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3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

3.1 CONDIÇÕES DO EXERCÍCIO DO PODER

3.1.3 A interpretação do outro: o corpo no centro dos cuidados de higiene

3.1.3.1 A pessoa é e tem um corpo

3.1.3.1.1 Preservação da integridade

A preservação da integridade do doente é uma preocupação dos enfermeiros traduzida no respeito pela vontade expressa e pelos seus hábitos, no reconhecimento das suas necessidades e capacidades e no manter a aparência.

Com o intuito de preservar a integridade do doente, o enfermeiro realiza os cuidados de higiene atendendo aos pedidos e aos gostos dos doentes indo, sempre que possível, ao encontro do modo como estão habituados a fazer em casa, respeitando os seus hábitos. Em função do pedido que o doente expressa no momento ou de acordo com o que já conhece do doente, o enfermeiro ajusta os procedimentos inerentes aos cuidados de higiene, desde o colocar do material junto do doente ou dar o material à medida que o doente necessita, vestir a sua roupa e não a do hospital, ou deixá-lo sentado no cadeirão ou na cama. O grau e o tipo de colaboração do doente no cuidado depende da vontade deste e da sua situação clínica, em particular do como se sente no momento, da necessidade terapêutica que esta colaboração pode revestir para a recuperação da sua mobilidade ou funcionalidade e da capacidade física e cognitiva para a realizar. No decorrer do cuidado estes elementos vão sendo avaliados e adaptados ao estado de saúde do doente. Esta adaptação é facilitada quando se trata de um reinternamento ou quando o internamento se prolonga no tempo.

Conscientes da influência do processo de doença e do internamento, os enfermeiros procuram “dar o seu melhor” e “mimar” (EFB-292) o doente para lhes restituir a “identidade roubada” (EFH-211) pelo internamento. Perceber e fazer as coisas como o doente gosta, ir ao encontro da sua vontade, respeitar o como está habituado a fazer, utilizar os seus produtos de higiene e respeitar o seu ritmo são exemplos deste “mimo”. Como diz um enfermeiro:

“Cada pessoa é específica e cada pessoa tem uma história para trás, cada pessoa tem a sua patologia actualmente e cada pessoa irá ter um futuro diferente dos outros todos”

(EFD 134-136).

A adequação do cuidado (padronizado e rotinizado) à pessoa do doente é feita mediante ajustamentos que conjugam a condição física doente, o normativo do serviço e a vivência do tempo - o tempo que o doente precisa para poder colaborar na sua higiene; o tempo que o enfermeiro considera poder dar ao doente para a realizar; o tempo que o enfermeiro dispõe para o cuidado face ao número de doentes que o enfermeiro ainda tem para cuidar. A conjugação destes factores é decisiva para que esta estratégia de poder seja accionada porque, apesar dos seus benefícios, existem alguns obstáculos que dificultam a sua implementação. Um dos maiores obstáculos referidos pelos

enfermeiros é encontrar um equilíbrio entre a necessidade de cuidar os doentes dependentes a seu cargo, gerir as particularidades dos doentes de modo a preservar a integridade de cada um e gerir as solicitações que lhes são feitas por terceiros no decorrer dos cuidados, num intervalo de tempo esperado e tacitamente interiorizado como norma da organização. Este confronto é particularmente sentido quando o enfermeiro, ao estimular a colaboração do doente, sabe que o tempo que este leva a realizar o cuidado é um tempo diferente do seu, mas que deve e tem de respeitar:

“Eu permito que o doente o faça, se eu lhe dou oportunidade de o fazer, então obrigatoriamente eu tenho que respeitar o tempo dele” (EFF 440-441).

Um outro obstáculo apontado pelos enfermeiros é a própria orgânica do método de trabalho: a elevada troca de turnos e as alternâncias nos ritmos de trabalho afasta os enfermeiros do serviço, interrompendo o contacto com o doente, reflectindo-se esta ausência na dificuldade em conhecer o doente para além do seu corpo matéria.

Os cuidados da aparência são cuidados dirigidos ao corpo público, ao corpo material que é imediatamente visível aos outros quando se cruza nos espaços públicos com outros corpos. Estes cuidados envolvem principalmente a atenção que o enfermeiro dá ao cuidar da apresentação do seu rosto, sem esquecer que aquele rosto tem boca, cabelo e barba que precisam de ser cuidados não apenas para promover um estado de conforto e bem-estar ao doente mas também porque o enfermeiro sente satisfação por realizar algo que contribui para manter a dignidade do doente.

“As pessoas devem ter dignidade perante a situação (…) O nosso papel pode ser esse, proporcionar essa dignidade” (EFJ 545-550).

O fazer a barba é assegurado pela organização hospitalar que providencia a ida de um funcionário ao serviço, em dias alternados ou de dois em dois dias. Contudo, se houver necessidade e o enfermeiro tiver tempo, ele ou um colega mais competente realizam o cuidado.

A aparência corporal é a resposta do actor ao caracterizar-se para aparecer em cena, pela forma como se apresenta e como representa a sua personagem. A aparência respeita assim o arranjo do vestuário, o modo como se penteia e prepara a cara, como cuida do seu corpo, de como se mostra aos outros através de um estilo que marca a sua presença; respeita o que Le Breton designa por o corpo do bem parecer (2004; 2005).

Socialmente espera-se que este corpo se apresente limpo, sem cheiros, penteado e com uma aparência cuidada. Collière (2003) chama a estes cuidados os “cuidados do parecer” salientando a sua importância para a manutenção da imagem de si e da auto- estima. Sendo cuidados considerados importantes para manter a dignidade da pessoa os cuidados da aparência não são considerados prioritários nem realizados por todos os enfermeiros. A investigação mostra que a manutenção de uma aparência respeitável é um dos dez temas mais relatados como promotor da dignidade da pessoa (Gallagher [et al], 2008).

A preservação da integridade é uma condição chave para um cuidado individualizado que se concretiza no cuidar os doentes com respeito, possibilitar-lhes o controlo dos seus assuntos e responder às suas necessidades, atendendo aos seus hábitos e valores (Teeri [et al], 2008). A integridade da pessoa é um conceito complexo, multidimensional, que se refere ao todo da pessoa, a um estado de completude, de integridade pessoal e moral (Widäng e Fridlund, 2003). A integridade implica que a pessoa tenha o controlo da sua vida, donde integridade, autonomia e privacidade estarem intimamente relacionadas (Teeri [et al], 2008; Widäng e Fridlund, 2003). Ela está também associada ao respeito da dignidade humana e da confidencialidade como refere Teeri [et al] (2007). Os enfermeiros ao desenvolverem um cuidado que vai ao encontro das necessidades, desejos e hábitos dos doentes, ajustando-o assim à sua história de vida; que restitui o sentimento de controlo sobre o seu corpo, mantendo e desenvolvendo as capacidades de adaptação às situações; que expressa o respeito por aquilo que o doente é e o torna diferente dos outros, com os seus limites e capacidades; que fala pelo doente quando este não é capaz de se expressar; estão a prestar um cuidado que, segundo os estudos de Andergerg [et al] (2007) e Yalden e McCormack

(2010), preserva a dignidade dos doentes, demonstrando uma capacidade para