial para o  funcionamento da língua e para as atividades culturais e sociais”.

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Marcuschi  (2000)  diz  compreender  que  os  gêneros  situam­se  em  domínios  discursivos 8 :  jornalístico,  jurídico,  religioso,  jornalístico,  instrucional,  dentre  outros,  os  quais  produzem  contextos  e  situações  para  as  práticas  sócio­discursivas  características.  Reiterando essa declaração, o autor complementa dizendo que, além de a comunicação só  poder ser possível por meio de um gênero textual, esse gênero estará sempre 

situado  em  algum  domínio  discursivo  do  qual  lhe  advém  força  expressiva  e  adequação  comunicativa.  Conseqüentemente,  os  domínios  discursivos  operam  como  enquadres globais de superordenação comunicativa subordinando práticas  sócio­discursivas  orais e  escritas que resultam nos  gêneros  que circulam nesses  domínios (MARCUSCHI, 2000, p. 119). 

Com  essa  declaração,  o  autor  afirma  que  os  gêneros  podem  ser  reconhecidos  por  uma  denominação genérica  sócio­historicamente  repassada  às  gerações.  Isso ocorre  com  os mapas, denominados cartas geográficas ou,  simplesmente, cartas,  no qual se verifica  a  articulação  de  pinturas,  desenhos  e  imagens  em  geral,  aliados  à  escrita  alfabética,  resultando  numa  plurisignificação  discursiva,  em  que  se  encontram  diferentes  formas  de  representação da  informação,  cuja  evolução  se  processa  conforme  as  necessidades  sócio­  político­culturais. 

Bakhtin (1997) corrobora esse posicionamento ao ressaltar que todas as atividades  humanas  relevantes  são  perpassadas  pelo  uso  da  linguagem  e,  por  serem  imensamente  variadas,  essas  atividades  acarretam  um  uso  extremamente  diversificado  da  linguagem.  Isso acarreta a existente multiplicidade e infinidade de gêneros, a ponto de o somatório das  atividades  desenvolvidas  numa  sociedade  ser  proporcional  à  quantidade  de  gêneros  produzidos para atender àquela circunstância, naquele contexto. 

Para  Bakhtin,  os  gêneros  são  imprescindíveis  à  comunicação  humana.  O  autor  ratifica seu ponto de  vista, afirmando que "se não existissem os gêneros do discurso e se  não os dominássemos, se tivéssemos de criá­los pela primeira vez no processo da fala, se  tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria quase  impossível" (1997, p. 302). A relação entre os gêneros e as atividades sociais produz uma  extrema  diversidade  de  gêneros,  o  que  implica  em  uma  dificuldade  para  assinalar  seus  traços  comuns.  Bakhtin  sugere,  então,  uma  classificação  entre  os  gêneros  primários  (simples)  e  os secundários  (complexos).  Os  gêneros primários  constituem­se  naqueles  de 

“Esfera social ou institucional (religiosa, jurídica, jornalística, política, industrial, familiar, lazer etc.) na qual  se  dão  práticas  que  organizam  formas  de  comunicação  e  respectivas  estratégias  de  compreensão.  Assim,  os  domínios discursivos  produzem modelos de ação comunicativa que se estabilizam e se transmitem de geração  para geração com propósitos e efeitos definidos e claros” (MARCUSCHI, 2000, p.119).

uso  cotidiano,  cuja  relação  está  diretamente  ligada  ao  contexto  de  produção;  os  secundários, por sua vez, 

aparecem  em  circunstâncias  de  uma  comunicação  cultural,  mais  complexa  e  relativamente  mais  evoluída,  principalmente  escrita:  artística,  científica,  sociopolítica.  Tais  gêneros  secundários  absorvem  e  transmutam  os  gêneros  primários (simples) de  todas as  espécies, que se  constituíram  em  circunstâncias  de uma comunicação verbal espontânea (BAKHTIN, 1997, p. 281). 

Com  base  na  declaração  do  autor,  concebemos  os  primeiros  mapas  como  formas  mais  simples  de  enunciado,  já  que  expunham  informações  mais  restritas.  Atualmente,  devido  às  inúmeras  informações  contidas  nos  mapas  –  as  quais  variam  conforme  suas  peculiaridades:  político,  climático,  topográfico,  dentre  outros –  eles  se  classificam  como  secundários,  pois  apresentam  um  alto  grau  de  complexidade  para  a  sua  produção,  sobretudo por mobilizar conhecimentos específicos de profissionais de diversas áreas. 

Os  estudos  de  Bakhtin  influenciaram  os  trabalhos  de  pesquisadores  como  Marcuschi (2005a), para quem os gêneros são essencialmente  flexíveis e  variáveis, assim  como a própria linguagem. Da mesma forma que a  língua varia, variam os gêneros. Com  os  mapas  não  poderia  ser  diferente,  sua  história,  como  vem  sendo  evidenciado  ao  longo  desta pesquisa, retrata sua dinamicidade e sua intrínseca mutabilidade. 

Tendo em vista sua importância, a utilização e o estudo dos mapas vêm crescendo  sobremaneira, juntamente com a convicção de que o uso desse gênero é uma forma de ação  social,  que  modifica  e  amplia  as atividades dos homens. Campbell e  Jamieson (1978,  in:  MILLER, 1984) consideram valioso o estudo dos gêneros, tendo em vista a ênfase dada a  alguns aspectos sociais e históricos da retórica que outras teorias não enfatizam. 

Na opinião de Miller (1984), uma definição retoricamente precisa de gêneros deve  ser  centrada  não  na  substância  ou  na  forma  do  discurso,  mas  na  ação  que  ele  costuma  executar. O enquadre semiótico, no qual podemos situar o mapa, fornece uma maneira de  caracterizar os princípios usados para classificar o discurso, segundo o princípio definidor  que  pode  se  basear  na  substância  retórica  (semântica),  na  forma  (sintaxe),  ou  na  ação  retórica que o discurso desempenha (pragmática). 

Nesse  sentido,  Miller  considera,  ainda,  que,  se  o  gênero  representa  ação,  deve  envolver uma situação e um motivo, pois a ação humana, simbólica ou não, é interpretável  somente em um contexto de situação e através da atribuição dos motivos. 

Para  Campbell  e  Jamieson  (1982,  in:  MILLER,  1984,  p.  152),  um  gênero  “não  consiste  meramente  em  séries  de  atos  nos  quais  certas  formas  retóricas  acontecem  repetidamente.  Em  vez  disso,  um  gênero  é  composto  por  uma  constelação  de  formas

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reconhecíveis  unidas  por  uma  dinâmica  interna”.  Esta  dinâmica,  para  Miller,  funde  as  características  substantivas,  estilísticas  e  situacionais  e  a  fusão  tem  o  caráter  de  uma  resposta retórica a exigências situacionais reconhecidas pelo falante. 

Sobre  as concepções dos supracitados autores,  Carollyn Miller considera que uma  vez  que  “formas  retóricas  que  estabelecem  gêneros  são  respostas  estilísticas  e  substantivas a exigências situacionais reconhecidas”, um gênero torna­se um complexo de  recursos  formais  e  substanciais  que  criam  um  efeito  particular  em  uma  dada  situação  (CAMPBELL  e  JAMIESON,  1982,  in:  MILLER,  1984,  p.  153).  Gênero,  desta  forma,  torna­se mais que uma entidade formal; torna­se pragmático, completamente retórico, um  ponto de  conexão  entre  intenção  e  efeito,  um  aspecto de  ação  social  (MILLER,  1984,  p.  153). 

Miller (1984) propõe, também, que na retórica o termo gênero se limite a um tipo  particular  de  classificação  do  discurso,  uma  classificação  baseada  na  prática  retórica  e,  conseqüentemente,  mais  organizada  em  ações  situadas  (ou  seja,  mais  pragmática).  A  classificação defendida pela autora é, em efeito, etnometodológica, isto é, procura explicar  o  conhecimento  que  a  prática  cria.  Miller  aponta  três  problemas  existentes  no  tocante  à  definição de gêneros retóricos: 

1­  esclarecer  o  relacionamento  entre  a  retórica  e  seu  contexto  de  situação  é  central para entender o gênero como ação social: 

2­  entender o modo através do qual o gênero funde o situacional com o formal  e recursos substanciais; 

3­  posicionar  gêneros  em  uma  escala  hierárquica  de  generalizações  sobre  uso  da linguagem. (p. 155). 

Se  entendermos  gêneros  como  ações  retóricas  tipificadas  baseadas  em  situações  recorrentes,  podemos concluir que  partes de gêneros são discursos completos, no sentido  de que tais discursos são circunscritos por mudanças relativamente completas na situação  retórica, na opinião de Miller (1984). 

A autora afirma que o conhecimento adquirido por intermédio de gêneros não é um  padrão de formas, ou mesmo um método de alcançar nossos próprios objetivos; porém, o  mais  importante  é  que  objetivos  podemos  ter:  nós  aprendemos  que  podemos  fazer  apologias;  recomendar  uma  pessoa  a  outra;  instruir  clientes  em  nome  de  um  fabricante;  seguir  regras  oficiais,  por  exemplo;  e  entender  melhor  as  situações  em  que  nos  encontramos, além das tendências às falhas e sucessos em ações conjuntas. 

Como  uma  ação  significante,  recorrente,  um  gênero  incorpora  um  aspecto  de  racionalidade  cultural.  Para  os  críticos,  gêneros  podem  servir  como  um  indicador  de

padrões  culturais  e  como  ferramentas  para  explorar  os  ganhos  de  falantes  e  escritores  particulares; para os estudantes, gêneros servem como chaves para entender de que forma  participar nas ações de uma comunidade (MILLER, 1984). 

Marcuschi  (2005b)  julga  que  reconhecemos  gêneros  como  formas  textuais  típicas  com funcionamentos específicos, o que facilita o entendimento e a identificação de gêneros  quando  entramos  em  contato  com  eles.  Tais  gêneros,  em  geral,  são  extensões  de  outros  gêneros preexistentes. Assim, para Marcuschi, uma série de textos encadeia a vida social e  a  sua  atuação  e  essa  série  de  textos  funciona  como  enquadres,  “mesmo  que  os  gêneros  sejam  bastante  tipificados,  eles  permitem  mudanças,  conjugações,  misturas,  inter­  relações. Dominar gêneros é agir politicamente” e “um gênero é condicionado por outro e  não se dá solto na realidade sócio­histórica”. (MARCUSCHI, 2005b, p. 12). 

Considerando que um gênero é condicionado por outro, pode­se verificar na prática  de  viajantes  e  cartógrafos  a  ação  e  contribuição  dos  mapas  para  a  sociedade.  Segundo  Oliveira  (1993),  os  primeiros  cartógrafos  gravavam  seus  mapas  em  madeira  e  apresentavam  poucos  dados  de  natureza  geográfica,  reproduzindo  apenas  informações  fornecidas por viajantes. 

Além  dos  mapas  adequarem  forma  e  função  às  necessidades  da  sociedade,  eles  retratam,  indiscutivelmente,  a  realidade  sócio­histórica  em  que  ocorrem.  Assim,  na  Revolução Industrial, as divisões do trabalho impulsionaram  a  Cartografia, mas foram as  guerras  que  apressaram  a  produção  cartográfica,  devido  à  necessidade  de  mapas  nos  campos de batalha. Durante a Primeira Guerra Mundial, vagões chegaram a ser instalados  nos  territórios  dos  exércitos  para  que  mapas  fossem  confeccionados.  Tais  vagões  acompanhavam  o  avanço  ou  recuo  das  tropas,  tamanha  a  necessidade  de  produção  de  mapas no período. A Cartografia, nas palavras de Oliveira, 

não é  uma  ciência  nem  uma arte,  mas é  sem  dúvida alguma  um  método  científico  que  se  destina  a  expressar  fatos  e  fenômenos  observados  na  superfície da Terra e por extensão na de outros astros como a Lua, Marte  etc. através de simbologia própria (p. 14). 

Mostrando  a  grande  variedade  de  recursos  semióticos  utilizados  na  Cartografia,  esse  autor  salienta  que  a  carta  topográfica  explica  através  dos  traços,  pontos,  figuras  geométricas,  cores  etc.  a  configuração  de  determinada  parte  da  superfície  terrestre  com  grande  precisão matemática,  compatível com  a  escala.  A  Cartografia  faz  uso de  ciências  como a Matemática, a Geografia, a Meteorologia, a Geofísica  e as artes como o Desenho  ou  a  Escultura,  mas  não  se  superpõe  a  nenhuma  delas,  apesar  de  estar  vinculada  a  essas

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ciências e técnicas, quando se expressa por meio de computador ou de desenho. Entretanto,  não  se  pode  furtar  a  natureza  lingüística  dos  mapas,  sobretudo  ao  considerarmos  seu  aspecto multimodal.