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As opiniões dos teólogos podem ser resumidas pelas citações que seguem (Tiradas de O Inferno, de Augusto Callet.) Esta descrição,

No documento O CÉU E O INFERNO. Allan Kardec (páginas 55-60)

Quadro do inferno cristão

11. As opiniões dos teólogos podem ser resumidas pelas citações que seguem (Tiradas de O Inferno, de Augusto Callet.) Esta descrição,

tirada de autores sagrados e da vida de santos, pode ser considerada como a expressão da fé ortodoxa sobre o assunto, já que é sempre repro- duzida, com algumas variações, nos sermões, nas igrejas e nas instruções pastorais.

12. “Os demônios são puros Espíritos e os condenados podem também ser considerados como puros Espíritos, já que apenas a alma desce ao inferno. O corpo torna-se poeira e se transforma continuamente em ervas, plantas, frutos, minerais, líquidos, sofrendo, sem saber, as contínuas metamorfoses da matéria. Mas os condenados, como os santos, devem ressuscitar no último dia e retomar, para sempre, o mesmo corpo carnal com que eram conhe- cidos, enquanto vivos. Serão diferenciados uns dos outros, porque os eleitos ressuscitarão, com um corpo purificado e radiante, e os condenados, com um corpo sujo e deformado pelo pecado. Então, não haverá mais puros Espíritos, no inferno, e sim homens como nós. O inferno é, por consequência, um lugar físico, geográfico, material, já que será povoado por criaturas terrestres, com pés, mãos, boca, língua, dentes, orelhas, olhos, semelhantes aos nossos, sangue nas veias e nervos sensíveis à dor.

“Onde está situado o inferno? Alguns doutores o colocaram nas entranhas de nossa terra; outros, em não se sabe qual planeta. É uma questão não decidida em nenhum concílio. Neste ponto, têm-se apenas conjecturas. A única coisa que se afirma é que o inferno, esteja onde estiver, é um mundo formado por elementos materiais, mas sem sol, sem ua, sem estrelas. Mais triste, menos

hospitaleiro, mais desprovido de qualquer gérmen ou aparência de bem do que as piores regiões deste mundo onde pecamos.

“Os teólogos circunspectos – como os egípcios, hindus e gregos – não se aventuram a pintar todos os horrores deste lugar e se limitam a mostrá-lo, como um exemplo do pouco que a Escritura revela: os lagos de enxofre do Apocalipse, os vermes formigantes de Isaías sobre os cadáveres de Tofel e os demônios atormentando os homens que se perderam, e os homens chorando e rangendo os dentes, segundo a expressão dos evangelistas.

“Santo Agostinho não concorda que essas penas físicas sejam simples imagens das penas morais. Vê, em um verdadeiro lago de enxofre, vermes e serpentes verdadeiras presos furiosamente sobre todas as partes do corpo dos condenados, acrescentando umas feridas às provocadas pelo fogo. Com base em um versículo de São Marcos, ele afirma que este fogo estranho, embora material como o nosso, agindo sobre os corpos materiais, os conservará, como o sal conserva a carne das vítimas. Mas os condenados sentirão a dor desse fogo, que queima sem destruir, que lhes penetrará na pele, impregnará e saturará seus membros, seus ossos, as pupilas de seus olhos e as fibras mais sensíveis de seus corpos. Se pudessem mergu- lhar na cratera de um vulcão, encontrariam um lugar mais fresco e mais repousante.

“Assim falam os teólogos mais tímidos, mais discretos, mais reservados. Não negam que haja no inferno outros suplícios corpo- rais, mas alegam não terem conhecimento tão suficiente, como o têm sobre os suplícios do fogo e dos vermes, para falarem sobre eles. Há, entretanto, teólogos mais ousados ou mais esclarecidos que fazem descrições mais detalhadas, variadas e completas sobre o

(19) Nota da tradução: Diz a lenda que Orfeu ganhou uma lira de seu pai, Apolo, e se tornou um mú-

sico tão famoso, que até os animais paravam para ouvi-lo. Casou-se com uma linda jovem: Eurídice. Um pastor tentou raptar a mulher de Orfeu que, ao fugir, pisou em uma cobra que a mordeu e ela morreu envenenada. Orfeu a procurou no terreno dos mortos. Entrou no inferno, tocando sua lira de forma tão comovente que, pela primeira vez, as Fúrias choraram. Com sua música, conseguu per- missão para levar a mulher de volta ao mundo dos vivos, mas com a condição de que caminhasse na frente e não olhasse para trás, até saírem daquele lugar. Seguiu, na frente, pelo caminho dos horrores, mas quando se viu ao ar livre não resistiu e olhou para trás. Eurídice, que ainda não tinha saído, foi puxada para trás e voltou definitivamente para a região das trevas.

inferno. Embora não se saiba em que lugar do espaço está situado, há santos, como Santa Teresa, que o viram. Não foram para lá, com a lira nas mãos, como Orfeu19, com a espada, como Ulisses20, e sim

foram transportados em Espírito.

“Segundo o relato de Santa Teresa, parecia existirem cidades no inferno. Ela viu pelo menos uma ruela, longa e estreita, como existe nas cidades medievais, pela qual caminhou com horror, sobre um terreno lodoso e fétido, cheio de répteis monstruosos. Mas foi detida por uma muralha que lhe serviu como um inexpli- cável abrigo. Seria, disse ela, o lugar que lhe seria destinado, caso abusasse, enquanto viva, das graças com que Deus a cobria em sua cela em Ávila. Embora tivesse entrado com muita facilidade nesse nicho de pedra, não conseguia sentar-se nem deitar. Nem ao menos manter-se em pé ou sair. As paredes a envolviam, a apertavam, como se estivessem vivas. Parecia que a sufocavam, a estrangulavam e, ao mesmo tempo, a esfolavam, a cortavam em pedaços. Sentia-se queimar e experimentava todos os tipos de angústia. Sem nenhuma esperança de socorro, tudo eram trevas à sua volta. Entretanto, através das trevas, ela podia perceber, apavorada, a terrível rua em que estava e toda a imunda redondeza, uma visão tão insuportável como os apertos de sua prisão21.

“Era, sem dúvida, um pequeno pedaço do inferno. Outros viajantes espirituais foram mais favorecidos. Viram no fogo do inferno grandes cidades, como Babilônia e Nínive e mesmo Roma, com seus palácios e templos em brasas e todos os habitantes acorren- tados. Os negociantes em seu balcão, padres reunidos em festas com cortesãos, urrando, presos sem poder sair de suas cadeiras, levando aos lábios taças flamejantes. E criados de joelhos, com os braços estendidos, dentro de cloacas ferventes e príncipes em cujas mãos escorria lava de ouro derretido. Outros viram no inferno planícies sem limites e fumegantes, cavadas e semeadas com sementes estéreis, por agricultores famintos. Como nada crescia, esses camponeses se

(21) Esta visão tem todas as características de um pesadelo, o que pode ter acontecido com Santa

comiam, uns aos outros, mas continuavam tão numerosos quanto antes, tão magros e esfomeados, que se dispersavam em bandos, indo procurar, inutilmente, terras melhores. Outras colônias de condenados errantes os substituíam imediatamente, nos campos que abandonavam. Outros viram ainda no inferno montanhas cheias de precipícios, fontes de lágrimas, ribeirões de sangue, roda- moinhos de neve em desertos de gelo, barcos de desesperados, vagando em mares sem praias. Resumindo, viram tudo o que os pagãos viam: um reflexo da terra, uma sombra incomensurável de suas misérias, seus sofrimentos naturais eternizados e até cárceres, forcas e instrumentos de tortura forjados por nossas próprias mãos. “De fato, há demônios que, para melhor atormentar os homens, tomam seus corpos. Têm asas de morcego, couraças de escamas, patas com garras, mostram-se armados com espadas, garfos, pinças, tenazes ardentes, foles, grelhas, executando eternamente a tarefa de cozinheiros e açougueiros da carne humana. Transformados em leões ou enormes víboras, arrastam suas presas para cavernas soli- tárias. Alguns se transformam em corvos, para arrancar os olhos de certos culpados, outros, em dragões voadores, para carregá-los sobre as costas, arrebentados e sangrando, aos gritos, através de espaços tenebrosos, e depois jogá-los no lago de enxofre. Há nuvens de gafanhotos, escorpiões gigantes, cuja visão produz arrepios, cujo odor dá náuseas e o menor contato dá convulsões. Há monstros de várias cabeças, que abrem suas goelas vorazes, chacoalhando suas crinas de víboras venenosas, esmagam os reprovados, com suas mandíbulas ensanguentadas, e os vomitam, mastigados, mas vivos, porque são imortais.

“Não são um acaso estes demônios, com formas sensíveis, que lembram visivelmente os deuses do Amenti22 e do Tártaro, e os

ídolos adorados pelos fenícios, moabitas e outros gentios, vizinhos

(22) Nota da tradução: Amenti, ou Amen-Ti, segundo a mitologia egípcia, seria um país maravilhoso,

onde o sol se põe, portanto, no Ocidente, para onde iriam as almas divinizadas.

(23) Curiosa punição esta, na verdade, de poder continuar, em grande escala, o mal menor que fizeram

na Terra! Seria mais racional que eles mesmos sofressem as consequências desse mal, em vez de terem o prazer de fazer os outros sofrerem.

da Judeia. Cada um tem sua função e seu trabalho. O mal que eles fazem no inferno corresponde ao mal que induziram na Terra23.

Os condenados são punidos em todos os sentidos e órgãos, pelos quais ofenderam a Deus. Punidos de uma forma, como gulosos, pelos demônios da gula, de outra forma, como preguiçosos, pelos demônios da preguiça, e, ainda, como fornicadores, pelos demô- nios da fornicação. Enfim, punidos de tantas maneiras quantas são as formas de pecar. Sentirão frio, estando queimando, e calor, estando gelados. Desejarão eternamente repouso e movimento, sempre esfomeados e alterados, e mil vezes mais cansados do que um escravo no fim do dia, mais doentes que os moribundos, mais alquebrados e cobertos de chagas que os mártires.

“Nenhum demônio recusa – e jamais recusará – sua odiosa tarefa. Todos são bem disciplinados e fiéis à execução das ordens de vingança que receberam. Se não fosse assim, o que seria do inferno? Os pacientes repousariam se os carrascos discutissem ou relaxassem. Mas não há qualquer repouso para uns nem qualquer discussão entre outros. Por mais maldosos e numerosos que sejam os demônios – estão de um lado a outro do abismo – jamais se viram sobre a Terra nações tão dóceis a seus príncipes, armadas tão obedientes a seus chefes, comunidades monásticas mais humildemente submissas a seus superiores24.

“Quase nada se conhece sobre essa ralé de demônios, esses vis Espí- ritos que formam a legião de vampiros, sapos, escorpiões, corvos, hidras, salamandras e outras bestas sem nome, que compõem a fauna das regiões infernais. Mas se conhecem os nomes de diversos prín- cipes que as comandam: entre outros, Belfegor, o demônio da luxúria; Abadon ou Apolion, o demônio do assassinato; Belzebu, o demônio dos desejos impuros ou das moscas que engendram as corrupções; Mamon, da avareza; Maloc, Belial, Baalgad, Astarot e tantos outros,

(24) Esses demônios, que se rebelaram contra Deus, por causa do bem, são de uma docilidade exem-

plar para fazer o mal: nenhum deles se recusa ou relaxa, durante toda a eternidade. Que estranha transformação sofreram, eles, que tinham sido criados puros e perfeitos como Anjos! Não é admirável vê-los dar exemplo de perfeito entendimento, de harmonia, de concordância inalterável, enquanto os homens não sabem viver em paz e se estraçalham na Terra? Vendo o requinte dos castigos reservados aos condenados e comparando essa situação com a dos demônios, pergunta-se qual das duas situações é mais lastimável: a dos carrascos ou a das vítimas?

e acima de todos, o chefe universal, o sombrio arcanjo que no céu se chamava Lúcifer e, no inferno, Satanás.

“Eis, em síntese, a ideia que nos dão sobre o inferno do ponto de vista de sua natureza e de suas penas físicas. Abram os escritos dos padres e dos antigos doutores, consultem as legendas religiosas, olhem as esculturas e pinturas de nossas Igrejas, prestem atenção ao que se diz nos púlpitos, e vocês saberão mais sobre essa questão”.

13. O autor ainda faz algumas reflexões sobre o quadro: “A ressur-

No documento O CÉU E O INFERNO. Allan Kardec (páginas 55-60)