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A ORDEM ECONÔMICA NA CRP E NA CF/1988.

No documento Dimensões dos Direitos Humanos (páginas 70-73)

REFLEXIONES FINALES

2. A ORDEM ECONÔMICA NA CRP E NA CF/1988.

Iniciaremos por tratar das disposições relativas à ordem econômica previstas na Constituição da República Portuguesa (CRP).

Primeiramente, é necessário ressaltar o ambiente em que tal texto constitucional foi promulgado, em 1976, quando Portugal vivia um período pós- revolucionário. Em 25 de abril de 1974, teve lugar naquele país a Revolução dos Cravos, que pôs fim a um regime do Estado Novo, que tinha como expoente António Salazar.

Deste modo, a CRP possui em sua origem um forte cariz socialista, prevendo uma gradual mudança a este regime, o que certamente influenciou diretamente nas disposições originais sobre ordem econômica. A previsão da propriedade estatal e social dos meios de produção era clara e, apesar da existência da propriedade privada, esta era residual.

Em trabalho sobre o tema, explica Maria Manuel Leitão Marques (1990, p. 2):

(...) o texto originário da CRP caracterizava-se, em matéria de organização económica, principalmente pelo facto de garantir as transformações revolucionária de 1974-1976, as quais tinham como objectivos fundamentais o desmantelamento da organização corporativa da economia, típica do regime derrubado, a eliminação dos monopólios privados e dos latifúndios, e o reconhecimento dos direitos económicos e sociais dos trabalhadores.

Entretanto, os passos da Revolução foram desviados, mudanças na conjuntura do país e da própria Europa fizeram com que Portugal mudasse de direção, agora no sentido da integração comunitária por meio da CEE (Comunidade Econômica Europeia). Sendo necessário retirar a forte “carga

João Otávio Bacchi Gutinieki & Fábio da Silva Veiga

ideológica” presente na CRP, a fim de adequá-la às outras constituições dos membros da Comunidade.

As revisões constitucionais de 1982 e 1989 tiveram por objetivo neutralizar a constituição econômica, dando maior proteção aos agentes econômicos privados, reduzindo o papel do Estado no setor produtivo, consagrando “(...) garantias mínimas de um sistema de economia mista e do controle democrático da economia” (MARQUES, 1990, p. 4).

Relativamente ao texto constitucional anterior, a revisão retirou dos princípios constitucionais fundamentais as referências à construção de uma "sociedade capitalista" (art. 2º) e à "sociedade sem classes" (art. 1º), mantendo tão só a referência à democracia económica e ao aprofundamento da democracia participativa como objectivos da organização política democrática. Nos princípios gerais da ordem económica (art. 80º) desapareceu também a referência ao "desenvolvimento da propriedade social". (MARQUES, 1990, p. 5)

A CRP dos dias atuais continua a prever os quatro setores da economia, como decorre da própria alínea b do art. 80º, que prevê como princípio a “coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção”. Garantindo claramente uma proteção mais abrangente aos dois últimos setores, até por serem estes meios de distribuição de renda por excelência e baluartes de uma economia mais solidária. Entretanto, não deixa o texto constitucional luso de reconhecer a liberdade de iniciativa, como é o princípio previsto na alínea c do artigo 80º: “liberdade de

iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista”.

Ao reconhecer a liberdade de iniciativa económica privada (nº.1), a Constituição considera-a seguramente (após a primeira revisão constitucional) como um direito fundamental (e não apenas como um princípio objectivo da organização económica), embora sem a incluir directamente entre os direitos, liberdades e garantias (beneficiando, porém, da analogia substantiva com eles, enquanto direito determinável e de exequibilidade imediata). Este entendimento constitucional do direito de iniciativa privada está em consonância com o estatuto da empresa e do sector privados no âmbito da <<constituição económica>> (...). (CANOTILHO; MOREIRA, 2007, p. 789) (grifos do autor).

A livre iniciativa na ordem constitucional luso-brasileira

Após conhecer algumas partes da constituição portuguesa que tratam da ordem econômica e financeira, passaremos agora ao estudo da constituição brasileira de 1988.

Sobre a ordem econômica e financeira na constituição, delimita José Afonso da Silva (2005, p. 785):

As bases constitucionais do sistema econômico encontram-se nos arts. 170 a 192, compreendidos em quatro capítulos: um sobre os princípios da ordem econômica, outro sobre a política urbana, um terceiro sobre a política agrícola e fundiária e sobre a reforma agrária; e, finalmente, um quarto sobre o sistema financeiro nacional

Celso Ribeiro Bastos, explica as fundações da ordem econômica brasileira com a “Constituição Cidadã” de 1988:

A ordem econômica da nossa atual carta é fundada na livre iniciativa e concorrência. Dentre os princípios que informam, arrolados no art. 170, figuram o da propriedade privada (inc. III) e da livre concorrência (inc. IV), reforçado pelo parágrafo único que diz que a todos é livre o exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvo os casos excepcionais em lei. É o regime, pois, da livre empresa, pelo qual a cada um é dado lançar-se na atividade empresarial por conta e risco. As leis que presidem a esta são as leis de mercado. (2003, p.103)

Temos assim, a partir do art. 170 da CF/88 o conteúdo fundamental da ordem econômica brasileira que, logo de início, traz dois princípios fundantes: a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano.

Parece estar claro que, no âmbito da ordem econômica, a Constituição

optou por um sistema capitalista privado, amenizado pela possibilidade

de interferência estatal em certas situações que ela mesma especifica e temperado pela ênfase dada a alguns objetivos de cunho social, claramente expressos em seu texto nos princípios que veicula. (TOLEDO, 2004, p. 277)

Tratando sobre quais os fundamentos e diretrizes instituídos sobre o assunto na Constituição de 1988, continua o José Afonso da Silva:

A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na

valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que

significa isso? Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a

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ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado. (...) A ordem econômica, segundo a Constituição, tem por fim assegurar a todos

uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios indicados no art. 170, princípios estes

que, em sua essência, como dissemos, consubstanciam uma ordem capitalista. (2005, p. 788) (grifo nosso)

Deste modo, podemos considerar que o ordenamento constitucional brasileiro seguiu aquilo que já era consagrado na própria economia: a prevalência do capital privado e das iniciativas dos indivíduos que compõe a sociedade. Buscando balancear a livre iniciativa com a valorização do trabalho humano, a fim de perseguir os fins da República, que são uma sociedade justa e fraterna.

3. A LIVRE INICIATIVA ATRAVÉS DAS PEQUENAS E MÉDIAS

No documento Dimensões dos Direitos Humanos (páginas 70-73)