• Nenhum resultado encontrado

Operacionalização das variáveis de controlo

ESTUDO EMPÍRICO

2. VARIÁVEIS: FENÓMENOS A ESTUDAR

2.3. VARIÁVEIS DE CONTROLO

2.3.1. Operacionalização das variáveis de controlo

Atendendo à necessidade de comparar dois grupos de sujeitos (cegos congénitos e videntes), figura-se incontornável a necessidade de fazer equivaler esses mesmos grupos em relação a diversas variáveis que, de acordo com a literatura existente, poderiam influenciar as representações mentais. A saber: o género, a idade, o desenvolvimento global dos sujeitos, o índice de riqueza vocabular e o contexto de aprendizagem. Por exemplo, se o grupo de videntes fosse maioritariamente constituído por raparigas e o grupo de cegos congénitos por rapazes, seria pouco fiável comparar os dois grupos para estudar as influências da condição visual. O mesmo aconteceria se as escolas (contexto de aprendizagem) frequentadas pelos videntes fossem diferentes das escolas frequentadas pelos cegos congénitos. Por outro lado, a opção por estudar, exclusivamente, crianças cegas congénitas também procurou controlar algumas influências parasitas que poderiam surgir, caso incluíssemos sujeitos com cegueira adquirida, como explicamos no seguimento. Os procedimentos relativos à apresentação dos estímulos e á à análise de dados também nos mereceram a necessidade de controlar influências parasitas.

Género

A variável género é uma variável nominal por natureza que pode assumir, de forma natural, dois valores: masculino ou feminino. Procurámos que os dois grupos de sujeitos envolvidos no nosso estudo, crianças cegas congénitas e crianças videntes, fossem equivalentes em relação a esta variável, ou seja, que as frequências do género masculino e do género feminino fossem iguais em ambos os grupos. Para tal, recorremos a uma técnica equivalente à correspondência de pares descrita por Tuckman (2000), à exceção da distribuição aleatória dos elementos do par pelos grupos, que por razões operacionais não se poderia efetuar no presente estudo.

Idade

A variável idade é uma variável numérica que se expressa através de uma escala de intervalos, em que cada nível corresponde à idade em anos dos sujeitos.

Procurámos constituir dois grupos de sujeitos (cegos congénitos e videntes) com idades equivalentes. Tal não foi possível em dois dos seis pares estudados por não existirem nas respetivas turmas crianças videntes do mesmo género e com a mesma idade da criança cega congénita. Assim, em ambos os casos, os elementos videntes apresentam menos um ano de idade em relação aos seus pares cegos congénitos. Em relação aos restantes pares estudados, cada elemento apresenta uma idade igual, em anos, ao seu respetivo par (ver caracterização da amostra).

Tipo de cegueira

Tal como explicámos no nosso Enquadramento Teórico, a cegueira pode classificar-se em (i) congénita – quando surge entre o nascimento e a idade de um ano, (ii) precoce – quando surge entre o primeiro e o terceiro ano de idade e (iii) adquirida – quando surge após os três anos de idade (ACAPO, 1996). Outros autores consideram apenas a cegueira congénita e a cegueira adquirida, sendo que todos concordam que a cegueira congénita é a que ocorre na primeira fase da vida da criança, aquando ou pouco tempo após o nascimento (Gil, 2000, 2002; Ormelezi, 2000; Sousa, 2003; Vecchi, 1998). Os portadores de cegueira adquirida, ao terem recorrido ao sentido da visão durante uma parte da sua vida, possuem um património de imagens visuais guardado na sua memória (ACAPO, 1996; Bardisa, 1992; Gil, 2002; Heller e Ballesteros, 2006; Knauff e May, 2005; Masini, 2003), património ao qual poderão continuar a aceder e utilizar funcionalmente quando cegos. Confrontámo-nos assim com uma situação difícil de avaliar do ponto de vista operacional da investigação, ou seja, por um lado estes sujeitos são cegos, por outro lado partilharam já o mundo dos videntes, pelo que as suas representações mentais incluiriam, necessariamente, características quer dos cegos quer dos videntes, constituindo aquilo que podemos designar de representações contaminadas, o que não facilitaria a procura das características próprias das representações mentais construídas numa situação de cegueira, procura essa necessária á validade das respostas que buscamos para o nosso problema. Assim, para o grupo das crianças cegas, selecionámos apenas portadores de cegueira congénita, uma vez que, a ausência ou pouco referencial visual reduz a

probabilidade de ocorrer contaminação visual nas representações mentais dos sujeitos cegos. Também com o objetivo de reduzir a probabilidade de ocorrer contaminação visual nas representações mentais construídas pelos sujeitos cegos, selecionámos apenas portadores de cegueira total, tal como a entendem Martín e Bueno (1997): “cegos ou invisuais, compreende as pessoas que não têm nenhum resíduo visual ou que, tendo-o, apenas lhe possibilita orientar-se em direcção à luz, perceber volumes, cores e ler grandes títulos, mas não permite o uso habitual da leitura/escrita, mesmo a negro” (p. 317). A anatomofisiologia da visão não se resume única e exclusivamente aos olhos, desempenhando o cérebro um papel fundamental no processamento dos estímulos provenientes dos olhos, via nervo ótico (Amedi et al., 2005; Fernandes, 2004; Fernandes e Pinho, 2007; Gregory, 1979; Houweling e Brecht, 2008; Jimenez, 2002; Masini, 2003; Ninio, 1994; Sousa, 2003; Vecchi, 1998), sendo que tal dependência do cérebro acontece com todos os outros órgãos dos sentidos (Fernandes, 2004; Fernandes e Pinho, 2007; Jimenez, 2002; Ninio, 1994). Uma vez que é ao cérebro que cabe a função de construir, guardar e reconstruir as representações mentais (Damásio, 2003a, 2003b, 2004, 2010; Fernandes, 2004; Fernandes e Pinho, 2007; García-Retamero, Padilla e Guinea, 1999; Paivio, 1990), não incluímos na nossa amostra (cegos congénitos e videntes) sujeitos portadores de patologias neurológicas, as quais tenham sido diagnosticadas e/ou confirmadas por profissional de saúde competente, de acordo com as informações presentes nos processos individuais dos alunos.

A cegueira pode estar associada a outras deficiências (deficiências múltiplas), nomeadamente ao nível sensorial, com particular relevância para a deficiência visual e auditiva (kirk e Gallagher, 2002). Em situações de deficiência múltipla, torna-se difícil o estabelecimento de relações entre as variáveis independentes e dependentes, devido à presença de variáveis não controladas, ou seja, as outras deficiências além da cegueira. Assim e como forma de controlo, não selecionámos sujeitos com outras deficiências associadas à cegueira congénita, da mesma forma que os sujeitos videntes não deveriam ser portadores de qualquer tipo de deficiência.

Índice de riqueza vocabular (irv)

Resultou da operacionalização das variáveis dependentes riqueza e complexidade das representações mentais, que uma das metodologias de análise de dados a utilizar fosse

a análise de conteúdo, nomeadamente a contagem de categorias gramaticais diferentes e respetivas frequências nos relatos verbais dessas mesmas representações. Assim, importa controlar a riqueza do vocabulário utilizado pelos sujeitos, de forma a assegurar a inexistência de diferenças significativas a este nível, entre o grupo de crianças videntes e o grupo de crianças cegas congénitas. Senão vejamos, após a apresentação de um estímulo, uma determinada criança poderia (re)construir uma representação mental rica em objetos, pessoas, lugares e respetivas características, ações e acontecimentos mas, por défice de vocabulário, a sua descrição e, consequentemente, o acesso do investigador à mesma levariam a resultados enviesados, podendo em casos mais graves de carência de vocabulário comprometer a própria descrição, bloqueando-a. Pensámos assim adotar uma grandeza simples, objetiva e cuja medida permitisse uma comparação entre os dois grupos de sujeitos envolvidos no nosso estudo. Utilizar apenas o número total de palavras seria demasiado redutor, pois nada ficaríamos a saber sobre a utilização de diferentes vocábulos. Utilizar apenas o número total de vocábulos diferentes, poderia ser também redutor, pois estaríamos a excluir o fator repetição dos vocábulos, fator de ponderação importante atendendo a que, sujeitos com maior riqueza vocabular terão tendência a repetir menos vocábulos e vice-versa. Por outro lado, se na descrição da representação mental, o sujeito A utilizasse 10 palavras diferentes e o sujeito B utilizasse 15, aparentemente o sujeito B teria uma maior riqueza vocabular mas, olhando para o número total de palavras utilizadas nos dois casos, o sujeito A utilizou apenas 20 palavras enquanto o B utilizou 40, ou seja, o dobro das palavras utilizadas pelo sujeito A, aumentando assim a probabilidade de utilizar palavras diferentes, sem que isso significasse, necessariamente, uma maior riqueza de vocabulário. Assim, adotámos a razão entre estas duas grandezas como a medida mais adequada da riqueza vocabular dos sujeitos: irv = número total de palavras diferentes/número total de palavras. Os valores obtidos variam entre zero e um, sendo que quanto mais próximos de um, maior será a riqueza vocabular. Este cálculo será feito, para cada sujeito, a partir dos totais do conjunto de todas as representações mentais descritas.

Recorremos à técnica da correspondência de grupos descrita por Tuckman (2000), sendo condição necessária à equivalência do irv entre o grupo de crianças cegas congénitas e o grupo de crianças videntes, a inexistência de diferenças significativas entre as medianas dos respetivos irv.

Desenvolvimento global dos sujeitos

Identificado o contexto de aprendizagem (escola, ano de escolaridade e turma) frequentado por cada uma das crianças cegas congénitas, havia que selecionar nesse mesmo contexto de aprendizagem uma criança vidente, do mesmo género, da mesma idade (ou o mais próxima possível) e com um desenvolvimento global equivalente à criança cega congénita da sua turma. Para tal, contámos com a colaboração dos professores regulares no 1ºCiclo do Ensino Básico, dos diretores de turma nos 2º e 3ºCiclos do Ensino Básico e dos professores de apoio das crianças cegas congénitas. De acordo com as indicações por nós fornecidas, solicitávamos que os professores regulares ou os diretores de turma cruzassem informações com os professores de apoio, o que constatámos já acontecia regularmente na maior parte dos casos, para que em conjunto indicassem a criança vidente mais indicada a participar no estudo. É certo que esta opção metodológica não assenta em critérios baseados na medida estandardizada e quantificável, podendo por isso ser acusada de falta de rigor e objetividade. Nós próprios ponderámos recorrer a testes estandardizados para avaliar o desenvolvimento dos sujeitos e selecionar os elementos de cada par criança cega congénita – criança vidente, com base nessa avaliação. Foram duas as razões principais que nos levaram a não enveredar por este último caminho. A primeira dessas razões prende-se com o facto de estarmos a trabalhar com crianças cegas congénitas logo, não obstante tratarem-se de medidas estandardizadas, a grande maioria delas foi concebida e validada com populações videntes, o que implicaria validá-las para o caso concreto das crianças cegas congénitas, o que ia além dos objetivos deste trabalho, sob risco de sermos acusados de querermos tratar todas as crianças por igual, desrespeitando o valor da diferença e a riqueza da diversidade. A segunda razão está também relacionada com a especificidade da nossa população. Tratando-se de crianças cegas congénitas a frequentar o EBER, além de ser uma população restrita, esta encontra-se dispersa por vários estabelecimentos de ensino de várias regiões do país, o que nos levou a deslocações, por vezes, de várias centenas de quilómetros. Recorrendo nós a instrumentos abertos para a recolha de dados (entrevista e análise documental), exigia-se uma grande disponibilidade de tempo da nossa parte, dos sujeitos, dos professores e da própria escola, com todas as implicações que isso acarretava na vida dos sujeitos e da própria escola, uma vez que, os dados eram recolhidos paralelamente ao decorrer das atividades escolares. A aplicação de tais medidas estandardizadas iria agravar ainda mais o tempo de envolvimento dos sujeitos

o que, em última análise, poderia criar resistências à participação, não só nos sujeitos pelo cansaço gerado, como também nos vários níveis de responsabilidade de que dependiam autorizações, Direção Geral Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC), escolas, professores e encarregados de educação, por receio de interferência excessiva na vida escolar quotidiana dos sujeitos.

Em todos os casos por nós estudados, os professores regulares e de apoio tinham um conhecimento prolongado dos sujeitos, que se estendia a vários anos letivos. Assim sendo, é lícito aceitar que, no seio de um grupo de crianças videntes, da mesma escola, do mesmo ano de escolaridade, da mesma turma, do mesmo género e da mesma idade da criança cega congénita, grupo por si só reduzido em virtude de todas estas variáveis de controlo, a intersubjetividade resultante da partilha de ideias entre os professores regulares ou diretores de turma e os professores de apoio tenha indicado o sujeito vidente, cujo desenvolvimento global mais se aproxima do seu par cego congénito.

Contexto de aprendizagem

Como referimos anteriormente, o conhecimento específico que cada sujeito constrói e a forma como o utiliza (conteúdo e propriedades funcionais das representações mentais) resultam, essencialmente, da experiência, ou seja, os fatores experienciais têm prioridade sobre os mecanismos básicos (fatores genéticos) (Paivio, 1990). Assim, o contexto de aprendizagem surge como fator importante, pela influência que exerce nas experiências de vida do sujeito. Sendo certo que as aprendizagens se iniciam logo no contexto da vida intrauterina, foi-nos difícil, senão impossível, controlar a variável contexto de aprendizagem até ao presente ano letivo e mesmo, no presente ano letivo, não nos foi possível exercer controlo em relação aos contextos de aprendizagem exteriores à escola. No que respeita aos contextos escolares de aprendizagem, por cada criança cega congénita estudada numa escola, turma e ano de escolaridade, era selecionada uma criança vidente da mesma escola, turma e ano de escolaridade. Para tal, recorremos à mesma técnica utilizada em relação à variável género.

Por outro lado, importa referir que a delimitação do nosso estudo ao Ensino Básico, não obstante implicar a redução da população alvo e dificultar a identificação e seleção dos sujeitos, foi intencional. Com esta delimitação procurámos reduzir a probabilidade de obter descrições das imagens mentais contaminadas pelas definições formais que a escolarização

vai promovendo nos alunos. Por exemplo, depois de tatear um quadrado em relevo, um aluno poderá dar uma definição formal do género: “figura geométrica com quatro lados iguais e quatro ângulos retos”; ou proceder á descrição real da forma como percecionou e representa a figura “parece um quadrado, com esta mão percorri um dos lados e com a outra mão, outro lado, que pareciam iguais e se cruzavam…”. A primeira expressão pouco nos diz sobre a forma como os sujeitos percecionaram e representam o estímulo, ao mesmo tempo que apresenta uma elevada probabilidade de se repetir de sujeito para sujeito, pelo menos entre alunos cegos e videntes da mesma turma.

Procedimentos relativos à apresentação dos estímulos

Os estímulos apresentados aos sujeitos distribuem-se por um conjunto de cinco categorias: palavras abstratas, palavras concretas, sons, objetos tridimensionais e figuras em relevo. Aquando da apresentação dos estímulos pertencentes às categorias objetos tridimensionais e figuras em relevo, os sujeitos videntes encontravam-se com os olhos vendados. A adoção deste procedimento justifica-se, uma vez que era nossa intenção reduzir, o mais possível, os efeitos intervenientes da visão, sentido dominante nos videntes. Desta forma, podemos com maior validade estabelecer comparações entre o grupo de cegos congénitos e o de videntes, no que respeita à identificação destes estímulos e às características das representações mentais construídas a partir dos mesmos, uma vez que todos os sujeitos estão condicionados à utilização do mesmo arsenal de ferramentas sensoriais. Por outro lado, perante a descrição verbal da representação de um determinado objeto, aumenta a probabilidade da mesma ser efetuada com base na representação mental do mesmo e não, com base na mera perceção visual imediata e momentânea. É certo que, desta forma, estamos a condicionar demasiado a realidade, o que acontece sempre que se controlam variáveis, uma vez que, no dia-a-dia, os sujeitos videntes não vivem de olhos vendados. Mas, não fazê-lo, impedir-nos-ia de construir interpretações de ordem funcional relacionadas, por exemplo, com o maior desenvolvimento e/ou com a assiduidade do recurso a determinada ferramenta sensorial, como por exemplo o tato, tão caro aos sujeitos cegos.

A ordem de apresentação dos estímulos foi sorteada aleatoriamente com o objetivo de minimizar possíveis contaminações inter-estímulos. A ordem assim determinada foi igual para todos os sujeitos (anexo 4).

Procedimentos relativos à análise de dados

Na análise lexical e sintática da descrição verbal de uma determinada representação mental, cada palavra será contabilizada apenas uma vez no desempenho de determinada função. Contabilizar palavras repetidas no desempenho de uma mesma função, num mesmo relato verbal, poderia inflacionar o valor de algumas variáveis dependentes, distorcendo os resultados, uma vez que, o aumento de tais valores não teria correspondência com o conteúdo e as características reais das representações mentais.

Outro procedimento adotado com vista a controlar os processos relativos à análise de dados foi também utilizado por Almaraz (1997) e consiste, na não contabilização das palavras constituintes daquilo que ele chama muletilla, muleta em Espanhol, que são expressões auxiliares do discurso, usadas de forma reiterada pelos sujeitos e que nada acrescentam ao conteúdo e às características das representações mentais. O autor apresenta como exemplos daquilo que passaremos a designar muletas do discurso, as seguintes expressões: eu ouvi…; eu vi…; é uma palavra…; imaginei que…; é assim…