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3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

3.1 CONDIÇÕES DO EXERCÍCIO DO PODER

3.1.1 O contexto do serviço

3.1.1.2 Organização dos cuidados

A equipa de enfermeiros é constituída por 24 enfermeiros. No decorrer do estudo e em função da integração do hospital num centro hospitalar, a enfermeira chefe foi deslocada para outras funções. A chefia do serviço foi assumida pela enfermeira que anteriormente a coadjuvava e uma das enfermeiras graduadas passou a exercer as funções desta. As idades dos enfermeiros variam entre os 22 e os 56 anos, sendo que a maioria tem menos de 30 anos. A experiência profissional varia entre ter 2 meses e 33 anos de serviço. A maioria trabalha há menos de 6 anos e a quase totalidade dos

enfermeiros iniciou a sua actividade profissional naquele serviço (ver quadro 1). No decurso do estudo dois enfermeiros concluíram a sua formação de pós-licenciatura em enfermagem de reabilitação, sendo os únicos enfermeiros a terem uma formação pós graduada conferente de título. Os outros enfermeiros frequentaram ou frequentam cursos de pós-graduação conferentes e não conferentes de grau académico.

Quadro 1 – Caracterização do grupo de enfermeiros Anos de experiência profissional Idade em anos (Dez. 2008) Sexo Intervalo Frequência M F ≤ 2 1 22 - 1 3 – 5 12 24 - 26 2 10 6 – 8 5 27 - 30 1 5 ≥ 9 5 34 - 56 5

No que respeita à carreira de enfermagem, para além do enfermeiro chefe, dezassete (17) enfermeiros têm a categoria de enfermeiro e cinco (5) a de enfermeiro

graduado28. O regime de horário de trabalho semanal da maioria dos enfermeiros é de 40h, exceptuando um que faz 35h e cinco que fazem 42h.

Os enfermeiros estão organizados em cinco equipas chefiadas pelo elemento da equipa com mais anos de experiência profissional. Esta função é aceite tacitamente por todos como um reconhecimento do saber e competência do enfermeiro. A divisão em equipas não é estanque e em cada turno é vulgar existirem enfermeiros de outras equipas devido às trocas de turnos ocasionadas por motivos diversos. Os enfermeiros distribuem-se pelos três turnos, ficando cinco enfermeiros no turno da manhã, quatro no turno da tarde e três no turno da noite. Como o serviço tem as duas especialidades médicas, no turno da manhã existe uma divisão funcional da equipa de enfermagem por estes dois serviços; os enfermeiros a cada duas/três semanas mudam de serviço, ficando ora com os doentes do foro médico ora com os doentes do foro gastrenterológico. Esta

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O Decreto-Lei nº248/2009 de 22 de Setembro veio estabelecer um novo regime da carreira especial de enfermagem, considerando apenas duas categorias: a de enfermeiro e de enfermeiro principal.

alternância proporciona, na opinião da enfermeira-chefe, um maior conhecimento dos doentes e das suas necessidades em cuidados de enfermagem e uma oportunidade dos enfermeiros desenvolverem as suas competências.

Em cada turno o enfermeiro chefe de equipa distribui os enfermeiros pelos doentes segundo critérios tacitamente aceites por todos: grau de dependência dos doentes, existência de infecção multirresistente29, dias de contacto com o mesmo doente e tempo de permanência nas duas especialidades médicas. Em função destes critérios os doentes dependentes, considerados como “pesados” por estarem dependentes do enfermeiro para a realização das suas actividades de vida e/ou terem problemas de saúde mais complexos, requerendo por isso mais tempo de cuidados de enfermagem, são distribuídos pelos enfermeiros. Dentro destes parâmetros, e sempre que possível, o chefe de equipa ao fazer a distribuição do trabalho dos enfermeiros procura conciliar o grau de dependência do doente, com os dias de contacto com o doente nas duas semanas de permanência na especialidade, de modo a “não ficarem sempre com os mesmos

doentes pesados” (EI 07). A utilização destes critérios introduz, na opinião dos

enfermeiros, o princípio de equidade e de justiça na distribuição do trabalho.

“No hospital onde trabalhei antes de vir para aqui, o método era por salas o que criava mais injustiça porque ela podia ter os doentes mais pesados e outro colega ter os doentes mais leves. Assim é diferente, é mais equitativo e como rodam não ficam sempre com os doentes pesados” (EI 03).

O chefe de equipa é escolhido de entre os enfermeiros com mais experiência profissional, pelo seu saber e competência aliados a uma capacidade de liderança. As suas funções são conhecidas e aceites tacitamente por todos, embora não corresponda a nenhuma categoria profissional nem seja adoptada oficialmente pela organização. Ao chefe de equipa compete orientar e supervisionar o trabalho dos enfermeiros, sobretudo dos mais novos, e o dos auxiliares de acção médica; gerir os problemas logísticos e os relacionados com os doentes. Estas funções, na opinião do 2º elemento de chefia, estão a desvanecer-se porque o horário mensal de trabalho dos enfermeiros é constantemente alterado com pedidos de troca o que altera a composição das equipas:

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“O chefe de equipa já não tem o papel que tinha. Agora já não se vê. Dantes ele era a pessoa que reunia capacidade de liderança e assumia um papel que era mesmo de chefia de acordo com as funções que tinha (…) Com a elevada troca de turnos isto já não é possível. Começou-se a deixar fazer umas trocas e depois elas alargaram-se” (EI

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O método de distribuição de trabalho utilizado no serviço é mais um método misto de método individual e de método de equipa. Embora os enfermeiros se organizem em torno dos doentes e procurem enquadrar os cuidados numa concepção humanista, e numa metodologia que atribui a determinado enfermeiro a responsabilidade dos cuidados de um grupo de doentes, a organização dos cuidados é feita com a finalidade de alcançar uma funcionalidade operativa. A centralidade do cuidado deixa de ser o doente para se centrar na organização do trabalho, o qual deve fluir com eficácia e eficiência, sobretudo nos dias em que a lotação do serviço ultrapassa o número de camas e o grau de dependência dos doentes é elevado. A exemplificar esta funcionalidade está a divisão que os enfermeiros fazem entre si no início do turno, agrupando-se para realizarem alguns dos cuidados de enfermagem nomeadamente os cuidados de higiene, a administração de terapêutica e a designada “volta” pelos doentes realizada após o almoço e antes da chegada das visitas e do início da passagem de turno.

A passagem do turno da noite para o da manhã é considerada um momento charneira do trabalho do enfermeiro. É neste espaço de tempo, que geralmente ocupa a 1ª hora de trabalho do dia, que os enfermeiros partilham a informação, gerem conflitos, questionam os diferentes tipos de saberes, gerem as situações imprevisíveis e complexas que ocorrem, explicitam competências adquiridas, planeiam e avaliam estratégias de intervenção em torno do núcleo central do seu trabalho – o doente. É por isso um momento de avaliação do trabalho realizado e de programação ou reprogramação de novas intervenções e, na opinião do enfermeiro chefe, um modo de superar as insuficiências do método de trabalho em uso.

Embora os enfermeiros se organizem em torno dos doentes e procurem enquadrar os cuidados numa concepção humanista dos mesmos, a organização do trabalho evidencia uma intermutação de tarefas, respondendo mais a um critério de oportunidade e funcionalidade que de individualidade. A organização do trabalho oscila

entre uma concepção ritualista do mesmo, na qual o cumprimento das tarefas e das regras é o foco central, e uma concepção mais orgânica na qual a centralidade é conferida mais às finalidades que ao cumprimento das tarefas (Lopes, N. 2001). Este cenário evidencia uma organização de cuidados que mostra o trabalho do enfermeiro como uma actividade central, controlada por uma ordenação disciplinar do tempo, como garante de uma utilização racional e eficaz do seu trabalho em função das actividades que tem de realizar (Foucault, 1975). Esta focalização no trabalho do enfermeiro e a sua segmentação em actividades padronizadas e ritualizadas são características que se encontram nos serviços de medicina devido à pouca imprevisibilidade do trabalho (Lopes, N., 2001) 30.