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2. OPÇÕES METODOLÓGICAS

2.5 QUESTÕES ÉTICAS

Qualquer investigação que envolva seres humanos deve observar um conjunto de princípios éticos pela necessidade de se salvaguardar a sua dignidade e integridade. Estes princípios aplicam-se durante todo o estudo e não num determinado momento, pela imprevisibilidade de situações que podem ocorrer em qualquer momento do percurso e pelo respeito pela dignidade humana das pessoas envolvidas no estudo, princípio cardinal da ética em investigação (UNESCO, 2005; Holloway e Wheller, 1995). Passarei a descrever como os princípios nortearam o estudo.

Num primeiro momento, foi contactado o enfermeiro director do hospital para apresentar a minha intenção de realizar o estudo e perceber da viabilidade do mesmo. Com a concordância prévia da direcção de enfermagem solicitei ao Conselho de Administração da organização de saúde a autorização necessária para poder efectuar a recolha de dados para o estudo, o qual deu um parecer favorável ouvida a Comissão de Ética da respectiva organização. Neste pedido uma das garantias dadas foi a confidencialidade e o anonimato dos dados razão pela qual omiti neste relatório qualquer referência que pudesse levar à identificação da instituição e dos participantes envolvidos.

Após contacto com a direcção de enfermagem para informar do início do trabalho e com a enfermeira chefe do serviço, a quem apresentei o projecto do estudo, foi acertada a data de início da minha presença no serviço. Por decisão da enfermeira chefe foi ela que apresentou o projecto à equipa de enfermagem e solicitou o consentimento dos enfermeiros para serem participantes do estudo. Com a informação de que estes tinham manifestado a sua concordância em participarem no estudo, dei início ao trabalho de campo. Nas reuniões de passagem de turno apresentei o projecto, esclarecendo os objectivos do estudo, a metodologia, as condições de participação e respondia às dúvidas colocadas. Estes esclarecimentos também foram dados aos enfermeiros sempre que surgiam dúvidas ou quando sentia que tinha necessidade de explicitar o estudo. Foi minha preocupação garantir e reforçar a confidencialidade dos dados, o anonimato, o direito de consentir participar no estudo e o de recusar em qualquer momento. Para garantir a liberdade de escolha e o direito à autodeterminação

foi solicitado o consentimento por escrito aos enfermeiros (anexos 6 e 7). Todos os enfermeiros deram o seu consentimento à excepção de um. No decorrer do trabalho de campo preocupei-me em reforçar o direito de o enfermeiro recusar ser observado naquele momento e o direito de poder rescindir em qualquer fase do processo. Assim, após a passagem do turno, solicitava autorização ao enfermeiro para o poder acompanhar naquele dia, reforçando que teria a liberdade para decidir livremente.

O consentimento dos doentes foi outro dos critérios primordiais para poder efectuar a recolha de dados. A observação do exercício do poder dos enfermeiros obrigava-me a estar presente numa situação de cuidados em que o doente se confronta com a necessidade de expor o seu corpo. Aceder ao corpo do doente significa entrar num espaço de grande privacidade pelo que a imposição da minha presença sem o consentimento prévio do doente seria uma invasão e simultaneamente um desrespeito à sua dignidade, ao seu direito à privacidade e ao princípio da autonomia. O consentimento informado do doente ou do seu representante legal (familiar ou, na ausência deste, o enfermeiro responsável), garantindo que este expressasse livremente a sua vontade de autorizar a presença do investigador, foi uma condição necessária para poder realizar a observação daquele momento. Este pedido foi feito por mim antes dos cuidados se iniciarem e outras vezes o enfermeiro responsável tomava a iniciativa de me apresentar ao doente e pedir a sua autorização para poder estar ali. Neste pedido, para além de se apresentar sucintamente a razão da minha presença, esclarecia as dúvidas colocadas, afirmava a garantia do anonimato, da confidencialidade dos dados e o direito de recusar a minha presença em qualquer momento dos cuidados de higiene. Quando o doente não podia expressar livremente a sua vontade, porque as suas capacidades para o fazer estavam comprometidas, o consentimento era assumido pelo familiar ou, na ausência deste, pelo enfermeiro que naquele turno estava responsável pelos cuidados àquele doente20.

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À luz do Código Deontológico o enfermeiro, de entre outros deveres, tem o dever de realizar as intervenções de enfermagem com a preocupação da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa humana, bem como de salvaguardar os seus direitos contra qualquer forma de abuso. Ao garantir a protecção do doente e a promoção do seu bem-estar o enfermeiro responsável assume o papel de advogado do doente garantindo assim que, ao consentir a presença do investigador num espaço de privacidade e intimidade, a presença daquele não atente contra o bem do doente nem ocasione danos.

Apesar de os doentes não serem os participantes do estudo, a sua presença e a sua condição humana impunham o dever de respeito. O facto de terem uma idade avançada, apresentarem alterações cognitivas e estarem muitos debilitados, foram factores que condicionaram a minha conduta. Foi minha preocupação atender à condição de saúde e ao bem-estar do doente evitando interpelá-los sempre que o falar e o movimentar na cama era um esforço visível na linguagem do corpo. Outro aspecto importante foram as condições físicas do serviço facilitarem uma grande proximidade dos doentes pelo pouco espaço a separar as camas. Esta circunstância estrutural, aliada à partilha do espaço por três ou seis doentes, impedia a garantia da confidencialidade do diálogo que pudesse ter com os doentes ou com os próprios enfermeiros, o que seria lesivo dos princípios éticos presentes em qualquer estudo. Na qualidade de investigador e responsável pelo assegurar a protecção dos participantes (e dos doentes de quem cuidavam) de qualquer dano ou eventual risco que o diálogo no momento dos cuidados de higiene pudesse causar, limitava-me essencialmente em responder às questões colocadas pelo enfermeiro ou pelo doente.

A minha colocação no espaço da unidade do doente, local onde o cuidado de higiene ocorria, foi uma preocupação que acompanhou todo o trabalho de campo. Sempre que entrava na unidade do doente a minha localização no espaço era ajustada com o próprio enfermeiro. Procurava ficar num local suficientemente perto para poder observar e suficientemente longe para não interferir na interacção entre enfermeiro e doente, respeitando o espaço de ambos e permitindo que me tornasse menos visível e assim sentida como uma presença menos ameaçadora. Esta condição de não constituir uma ameaça nem causar dano aos enfermeiros e doentes ou a outrem, determinou uma atenção particular no meu modo de estar e comunicar, que se estendeu a todos os profissionais do serviço, no respeito pelo princípio da não maleficência. A não imposição da minha presença diariamente, o respeitar os tempos de cada enfermeiro e do próprio serviço, o acordar previamente o que ia fazer, solicitando a devida autorização, conhecer as dinâmicas internas e não emitir opiniões foram estratégias que desenvolvi no dever de respeito pelas pessoas.

No que respeita às entrevistas foi minha preocupação informar os enfermeiros do tempo esperado de duração das mesmas para que pudessem livremente decidir e respeitar os tempos dos enfermeiros e a sua disponibilidade, confirmando sempre da oportunidade da sua realização. Após o consentimento verbal dos enfermeiros e combinada a data e hora da mesma, antes de cada entrevista recordava a finalidade do estudo, reforçava a garantia da confidencialidade e anonimato dos dados assim como do direito de interromper ou terminar a entrevista quando quisesse. No início da entrevista pedia autorização para proceder à sua gravação com o garante de que os dados nela contidos eram de uso exclusivo do investigador e de que a gravação seria interrompida ou terminada sempre que o enfermeiro o entendesse.