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Capítulo 3 – Da Guerra de Corinto até à Paz de Antálcidas

3.4 A paz de Antálcidas (387)

A Grande Aliança achava-se cada vez mais sufocada e reprimida no perímetro peloponésico. Nas operações anfíbias no Egeu, Esparta conseguiu inverter o cenário inicial e anular os êxitos e esforços praticados pela cidade de Palas, na sua tentativa de reedificar parte da antiga arche marítima. Mas, e ao contrário do que sucedeu no final da Guerra do Peloponeso, o Egeu estava longe de se tornar um lago lacónico39. A Pérsia foi o factor-chave, o eminente agente articulador para o desenrolar do conflito, capaz de oferecer condicionantes – essencialmente quantitativas (através da disponibilização de fundos, unidades e material bélico) – para desequilibrar a balança bélica helénica e de gerar a paz num quadro a que não estava, de todo, alienado. A missão diplomática de Antálcidas junto da autoridade aqueménida, em 387, visava estabelecer a lettre missive e os critérios para a conciliação entre contendores, no qual o poder persa seria o principal elemento persuasor: ou o bloco dos Aliados aceitava as condições propostas ou o Grande Rei unir-se-ia a Esparta na continuação da guerra40.

Xenofonte deixa explícito que, após sensivelmente oito anos de conflito na Hélade, o eixo aliado estava finalmente disposto a ceder e a aceder à solução pacífica da contenda, embora as hipóteses fossem limitadas. Plantada no teatro de operações, a

polis coríntia fora terrivelmente avassalada e desgastada pelos efeitos nocivos da guerra

ao longo dos anos, sobretudo a partir de Lequeu; os Argivos suportavam também o impacte do conflito e tornaram-se, em última análise da Guerra de Corinto, no alvo preferencial de Esparta (Xenofonte diz-nos inclusive que tinha sido decretada uma mobilização contra a Argólida, em 387); Atenas era vítima de raids que partiam de Egina, ao largo do Golfo Sarónico. A sujeição ao bloqueio marítimo e o cerco ao Pireu retratava uma tela semelhante à de 40541. Contrariamente, o autor das Hellenicas omite a atmosfera vivida na Cadmeia mas talvez não de forma deliberada42. Reiterando o que

39 Vide Seager (2006) 116.

40 Cf. Xen. Hell. 5.1.28; vide Cawkell (1981) 77. 41 Cf. Xen. Hell. 5.1.29; vide Cawkwell (1981) 75

42 Sabemos apenas que a polis orcoménia continuava na posse de guarnições lacedemónicas,

essencialmente com funções de vigia e representativa dos interesses lacónicos na região e não como base ofensiva; cf. Xen. Hell. 5.1.29.

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já foi referido em secções anteriores, a paz era certamente um desejo permissivo acalentado pela maioria da politeia beócia, provavelmente com excepção feita de um núcleo minoritário, no qual se incluía a elite dirigente. É verdade que depois da Guerra Beócia e da batalha de Coroneia, a região não voltou (aparentemente) a ser afectada directamente pela guerra; de facto, não existem registos de ataques ao seu território43. Mas o desgaste financeiro na manutenção de tropas e frustradas as perspectivas em alcançar os objectivos primordiais da guerra, não só da sua política externa mas também dos demais confederados, urgia à chegada de um consenso. Resta saber se os Beócios esperavam que os Lacedemónios mantivessem os aditamentos negociados na Lacónia, em 392/391.

Reunidas as várias embaixadas em Sárdis, Tiribazo mostrou o selo real e proclamou as condições ditadas pela autoridade de Susa. Em primeiro lugar, todas as

poleis gregas sediadas no continente asiático, assim como as ilhas de Clazómenas e

Chipre, deveriam pertencer ao Grande Rei; os Ateniense conservariam «“como antes”» as ilhas de Lemnos, Imbros e Esciros – um trio que garantia o controlo das rotas helespônticas e o transporte de mercadorias, não só para o Pireu mas também para a Hélade, assim como no combate à pirataria no Egeu; e, finalmente, que todas as demais

poleis, continentais ou insulares, grandes ou pequenas, fossem deixadas autónomas

(Xen. Hell. 5.1.31; D.S. 14.110.3). Os termos assentes no tratado, estipulados por Artaxerxes em uniformidade com Antálcidas, revelam a genialidade manipuladora e habilidade diplomática do lacedemónio na defesa dos interesses de Esparta nos jogos de poder helénicos e na exploração de fraquezas da Grande Aliança – a autonomia. A cláusula era o tópico central – o pilar do tratado – não obstante a sua ambiguidade44. A premissa focava o reforço de influência lacedemónica na plataforma continental da Hélade – o epicentro da sua Machtpolitik – no propósito incumbente de descentralizar e esvaziar a influência dos principais blocos que punham em risco a sua hegemonia helénica – em especial a simaquia da Beócia.

Pouco depois do encontro prévio em Sárdis, os diversos representantes voltariam a reunir-se em Esparta para a rectificação e assinatura do tratado. Contudo, a resistência tebana aos termos convencionados é evidente:

43 A ausência de dados leva-nos a crer que a ocorrência de confrontos foram pouco significativas, ou

nulas, para a dinâmica de guerra.

44 Seager (2006) 117-119; Sobre um tratamento mais pormenorizado da Paz do Rei, vide Cawkwell

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Todos os demais (representantes) juraram que acatariam (o tratado), mas os Tebanos reclamaram o direito de jurar em nome do conjunto dos Beócios. Agesilau, contudo, disse que não aceitava os juramentos se não jurassem as cláusulas conforme o Grande Rei havia estipulado por escrito: que as poleis, quer fossem grandes ou pequenas, seriam deixadas autónomas. Os embaixadores dos Tebanos responderam que essas não foram as instruções pelas quais foram incumbidos. “Ide, pois”, retorquiu Agesilau, “e perguntai. E anunciai que caso não aceitem ficaram excluídos do tratado”. E assim partiram. Mas Agesilau, movido pelo seu ódio contra os Tebanos, não esperou, mas convenceu os éforos e imediatamente fez um sacrifício. Como as imolações foram favoráveis, ao chegar a Tegeia, despachou alguns mensageiros distribuírem-se entre os periecos para apressarem-se a reunir ao exército e enviou também os responsáveis de tropas estrangeiras (cenagos) às outras poleis. Mas antes de partirem de Tegeia, os Tebanos apresentaram-se e disseram que deixariam as poleis autónomas. Assim, os Lacedemónios regressaram a casa e os Tebanos foram obrigados a entrar no pacto a fim de deixar autónomas as poleis da Beócia (Xen. Hell. 5.1.32-33).

O passo transcrito é esclarecedor: as autoridades tebanas não estavam preparadas para dissolver a simaquia da Beócia. O passo transcrito é esclarecedor: as autoridades tebanas não estavam preparadas para dissolver a simaquia da Beócia. Por outro lado é de notar dois aspectos fundamentais neste trecho – a terminologia utilizada para denominar a embaixada e a velocidade da acção.

O particularismo destacado por Xenofonte à comissão beócia – «os Tebanos» – é uma das palavras-chave neste contexto, uma vez que os Beócios ainda respondiam enquanto unidade política etnográfica, e que contrasta com anteriores referências generalizadas – «os Beócios» – aplicadas as circunstâncias diplomáticas (e.g. Xen. Hell. 4.8.13). A «delegação tebana» incluía, evidentemente, outras individualidades beócias. Não obstante, a singularidade do termo estará associada à colisão da cláusula de

autonomia com os interesses circunscritos de Tebas, enquanto hegemon da simaquia da

Beócia.

A segunda premissa foca os acontecimentos narrados pelo autor que primam por uma certa celeridade, o que nos pode indicar que as acções decorreram num curto espaço de tempo. A rejeição inicial dos Beócios (ou, devemos dizer Tebanos?) aos termos da paz, levou Agesilau a mobilizar imediatamente as hostes aliadas para uma campanha contra a Beócia. É certo que as linhas comunicativas no Peloponeso eram eficazes, mas a rapidez em organizar um corpo expedicionário de diversas

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proveniências, ainda que à escala regional, colocava demoras. Porém, antes das forças de Agesilau partirem de Tégea, o corpo diplomático tebano regressou com as novas directivas e o consentimento dos termos negociados.

A última intervenção da boule dos Beócios, em 387, ditou o retorno à configuração primitiva, com o espartilhamento político da região em núcleos autónomos, a par com Orcómeno. A Paz soou a Tréguas, carregando pesadas isenções a Tebas45 que se viu privada e despojada de poder no estrado beócio. Com efeito, a cidade de Cadmo perdeu muito mais do que tinha a ganhar. Apesar do sentimento de paz alimentado pela maioria beócia, os Beócios, e, em particular, os Tebanos, teriam por certo preferido continuar a guerra. Mas o isolamento face às restantes poleis aliadas e a chantagem foram factores decisivos para Tebas renegar, de forma incondicional, o estatuto que lhe conferia uma certa preponderância na Hélade.

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