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Operações militares na polis tebana (378)

Capítulo 5 – O despertar de Tebas

5.3 A cidade de Cadmo e o Sinédrio Comum

5.3.1 Operações militares na polis tebana (378)

Em 378, por altura da época da ceifa, as autoridades lacedemónicas decretaram a mobilização contra a polis tebana e instalaram Agesilau no comando do exército peloponésico, cuja força comportou mais de 18000 hoplitas e 1500 cavaleiros dos vários membros da simaquia do Peloponeso. Diodoro faz questão de demonstrar a dimensão da força lacedemónica que seguiu para a campanha tebana; as hostes lacedemónicas estavam distribuídas em cinco morai, cada uma delas composta por 600 esparciatas54 e notabilizou-se ainda a presença dos esciritas, o batalhão (lokhos) de elite de Esparta e, por sinal, a guarda do rei (D.S. 15.32.1). Agregado ao exército peloponésico seguiram ainda os exilados tebanos (e. g. Xen. Hell. 5.4.39) e uma unidade de mercenários, especialmente recrutados por Agesilau, servindo na vanguarda para a ocupação e prospecção dos acessos ao Monte Citéron, um dos pontos estratégicos mais vulneráveis para a travessia das “pesadas” tropas peloponésias se atacadas por forças em posições mais elevadas (Xen. Hell. 5.4.37-38).

A travessia pelo Citéron decorreu sem incidentes e o rei euripôntida prosseguiu com o exército rumo a Téspias; a partir daí, dirigiu-se para território tebano para o início das hostilidades. Entretanto, os Atenienses tinham aprovado 5 000 hoplitas, nos quais se incluíam tropas mercenárias, lideradas por Cábrias, e 200 cavaleiros para auxiliar os Tebanos na invasão peloponésica que, em concertação, ocuparam várias parcelas no terreno, ao longo de 20 estádios a este da cidade de Cadmo, assumindo as paliçadas como estruturas fortificadas e ocupando alguns planaltos estratégicos55. As operações bélicas, entre ambas as forças em conflito, são marcadas por escaramuças e pelejas à escala reduzida, com as forças tebanas e atenienses a actuarem timidamente e a evitarem o confronto directo. De acordo com Xenofonte, os Tebanos actuavam em ataques rápidos com a cavalaria sobre a retaguarda do exército de Agesilau quando se deslocava novamente para o acampamento, embora o cireneu ironize a sua actuação (Xen. Hell.

54 O número de unidades que compunham uma mora é incerto, oscilando entre 500, 600 e 900 (cf. Plut. Pel. 17.2). A anedota de Plutarco (Ages. 26.4-5) é clara quanto à decaída do número de esparciatas para

este período; vide Cary (1922) 184-186.

55 D.S. 15.32.3; A rede de defesa territorial foi montada a 3,5 km da cidade de Cadmo, ao longo da

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5.4.39-40). Xenofonte refere a ocorrência numa ocasião, mas é provável que esta táctica tenha sido aplicada mais vezes, tendo a hierarquia militar tebana e ateniense optado por desgastar gradualmente o exército invasor em vez de arriscar o choque decisivo entre falanges56.

Houve, todavia, uma batalha com contornos do foro psicológico e moral entre Agesilau e Cábrias. Ocupando uma parte elevada do terreno, Cábrias alinhou as suas tropas mercenárias, juntamente com as hostes tebanas, e aí cerrou fileiras, desafiando as forças peloponésicas para o combate57. Agesilau incitou o exército tebano-ático a abdicar da sua posição para combater na planície, porém, não tendo as manobras produzido o efeito desejado e não arriscando um ataque em posição de desvantagem, retirou os contingentes e despachou a infantaria ligeira e cavalaria para devastar o território tendo obtido grande quantidades de espólio (D.S. 15.32.5-6). Esta “batalha” é reconhecida pelas fontes com uma das vitórias mais brilhantes de Cábrias, que triunfou pela sua estratégia, aliada à disciplina das tropas e qualidade de comando, e os Tebanos souberam reconhecer-lhe o mérito (D.S. 15.33.4). Agesilau, por seu lado, foi alvo de críticas pelos conselheiros de guerra (symboulos), composto por esparciatas, por ter evitado o combate decisivo quando tinha à sua disposição uma força numericamente superior à do inimigo. Talvez por essa razão, este recontro de nervos e disciplina não seja descrito por Xenofonte.

Após uma última acção ofensiva pelo território tebano, através da passagem de Cinoscéfalas e que chegou às muralhas da cidade (Xen. Ages. 2.22), Agesilau retirou-se para Téspias, erigiu fortificações, deixou Fébidas como harmostas, juntamente com uma guarnição, e voltou para o Peloponeso com o grosso do exército peloponésico (Xen.

Hell. 5.4.41). A nomeação de Fébidas na qualidade de harmostas da polis téspia, não só

era uma garantia de experiencia militar como também a continuação da política bélica euripôntida e o harmostas operou, com efeito, nessa vertente, enviando regularmente grupos «de bandidos» para pilhar a cinta de jurisdição tebana.

As autoridades cadmeias decretaram, entretanto, uma campanha em massa contra Téspias e já sem o apoio dos contingentes atenienses. Ao avançar para leste, o

56 Hack conclui que a principal razão para as forças tebano-áticas evitarem o combate decisivo derivou do

reconhecimento destes pela supremacia lacedemónica na arte da guerra; vide Hack (1975) 99.

57 De acordo com Nepos e Diodoro, provavelmente utilizando a mesma fonte, o strategos ateniense

ordenou às tropas para se colocarem de joelhos «firmemente apoiados aos escudos e com as lanças niveladas» para o combate; cf. Nep. Cha. 1.2; D.S. 15.32.5. Foi também uma das vitórias mais badaladas de Cábrias, que lhe valeram uma homenagem do povo ateniense, com o erguer de uma estátua sua, pelo feito (Nep. Cha. 1.3).

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exército tebano destruiu um posto avançado lacedemónico, guardado por 200 soldados, e prepararam o assédio à cidade de Téspias58. O confronto entre as forças lideradas por Fébidas e as hostes cadmeias ficou marcado pela actividade das tropas mercenárias (peltastas) do lado téspio-lacónico e da cavalaria tebana. Se num primeiro assalto, os peltastas, em articulação com os hoplitas téspios, foram eficazes para fazer recuar e dispersar as linhas do exército adversário, a retaliação da cavalaria tebana foi determinante para o desfecho favorável da batalha para os Tebanos, com o exército inimigo a sofrer mais de 500 baixas. Fébidas morreu na peleja contra a cavalaria tebana e as suas tropas obrigadas a fugir para o interior do perímetro amuralhado de Téspias59. Pouco depois, o comando lacedemónico na polis téspia voltaria a ser reposto, com Esparta a enviar um polemarco e uma mora, via-golfo de Corinto.

Embora o objectivo de conquistar a cidade Téspias não tenha sido cumprido, a cidade de Cadmo sobreviveu ao primeiro ano de operações militares da “Guerra Beócia” contra a simaquia do Peloponeso, cuja cooperação ateniense foi igualmente preponderante. Este factor contribuiu para as autoridades tebanas capitalizarem esforços no reforço da política local e na dinâmica bélica para libertar a região da influência lacedemónica:

Agora se incendiava de novo o ânimo dos Tebanos e empreenderam uma expedição contra Téspias e as restantes poleis vizinhas, onde o povo (demos) se passou para o lado de Tebas. Com efeito, em todas as poleis [beócias] estavam instalados poderes autoritários (dynasteia), como se havia passado com Tebas, de modo que os amigos dos Lacedemónios destas poleis também precisavam de ajuda (Hell. 5.4.46)

Até ao final do Verão de 378, as autoridades tebanas decretaram mobilizações às

poleis vizinhas, aparentemente, coroadas com êxito. O passo pode ser interpretado

erradamente, pois, Xenofonte repete o processo noutra circunstância e é certo que, pelo menos, as poleis de Téspias, Plateias, Tânagra e Orcómeno continuavam a ser regimes filo-lacónicos e/ou anti-tebanos, em 37760.

Com efeito, as referências da actividade tebana na Beócia fornecidas pelo autor das Helénicas primam pela falta de rigor. Nesta primeira fase, é provável que as áreas de intervenção dos Tebanos incidissem sobre o pontilhado de células jurídicas a leste da

58 Cf. D.S. 15.33.5. Seria, provavelmente, uma das estruturas defensivas feitas por Agesilau, um

acampamento de directiva permanente e que se articulava na rede defensiva da polis téspia.

59 Para uma descrição completa sobre a batalha, cf. Xen. Hell. 5.4.42-45; D.S. 15.33.5-6. 60 Para Plateias e Téspias, cf. Xen. Hell. 5.4.48; para Tânagra cf. Xen. Hell. 5.4.49.

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Cadmeia, ou seja, Micalesso, Fáron e possivelmente Éleon, Harmas, Áulis e Antédon. O processo era lógico. Tratava-se de antigas localidades que estiveram assimiladas à polis tebana, antes das diligências da cláusula de autonomia da Paz de Antálcidas, eram defensivamente vulneráveis e mais susceptíveis às oscilações políticas de Tebas. Outra das vantagens fulcrais da «reconquista» destes núcleos era o acesso ao mar e a ligação com a ilha de Eubeia. Por outro lado, o passo manifesta o compromisso da cidade de Cadmo entre a libertação da região do jugo das facções governantes filo-lacónicas e a aspiração ao revivalismo de uma Beócia politicamente unificada. A Paz de Antálcidas perdera o peso nas relações diplomáticas tebano-lacónicas, a partir do momento em que os Lacedemónios rejeitaram as reivindicações da embaixada tebana, e a unidade regional começou a se esboçar no horizonte da Cadmeia, legitimada pela adesão natural das camadas democráticas das poleis beócias ao empreendimento tebano. Nem mesmo o Sinédrio Comum detinha poder suficiente para travar essa compressão, sobretudo, se as heterias democráticas da Beócia manifestavam a vontade soberana à unidade política regional. Com o primeiro ano de hostilidades concluído, é igualmente verosímil que a cidade de Cadmo se tenha tornado no receptáculo de forças democráticas, oriundas de outras poleis da região, convertendo-a no bastião da democracia beócia no sentido unitário.