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Problemáticas em torno da embaixada tebana

Capítulo 5 – O despertar de Tebas

5.1 A «alvorada» tebana

5.1.1 Problemáticas em torno da embaixada tebana

De acordo com Isócrates, depois da libertação da Cadmeia os Tebanos despacharam uma embaixada para Esparta para retomar (ou formar) os vínculos, embora não seja claro se o episódio se situe antes ou depois da expedição de Cleômbroto. Para uma contextualização e percepção mais satisfatória, optaremos por transcrever o passo do orador ateniense:

...pois quando eles foram salvos pelo vosso auxílio [dos Atenienses] e restauram a polis, eles [os Tebanos] não permaneceram leais por um único momento, mas imediatamente enviaram uma embaixada à Lacedemónia, mostrando-se prontos para serem escravizados e não alterarem, em nenhum aspecto, os antigos acordos com Esparta. Por que é que eu preciso de falar com o maior detalhe? Porque, se os Lacedemónios não lhes tivessem ordenado para readmitirem os exilados e expulsar os homicidas, nada os teria impedido de tomarem partido como aliados por aqueles que os haviam ferido, contra vocês, seus benfeitores (14.29).

Não há razões para duvidar das preocupações legítimas das novas autoridades tebanas no despacho de emissários a Esparta, mas sim das intenções descritas no passo, incompatíveis, em todos os aspectos, com os contornos político-ideológicos delineados pelos autores da conspiração e do novo status político de Tebas10. As verdadeiras intenções ter-se-ão certamente fixado na oferta de paz entre ambos os pólos e no reconhecimento e respeito por parte de Esparta no direito à autonomia de Tebas – os Lacedemónios eram, para todos os efeitos, os prostatai da Paz de 387. As autoridades lacedemónicas, possivelmente por influência de Agesilau, não lhes vedaram a prerrogativa mas impuseram os constrangimentos de aceitarem de volta os exilados que tinham sido expulsos, juntamente com a guarnição peloponésica, e desterrar os responsáveis pela morte dos tiranos (cf. Plut. Ages. 24.1). O propósito da coacção visava o retorno do desequilíbrio político interno de Tebas, com a reocupação dos

10 A obra Plataicos de Isócrates é datável dos finais da década de 370, altura em que os Tebanos

expulsaram novamente os Plateenses da sua pátria (vide infra 6.4). A obra é apresentada em discurso directo pelos Plateenses expatriados, que pretendiam denegrir os Tebanos aos olhos dos Atenienses. Outras fontes sugerem, de forma tácita, o episódio da embaixada tebana em Esparta; cf. Plut. Ages. 24.1.

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órgãos administrativos pelos filó-lacónicos, uma vez que a “oposição” teria de ser expulsa11. Este era, aliás, o artífice “pomposo” e artificial utilizado por Esparta, desde 387/386, para contornar a cláusula de autonomia, ou seja, exercer a sua política de poder na Hélade articulada ao conceito de philetairia12. As condições foram obviamente rejeitadas e os embaixadores retiraram-se.

Mas, por detrás do passo acima transcrito, poder-se-á coadunar as obscuras palavras de Xenofonte (Hell. 5.4.13-14). Segundo o autor das Helénicas, os Lacedemónios prepararam a mobilização das forças, depois do harmostas, que abandonara a Cadmeia, ter sido formalmente condenado e executado13. Há, todavia, pormenores que Xenofonte omite, talvez deliberadamente, e que merecem as devidas ponderações. Mesmo que os Peloponésios tenham resistido pouco tempo ao cerco da Cadmeia, a notícia da sublevação tebana terá, por certo, chegado mais rápido a Esparta que a própria guarnição. No entanto, as autoridades lacedemónicas só decretaram o levantamento de um exército expedicionário após o julgamento do harmostas.

Assentando neste prima, como se justifica a alegação contra o harmostas «de não ter esperado por reforços» (Hell. 5.4.13)? Porventura não se ajustaria adequadamente a velha máxima espartana de manter o seu posto até à morte? Ou seria a acusação referente ao possível auxílio de Lisanóridas que, na altura da execução da conspiração e durante o cerco da Cadmeia, não se encontrava em Tebas? O oficial lacedemónio achava-se nos arredores de Haliarto em funções político-religiosas ao serviço de Esparta e naturalmente teria transportado consigo uma fracção do total guarnição da Cadmeia, provavelmente uma mora, por pura formalidade e protecção. Certamente que as novidades do assalto à Cadmeia terão chegado a Lisanóridas com celeridade, mas as suas forças eram diminutas para assistir eficazmente os sitiados na acrópole. Podemos colocar a hipótese do oficial lacedemónico ter recorrido às poleis beócias, governadas por elites filo-lacónicas, que faziam fronteira com a polis tebana, para ajudarem a recuperar o controlo de Tebas, porém, por qualquer razão, não foi eficiente para concentrar atempadamente uma força substancial que pudesse rivalizar com a dos Tebanos, em conjunto com os contingentes áticos. Xenofonte só faz menção de um

11 Cawkwell (1973) 58-59.

12 Cf. Xen. Ages. 2.21. Vide Cawkwell (1976) 62-63.

13 5.4.11-13; Xenofonte dá conta apenas de um oficial lacedemónio que o identifica simplesmente como

«harmostas» (vide supra 4.3.2 nota n.39). Plutarco refere que dos três oficiais, Lisanóridas foi condenado a pagar uma multa substancial, talvez por não se encontrar em Tebas na altura da rendição (vide supra 5.1; a opinião é partilhada também por Hack (vide Hack (1971) 64), ao passo que Erípedes e Arquisso foram sentenciados à morte. É provável que Xenofonte reconhecesse Erípedes como o harmostas de Tebas e que a omissão do seu nome derive de ser aliado político de Agesilau; vide Parke (1927) 164.

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harmostas, por motivos particulares, mas a vantagem desta conjectura é que se articula modelarmente com Plutarco e com Diodoro, relativamente à existência de três oficiais lacedemónios em Tebas, e que o auxílio previsto na acusação dissesse respeito a Lisanóridas e não directamente de Esparta.

Quanto à mobilização, há claros indicadores a sugerirem que Agesilau foi especialmente requisitado pelos exilados tebanos14 para assumir o comando da expedição, pois, só assim se compreende a reacção do rei euripôntida (e da justificação dada por Xenofonte) ao anúncio das autoridades lacedemónicas. Agesilau estava, de resto, demasiado comprometido nos assuntos referentes a Tebas. O ódio pessoal que tinha aos Tebanos parece ter sido do conhecimento geral e em 382 conseguiu contornar subtilmente, e com tacto, a “ilegalidade” praticada por Fébidas, convencendo os homoi a manter Tebas sob domínio lacedemónico. Plutarco terá, portanto, razão em apontar para a suspeita de alguns círculos lacedemónicos na implicação de Agesilau no processo da tomada da Cadmeia (Ages. 24.1). Para evitar o “escândalo” na opinião helénica e no seio da própria sociedade espartana, Agesilau soube manear e dar uso da nomos

laconica em seu favor e de se colocar à margem da questão (Xen. Hell. 5.4.13).

A realização da empresa punitiva lacedemónica contra Tebas apresenta dificuldades inerentes. Relembrando que a conspiração tebana se iniciou por altura do solstício de Inverno e ficou concluída pouco tempo depois, o Inverno seria, sem dúvida, o principal factor impeditivo para a mobilização de forças. De acordo com Xenofonte, as autoridades lacedemónicas estariam também perfeitamente informadas da extensão do golpe e haveria reticências quanto ao papel de Atenas em cenário de conflito, razões que esclarecem a presença de três representantes lacedemónios em Atenas, por altura do ataque de Esfódrias ao Pireu15.

O silêncio de Xenofonte relativamente ao episódio da embaixada cadmeia a Esparta, pode ser interpretado pela legitimidade da matérias apresentada pelo corpo diplomático tebano a exigir o respeito pelo acórdão de autonomia ditado na convenção de 387 e, no qual, os Lacedemónios replicaram de forma pouco condescendente. Por ocasião da «Libertação» de Tebas, Xenofonte foi cuidadoso em expressar a sua opinião e a atribuir o feito como obra das divindades por Esparta ter desrespeitado os votos da Paz de Antálcidas, em especial, a cláusula de autonomia (cf. Hell. 4.1); a enumeração

14 Xenofonte é vago em identificar «os que tinham sido objecto de expulsão» (Xen. Hell. 5.4.14), mas

parece certo que eram também tebanos filo-lacónicos que partiram juntamente com a guarnição peloponésica e que ter-se-ão sediado, inicialmente, em Esparta (vide supra 4.5.1). Vide Buck (1994) 87.

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deste episódio era mais uma acha que manchava não só a reputação da política lacedemónica, mas também a imagem do «seu herói», Agesilau.

O despacho da delegação diplomática pelos Tebanos a Esparta ter-se-á situado por volta do início de 378 e foi, possivelmente, a causa motora, ou melhor, a resposta impulsiva dos Lacedemónios para decretarem uma mobilização «“em pleno Inverno”», aliada a uma eventual pressão dos exilados filo-lacónicos. O facto de as forças expedicionárias terem de lidar com condições climatéricas adversas (e. g. Xen. Hell. 5.4.17-18), reduzindo substancialmente as probabilidades de qualquer êxito, poderá corroborar a asserção da prematura declaração de guerra contra a cidade de Cadmo se ter tratado de um desacerto de estratégia militar ou, por outro lado, das primeiras movimentações de conquista de espaços beócios dos primórdios de um conflito que ficaria conhecida como a «Guerra Beócia».