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A viúva Foulon, nascida Wollis

No documento O CÉU E O INFERNO. Allan Kardec (páginas 196-200)

A senhora Foulon morreu em Antibes7, em 3 de fevereiro de 1865.

Morou muito tempo em Havre8, onde ganhou reputação como minia-

turista muito hábil. No início, usava seu notável talento apenas como distração de artista amadora. Mais tarde, vieram as dificuldades e ela aproveitou o talento para garantir o sustento. Tornou-se conhecida, querida e estimada, deixando boas lembranças a todos que a conheceram, graças a sua doçura, uma qualidade que apenas os que a conheceram na intimidade puderam apreciar plenamente, porque não fazia alarde de suas qualidades e, como todos aqueles que têm o bom sentimento inato,

(7) Nota da tradução: Antibes é a maior cidade da chamada Côte d’Azur, no sul da França, costa

as achava naturais. Talvez nunca o sentimento de abnegação tenha ido tão longe como o dela, sempre pronta a sacrificar o descanso e a saúde pelos interesses daqueles a quem poderia ser útil. Sua vida foi uma longa sequência de abnegação e desde a juventude passou por duras e cruéis provas, que sempre enfrentou com força, resignação e coragem. Infelizmente sua vista cansada por um trabalho minucioso como o que executava foi se extinguindo até atingir a completa cegueira.

A Doutrina Espírita foi para a senhora Foulon um espaço de luz. Parecia-lhe que se levantava um véu sobre alguma coisa que não lhe era completamente desconhecida e sobre a qual ela tinha apenas uma vaga intuição. Estudou a Doutrina com ardor, mas ao mesmo tempo com a lucidez e seriedade próprias de sua grande inteligência. É preciso conhecer todas as perplexidades de sua vida, que atingiam não a ela, mas aos seres que lhe eram queridos, para compreender a força da consolação que encontrou nesta sublime revelação, que lhe deu uma fé inquebrantável no futuro e lhe mostrou a nulidade das coisas terrenas.

Sua morte foi digna como sua vida. Sentiu-lhe a aproximação sem qualquer apreensão ou sofrimento: era sua libertação dos laços terrenos, que lhe abriria as portas para a vida espiritual feliz, com a qual se iden- tificava através do estudo do Espiritismo. Morreu calmamente, porque tinha consciência de ter cumprido a missão que aceitara, vindo para a Terra, pois desempenhara escrupulosamente seus deveres de esposa e de mãe de família. Também porque tinha deixado de lado qualquer ressen- timento contra aqueles que a tinham magoado, demonstrado ingratidão, aos quais devolveu o bem em vez do mal. Deixava a vida perdoando a todos e dirigindo-se à bondade e à justiça de Deus. Enfim, morreu com a serenidade de quem tem a consciência limpa e com a certeza de que estaria mais próxima de seus filhos do que esteve durante a vida corporal, porque poderia, a partir de então, estar com eles em Espírito, onde quer que estivessem, ajudá-los com seus conselhos e protegê-los.

A partir do momento em que soubemos da morte da senhora Foulon, nosso primeiro desejo foi conversar com ela. As relações de amizade e de simpatia que a Doutrina Espírita havia propiciado entre

ela e nós explicam algumas de suas palavras e a familiaridade de sua linguagem.

I

(Paris, 6 de fevereiro de 1865, três dias após sua morte)

“Eu tinha certeza de que vocês pensariam em me evocar, logo após minha passagem e estava pronta a responder, porque não tive o período de perturbação, que só acontece para aqueles que têm medo e que estão envolvidos por suas espessas trevas.

“Muito bem! Meu amigo, agora estou feliz. Estes pobres olhos que estavam fracos e que me deixavam apenas a lembrança dos prismas cintilantes de luz que tinham colorido minha infância estão abertos, aqui, e reencontraram os esplêndidos horizontes que alguns de seus grandes artistas mal conseguem idealizar, mas que são a mais completa realidade majestosa, severa e cheia de encanto.

“Há apenas três dias que morri e já sinto que sou artista. Minhas aspirações artísticas para o ideal de beleza eram a intuição das facul- dades que eu tinha estudado e adquirido em outras existências e que se desenvolveram na última encarnação. Imaginem o que tenho a fazer, para reproduzir uma obra de arte digna da grande cena que toca o Espí- rito ao chegar à região da luz! Pincéis e pincéis! E provarei ao mundo que a arte espírita é o coroamento da arte pagã, da arte cristã, que corre perigo, e que cabe somente ao Espiritismo a glória de reviver a arte em toda sua luz, neste mundo deserdado de vocês.

“É o bastante para a artista. Agora, dirijo-me à amiga.

“Por que, boa amiga (refere-se à senhora Allan Kardec), você está tão sentida com minha morte? Justo você, que conhecia as decepções e amarguras de minha vida. Ao contrário, deveria estar feliz de ver que agora já não tenho que beber a taça amarga das dores terrenas que esva- ziei até o fim. Acredite-me, os mortos são mais felizes que os vivos e chorar por eles é duvidar da verdade do Espiritismo. Esteja certa de que você irá me rever. Parti primeiro porque minha tarefa terminou aí embaixo. Cada um tem a própria tarefa sobre a Terra e quando a sua terminar você virá descansar um pouco ao meu lado, para recomeçar

em seguida, se necessário, porque a inatividade não é natural. Cada um obedece às tendências de sua própria natureza. É uma lei suprema que prova o poder do livre-arbítrio. Minha boa amiga, também todos nós temos necessidade recíproca de indulgência e caridade, seja no mundo visível ou no invisível. Seguindo-se esta máxima, tudo vai bem.

“Vocês não me pediriam para parar. Saibam que já conversei muito para uma primeira vez! Por isso deixo vocês. Dirijo-me a meu excelente amigo senhor Kardec.

“Quero agradecer-lhe as afetuosas palavras que dirigiu à amiga que o precedeu no túmulo, já que não partimos juntos para o mundo onde estou, meu bom amigo! (Alusão à doença de que fala o doutor Demeure). Que diria a amada companheira de seus dias, se os bons Espíritos não tivessem cuidado do senhor? Aí então ela teria chorado e gemido e eu a compreendo: mas também é preciso que ela cuide para que o senhor não se exponha mais ao perigo, antes de terminar seu trabalho de iniciação espírita. Sem se cuidar, o senhor corre o risco de chegar muito cedo entre nós e de, como Moisés, só ver de longe a Terra Prometida. Então, cuide-se. É uma amiga que o previne.

“Agora, vou embora. Vou para perto de meus queridos filhos. Depois, irei ver, além-mar, se minha ovelha viajante enfim chegou ao porto ou se está ao sabor da tempestade (Refere-se a uma de suas filhas que morava na América). Que os bons Espíritos a protejam. Vou me juntar a eles para isto. Voltarei para conversar com vocês, porque, lembrem-se, sou uma tagarela incansável. Então, até logo, muito logo, meus bons e queridos amigos.”

Viúva Foulon

II

(8 de fevereiro de 1865)

P – Cara senhora Foulon, estou muito contente com a comuni- cação que tivemos no outro dia e com sua promessa de continuarmos nossa conversa. Eu a reconheci perfeitamente na comunicação, porque falou de coisas ignoradas pelo médium e que só poderiam ter vindo da senhora mesmo. Depois, a linguagem afetuosa para conosco é caracte- rística de sua alma amorosa. Mas há em suas palavras uma segurança,

nesse aspecto.

R – É verdade. Mas, a partir do momento em que me vi gravemente doente, recobrei minha firmeza de Espírito, perdida pelas angústias e reveses que algumas vezes me deixavam medrosa durante a vida. Disse a mim mesma: você é Espírito, esqueça a Terra, prepare-se para a trans- formação de seu ser e veja, pelo do pensamento, o caminho luminoso que sua alma deverá seguir ao deixar o corpo e que a levará, feliz e livre, para as esferas celestes onde você deverá viver no futuro.

Vocês podem me dizer que era um pouco presunçoso de minha parte contar com a felicidade perfeita quando deixasse a Terra. Mas eu tinha sofrido tanto, que imaginava ter expiado os erros desta e das existências anteriores. Essa intuição não me enganou e me deu a coragem, a calma e a firmeza nos últimos instantes: essa firmeza naturalmente aumentou quando, depois de minha morte, vi minhas esperanças realizadas.

P – A senhora poderia nos descrever agora sua passagem, seu despertar e suas primeiras impressões?

R – Eu sofri, mas meu Espírito foi mais forte que o sofrimento material da separação do corpo. Após o último suspiro, me senti como em um desmaio, sem a menor consciência de meu estado, sem pensar em nada, em uma vaga sonolência que não era nem o sono do corpo nem o despertar da alma. Fiquei muito tempo assim. Depois, como se voltasse de um desmaio, acordei pouco a pouco, entre irmãos que eu não conhecia e que não poupavam cuidados e carinhos para comigo, mostravam um ponto no espaço que parecia uma estrela brilhante e me disseram: “É para lá que você vai conosco, você não pertence mais à Terra”. Então me lembrei, me apoiei neles e, como um gracioso grupo que se lança para esferas desconhecidas, com a certeza de encontrar a felicidade, subimos, subimos, enquanto a estrela aumentava. Era um mundo feliz, um mundo superior, onde esta sua boa amiga enfim vai encontrar o repouso. Quero dizer o repouso do ponto de vista das fadigas corporais que eu sofri e dos reveses da vida terrena e não a indolência do Espírito, porque a atividade é uma alegria para o Espírito.

No documento O CÉU E O INFERNO. Allan Kardec (páginas 196-200)