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2. OPÇÕES METODOLÓGICAS

2.4 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DE DADOS

A análise de dados é uma actividade que decorre em três fases que se interligam: a redução dos dados que consiste no processo de selecção, simplificação, abstracção e transformação dos dados existentes nos registos; a organização dos dados numa forma mais compacta e esquemática que possibilite a sua compreensão; a conclusão e verificação dos dados que se vai realizando à medida que se encontram regularidades, padrões, possíveis configurações que se vão comparando entre si para verificar da sua validade (Miles e Huberman, 1994). É um processo que implica introspecção, reflexão e reconstrução do pensamento para fazer sobressair dos dados contidos nas observações, nas notas de campo e nas entrevistas, um todo significativo para o fenómeno em estudo pelo que se torna num processo longo, interligado e interdependente com a recolha de dados e em constante interacção com estes.

O processo de análise de dados iniciou-se pela etapa da redução dos dados, com uma leitura dos primeiros dados a fim de obter uma visão compreensiva do todo e uma primeira contextualização do fenómeno em estudo. Esta imersão nos dados, sem a preocupação de atribuir códigos, ajuda na identificação de temas sem que se perca a ligação entre os conceitos e o seu contexto (Bradley [et al], 2007). Desta leitura iam surgindo imagens que registava no final do texto, escrevendo uma síntese das ideias centrais que tinham emergido da leitura e que mais tarde ajudaram na construção das categorias. O processo de redução dos dados não surge por si mesmo; ele é o produto da

interpretação e selectividade do modo como se olha, regista e analisa (Miles e Huberman, 1994; Srivastava e Hopwood, 2009). Sendo um processo reflexivo, recorri a um conjunto de questões que fui colocando aos dados e que possibilitaram um questionamento e um refinamento dos mesmos, nomeadamente: “o que é que os dados me dizem?”, “o que é que eu quero saber?” e “que relação existe entre o que os dados me querem dizer e o que eu quero saber?” Olhar os dados e interrogá-los obrigou-me a uma avaliação da selectividade na recolha dos próprios dados, a redireccionar para novos olhares e a não fugir do objecto de estudo. É um processo iterativo de questionamento, útil para a análise dos dados e que permite avançar a reflexão para novos significados e compreensões (Srivastava e Hopwood, 2009).

Após esta primeira leitura iniciei o processo de des-contextualização dos dados (Tesch,1995), segmentando o texto em frases compreensíveis que, quando retiradas do seu contexto, não perdessem o seu significado. A cada segmento de texto fui atribuindo um ou mais significados que o processo iteractivo de questionamento fazia sobressair, chegando a um primeiro conjunto de códigos descritivos que derivaram do próprio texto (Miles e Huberman, 1994) 16. A preocupação não residiu em atribuir um significado que fosse para além do texto mas que permitisse uma imersão no próprio texto e uma compreensão do que os dados revelavam. Esta preocupação reflectiu-se na nomeação dos códigos que foi feita a partir dos significados que emergiam dos textos, identificando os tópicos ou temas que os significados sugeriam. Apesar de esta nomeação ser feita de um modo aberto e indutivo a escolha do nome é o produto de um raciocínio lógico e de um enquadramento conceptual particular que o investigador possui e traz para o estudo (Miles e Huberman, 1994; Jacelon e O’Dell, 2005). Esta constatação obrigou-me a centrar no que os dados faziam emergir, interrogando-os e olhando-os sem cair em interpretações precipitadas e tentando descobrir novas relações. Assim, em cada registo de observação, e à margem de cada segmento de texto sublinhado, ia colocando na margem direita o tópico ou tema a que respeitava, ao

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Miles e Huberman (1994) classificam os códigos em três tipos: descritivos, quando o significado atribuído envolve pouca interpretação; interpretativos, que vão para além do texto e o enquadram num determinado fenómeno; os códigos padrões, que são significados mais inferenciais e explanatórios dos dados (p57).

mesmo tempo que elaborava memos onde registava as reflexões e novos questionamentos que emanavam da análise dos dados (anexo 4).

Nesta fase de análise recorri ao programa informático de tratamento de dados qualitativos NVivo7 que se revelou essencial porque permitiu a elaboração da primeira lista provisória de códigos, com a descrição de cada código, os segmentos de texto que os originaram e ainda a inclusão das reflexões que cada código suscitava, construindo um primeiro sistema organizador (Tesch, 1995). A construção deste primeiro sistema foi de grande importância para o desenvolvimento do estudo porque se por um lado era o resultado do meu olhar sobre os dados, por outro mostrou como está a olhar a realidade donde eles emergiam; foram momentos em que questionava a minha capacidade de observar e interpretar, de me centrar no objecto de estudo e de reflectir sobre os dados.

Nas análises seguintes, através de um demorado processo de des- e re- contextualização (Tesch, 1995) os códigos foram sendo re-interpretados, comparados, alterados e agregados em função dos novos dados que surgiam (quer da observação participante quer das entrevistas), dos padrões de significados encontrados, das novas relações, interrogações e inferências que os mesmos suscitavam, reconstruindo assim o sistema organizador de categorias e sub-categorias Neste processo de codificação surgiram novos códigos, outros foram eliminados por falta de suporte ou porque não descreviam o fenómeno e outros subdivididos por agruparem grande quantidade de dados. Nesta fase o programa informático NVivo não se revelou muito útil pela dificuldade em manejar a grande quantidade de códigos existentes. Recorri por isso ao método manual e ao programa de tratamento de texto do Office 2007 que me permitia ter uma maior liberdade no modo como organizava as categorias e as suas dimensões o que facilitou a avaliação das mesmas quanto à sua homogeneidade, inclusão e saturação, permitindo construir um sistema organizador de codificação que apresentasse um relacionamento coerente quer do ponto de vista conceptual quer estrutural, tendo em conta o objecto de estudo. Ao mesmo tempo permitia-me elaborar reflexões e incluir em notas de fim e de rodapé outros elementos que considerava pertinentes como por exemplo bibliografia consultada, a consultar ou outra nota.

Neste processo de construção da estrutura de codificação utilizei a construção de mapas conceptuais que facilitaram um afastamento dos dados permitindo olhá-los à distância, e ter uma visão crítica dos acontecimentos e das interpretações que deles fazia. Os primeiros mapas resultaram em construções simples, mas à medida que o trabalho de campo e a análise dos dados se processava, eles foram-se tornando mais complexos pelo que recorri ao programa informático Cmap Tools para os construir. A representação visual dos conceitos e das suas conexões facilitou a contextualização dos dados, a nomeação das categorias, o perceber da relação entre categorias e subcategorias e a coerência da construção do sistema organizador (anexos 8 e 9). Miles e Huberman (1994) referem-se a estes mapas como um modo de clarificar e precisar os padrões que emergem dos dados, à medida que a construção da estrutura de codificação evolui. Dei por concluído o processo de codificação quando, perante novos dados estes pareciam não acrescentar novas informações e eram facilmente codificáveis e quando começaram a emergir regularidades (Lincoln e Guba, 1985).

Neste tipo de estudo, em que o investigador é o principal instrumento de pesquisa, a natureza da análise qualitativa, enquanto processo analítico singular, resulta num processo criativo entre este e os dados, pelo que dificilmente um outro investigador poderá confirmar todos os resultados (Sandelowski, 1998; Cutcliffe e McKenna, 2004). Quem o pode fazer são as pessoas que estiveram directamente envolvidas, ou seja o investigador e os participantes na medida em que é uma perspectiva émica que está a ser validada. Esta confirmabilidade e sobretudo completude de interpretações sobre os dados foi sendo feita no decorrer do processo de recolha e análise de dados à medida que estes iam surgindo, e em particular no decorrer das entrevistas, tal como Sandelowski (1998) e Tobin e Begley (2004) propõem. O uso de duas fontes de dados permitiu também que a análise dos dados fosse sendo validada com e pelos próprios enfermeiros, o que contribuiu para um desenvolvimento sustentado do estudo17, 18.

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A utilização de mais do que uma fonte de dados, designada por triangulação de fontes, é um meio de tornar mais credíveis e verdadeiros os dados encontrados e uma estratégia para encontrar a redundância (Lincoln e Guba, 1985; Miles e Huberman, 1994; LeCompte e Schensul, 1999).

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O retorno dos resultados aos participantes tem sido alvo de crítica por duas ordens de razão: os dados são o produto de um processo de análise suportado no enquadramento teórico do investigador que difere do enquadramento teórico dos participantes, pelo que é difícil que outros interpretem os dados da mesma maneira; perante os dados os participantes podem alterar a sua opinião ou sentirem-se compelidos a concordar com o investigador, o que

A apresentação dos dados ou parte deles, em encontros científicos em diferentes fases da análise e os questionamentos feitos foram momentos importantes para o evoluir do processo de análise19. Foram exercícios de síntese e avaliação do trabalho até aí desenvolvido, que permitiram a consolidação da análise efectuada, a identificação de dados e relações menos claras que careciam de maior desenvolvimento assim como a identificação de outros novos dados que precisavam de ser analisados. Estas apresentações assemelham-se aos sumários provisórios propostos por Miles e Huberman, que são sínteses do trabalho desenvolvido reunidas num todo coerente, que permitem uma avaliação dos dados encontrados e da qualidade dos mesmos e levam a novas etapas do processo de análise.

A leitura e interpretação dos dados representam um quadro interpretativo produto do modo de ver e dar sentido a uma realidade vista pelos olhos do investigador que, coadjuvado pelos olhares dos participantes, o construiu. Numa realidade onde a verdade não é absoluta mas relativa e situada, este quadro desvela uma das verdades possíveis. Como dizem Ryan-Nicholls e Will (2009) a verdade provém do modo como os fenómenos são vividos e percebidos pelos sujeitos e não como uma verificação de concepções aprioristas sobre os mesmos. A análise dos dados não tem por isso a presunção de se constituir numa verdade universal pelo que outros olhares poderão desocultar novos sentidos e completá-lo.

compromete uma validação do processo de análise (Sandelowski, 2002). Sparkes (2001) e Tobin & Begley (2004) afirmam que esta técnica traduz uma inconsistência filosófica porque contradiz a noção da existência de múltiplas realidades e de diferentes modos de a conhecer.

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- EANS Summer School for doctoral studies: 1º ano, Manchester/Junho 2006; 2º ano, Maastricht/Junnho 2007; 3º ano, York/Julho 2008 (poster)

- The exercise of power in the nurse-patient relationship. 36th EDTNA/ERCA International Conference, Florença, Setembro 2007.

- O exercício do poder na relação enfermeiro-pessoa doente no momento dos cuidados de higiene. 10ª Conferência Internacional de Investigação APE, Porto, Outubro 2008

- O banho em contexto hospitalar: um cuidado, uma rotina ou uma questão de poder? IV Congresso Ibero- Americano de Pesquisa Qualitativa em Saúde, Fortaleza, Setembro 2010.