• Nenhum resultado encontrado

Organização do trabalho docente na Escola Arco-íris – aspectos gerais

analisar como eles condicionam o trabalho docente, pois são pólos estruturantes do trabalho do professor. As formas de trabalho, a autonomia ou falta dela, as cargas horárias e o isolamento são aspectos que dependem ou estão estreitamente condicionados às lógicas em que se estruturam os conhecimentos, os conteúdos, as matérias e as disciplinas nos currículos. (ARROYO, 2008). A organização do trabalho das professoras da Escola Arco-íris conecta-se com os princípios da Escola Plural, mas vem se reconfigurando face à redefinição da função da escola e à implementação das Proposições Curriculares. Neste sentido, defende-se o trabalho coletivo, a organização por agrupamentos e a permanência da professora ao longo do ciclo, mas estes princípios são permanentemente confrontados pela lógica da escola, que, para além da função de ensinar, assume outros tantos papéis, como a promoção da saúde e do lazer, a divulgação da cultura, o atendimento às necessidades especiais de aprendizagem e assistência social.

Na Escola Arco-íris, o professor pode assumir diversas funções (coordenação, direção, secretaria) ou pode atuar em Projetos e Programas promovidos pela rede (Escola Integrada, Programa de Intervenção Pedagógica, Floração, Entrelaçando). Neste tópico, no entanto, me deterei na organização do trabalho das docentes que atuam no 1º ciclo de formação humana.

As professoras do 1º ciclo são responsáveis pela alfabetização das crianças na faixa etária de 6 a 8/9 anos. Quando estão fora da sala de aula, as docentes ocupam boa parte do tempo selecionando, escolhendo e organizando atividades para o ensino dos conteúdos trabalhados ou corrigindo exercícios. Em tempos de provas as ocupações aumentam, pois, além de elaborá-las e corrigi-las, é preciso registrar os resultados dos alunos em boletins e nos diários dentro da data programada. Em períodos de avaliação externa, as professoras aplicam as provas e em alguns casos corrigem e registram os resultados em instrumentos pré-definidos pelos órgãos demandantes – geralmente formulários impressos ou disponíveis na internet.

O ano letivo da rede é dividido em três trimestres, que funcionam como marcadores do tempo escolar. O primeiro trimestre compreende os meses de fevereiro, março, abril/maio; o segundo, os meses de maio, junho, julho e agosto; o terceiro, os meses de setembro, outubro, novembro/dezembro.62 Em torno desses trimestres as docentes organizam suas práticas, definindo o que será trabalhado em sala, o período de avaliações, de recuperações e de retorno às famílias sobre o desempenho do aluno.

O Projeto Político-Pedagógico da Escola Arco-íris defende a organização por agrupamentos, termo utilizado para identificar o grupo de professoras de cada idade de formação. Assim, as professoras que atuam no 1º ano são identificadas como “agrupamento de 6 anos”, enquanto quem atua no 2º ano faz parte do “agrupamento de 7 anos” e, no 3º, do “agrupamento de 8 anos”. Cada agrupamento possui três turmas e quatro professoras, identificadas como Referência 1 (R1) e Referência 2 (R2).63 A professora R1 tem sua carga horária concentrada em apenas uma turma, ao contrário da professora R2, cuja carga horária se divide entre as três turmas. Desta forma, os agrupamentos decidem coletivamente quais serão as disciplinas a serem trabalhadas pelas professoras R1 e R2, decisões que envolvem aspectos pedagógicos que serão tratados adiante. A distribuição da carga horária procura garantir semanalmente uma hora de reunião para o agrupamento e quatro horas de planejamento para cada professora. Para o trabalho em sala de aula, são destinadas no mínimo quinze horas semanais a cada docente.

A organização por agrupamentos é um ponto muito destacado pelas docentes como facilitador para o trabalho desenvolvido nas turmas. A possibilidade de conversar com os pares, receber ajuda e falar da turma é um grande diferencial para as professoras. O que difere esta organização de outras é o fato de que há aqui um corpo docente para cada ano do ciclo, que pensa e discute as iniciativas para aquele ano, ao contrário de outras propostas, onde há uma professora referência e outros “especialistas” que acompanham várias turmas com uma matéria específica (geralmente Arte e Educação Física). Para as professoras novatas na rede (e às

62 Nota-

se que o termo “trimestre” não é utilizado no seu sentido literal (três meses), mas sim para identificar intervalos do ano letivo.

63 Esta é uma organização da própria escola, cuja equipe optou em ter duas coordenadoras no turno.

A escola poderia, por exemplo, organizar a equipe docente em trios para trabalhar com duas turmas e ter apenas uma pessoa na coordenação.

vezes na carreira), a organização por agrupamento se constitui em apoio pedagógico significativo.

A gente não se sente isolado. Como eu estou no início do meu magistério, da minha docência, então eu sentia muitas dificuldades, muitas dúvidas e não tinha a quem recorrer. [...] Então não havia aquele tempo de dialogar com os meus pares [referindo-se a experiência em outras escolas]. Essa questão do agrupamento, do sentar juntos, por exemplo, nas sextas-feiras tem as oficinas e as quatro professoras se reúnem para poder observar, avaliar “como é que está esse aluno, como é que está andando os conteúdos?” Então eu achei isso muito interessante, proveitoso. Principalmente no meu caso. Eu achei maravilhoso! (Carolina, professora da classe de 8 anos).

Olha, facilidade é a questão do trabalho em equipe. Porque aqui são três turmas do primeiro ano então todos os professores do primeiro ano trabalham junto. É o meu grupo. Então isso facilita bastante, porque as discussões são em grupo, as discussões são feitas e as dificuldades são expostas no grupo; os planejamentos, algumas atividades são planejadas com o grupo. Isso facilitou bastante. (Maria, professora da classe de 6 anos).

É bom porque você vai tendo visões diferentes igual, por exemplo, eu vou nas três salas, às vezes um aluno dá um problema, tem certa dificuldade comigo e que não dá com fulano então a gente acaba entrando num acordo de como trabalhar com aquele aluno e, às vezes, tem resultado. De formas diferentes a gente tem resultado. (Manuela, professora da classe de 8 anos).

Pelo menos uma vez por semana os agrupamentos se reúnem para conversarem sobre o andamento das turmas, as práticas realizadas e deliberarem sobre aspectos organizativos da escola, como organização do trimestre, avaliação, troca de materiais e experiências bem (ou mal) sucedidas.64

Cada agrupamento possui uma organização própria no que diz respeito à distribuição das disciplinas entre as docentes. No agrupamento de 6 anos, Maria, Mariana, Paula e Ruth optaram por concentrar as disciplinas de Português e Matemática com as professoras referência 1 (R1), distribuindo as demais disciplinas de acordo com suas preferências. Nesta distribuição, História e Geografia também ficaram com a professora R1, enquanto Ciências, Educação Física e Artes, com a professora R2. Na opinião de Mariana, a disciplina de Ciências também deveria ficar com a professora R1, para não separar demais as disciplinas. Como a professora R2 tem menos tempo na sala de aula, poderia assumir Arte e Educação Física, que são interligadas, na opinião da professora.

64 Para garantir esses encontros, as docentes de outros agrupamentos substituem as professoras em

No agrupamento de 7 anos, Camila, Cristina, Cláudia e Mônica combinaram que a professora R1 assumiria as disciplinas de Português, Matemática, Ciências, Arte e Educação Física, enquanto a professora R2 (Mônica) leciona História e Geografia. Neste grupo, a distribuição levou em conta a pouca experiência de Mônica na docência, propondo-lhe que trabalhasse com apenas duas disciplinas nas três turmas, de acordo com sua escolha, exceto Português e Matemática. Essas disciplinas, cujo nível de cobrança é maior, deveriam ficar com as professoras R1, que são mais experientes.

Porque devido ao fato de eu não ter experiência a gente chegou a essa conclusão de que poderia ser melhor eu passar nas três turmas do agrupamento do que assumir uma turma. Até mesmo porque eu cheguei aqui em dezembro do ano passado então já estava praticamente definido quem que iria assumir as turmas. (Mônica, professora da classe de 7 anos). No agrupamento de 8 anos, as professoras R1 (Violeta, Alessandra, Carolina) assumiram Português, Geografia, História, Ciências, Artes e Educação Física, enquanto a R2 (Manuela) ficou com Matemática. Neste grupo, o fator desempenho dos alunos pesou na distribuição das disciplinas. A direção e coordenação já vinham discutindo com o ciclo a necessidade de melhorar o desempenho dos alunos em Matemática, e o grupo achou melhor que a disciplina ficasse nas mãos de uma única professora, para que ela pudesse concentrar esforços no ensino. No entanto, essa intenção vai de encontro à própria organização do tempo no segundo turno: a professora Manuela tem cinco horas/aula em cada turma, lecionando uma hora por dia, mas considera que o tempo é insuficiente para a realização de um trabalho consistente, pois, até que chegue na sala e organize a turma, para então iniciar as atividades, um quarto do tempo de aula já foi perdido. Sendo o ritmo dos alunos diferenciado, alguns não conseguem realizar a atividade nos três quartos do tempo restante. Além disso, a professora argumenta que essa hora é divida com outras situações, pois gasta um pouco do 1º horário com a entrada dos alunos, um pouco do 2º horário com a merenda, um pouco do 3º horário com a organização do pós- recreio, havendo ainda as situações imprevisíveis. Por isso, Manuela não acha uma boa ideia a Matemática ficar com a professora referência 2, pois este “é um conteúdo importante” e o tempo disponível em cada sala é muito curto.

O agrupamento de 8 anos trabalha com o último ano do ciclo, quando se espera que os alunos tenham desenvolvido todas as capacidades propostas para o

ciclo. Por essa razão e em função do tempo escasso para se acompanhar de perto todas as turmas, observei que o 3º ano recebe maiores intervenções da coordenação e da SMED, visando reduzir o número de alunos que não desenvolveram as capacidades previstas e, consequentemente, o número de retenções. As crianças destas turmas que apresentam baixo rendimento têm prioridade de atendimento no Programa de Intervenção Pedagógica.

Os critérios construídos para a distribuição de disciplinas são permeados por aspectos citados por Sacristán (2000), os quais se relacionam com os significados atribuídos aos conteúdos curriculares, com as concepções epistemológicas, com as dimensões atribuídas ao conhecimento e com a estrutura social do trabalho docente. No entanto, são permeados também pela preocupação com os resultados nas avaliações externas, deixando nas mãos das professoras referências e daquelas mais experientes o trabalho com as disciplinas de Português e Matemática. Entre a necessidade de fortalecer o ensino das “disciplinas mais cobradas” e o reconhecimento de que é preciso trabalhar as demais disciplinas, as docentes manifestam a preocupação em realizar um trabalho interdisciplinar, esforçando-se para fazerem os conteúdos das disciplinas dialogarem.

Uma orientação da SMED que também é defendida na escola é de que as professoras permaneçam com a turma ao longo do ciclo. Desta forma, a professora poderia acompanhar o desenvolvimento da criança durante todo o ciclo de formação humana, conhecendo suas dificuldades e potencialidades, estreitando laços afetivos e otimizando a prática pedagógica no início de cada ano letivo. No entanto, vários fatores impedem a concretização desta orientação. A coordenadora Esmeralda relaciona alguns deles: a rotatividade de professores no ciclo, a desistência do professor em relação à turma por questões de indisciplina, licenças médicas. Além disso, observei que a designação de alguns professores para os Projetos e Programas inseridos na escola também causam uma movimentação no ciclo, bem como o exercício das funções de coordenação e direção.

Observou-se ao longo da pesquisa uma relação de respeito entre a equipe, gerando uma disposição pedagógica positiva entre os pares. Em termos gerais, as docentes referem-se umas às outras como um grupo que trabalha, interessado, comprometido e parceiro. A postura aberta da direção e o interesse em deixar a equipe a par das orientações da SMED e dos encaminhamentos pedagógicos, bem como em discuti-los coletivamente, também é um ponto que fortalece a disposição

das professoras. Para Paula, “a integração, a parceria, o desejo de ajudar, de estar junto”, é uma característica da equipe da escola. (Informação verbal)65

Em síntese, observou-se que a organização do trabalho docente na escola e as relações interpessoais entre a equipe favorecem bastante o encaminhamento das práticas pedagógicas, a concretização das propostas feitas pela equipe gestora e a implementação das Proposições Curriculares. Evidentemente, desafios e conflitos se fazem presentes nas relações do grupo. No entanto, o que se destaca é a expectativa positiva manifestada pelas docentes em relação às colegas e à escola, aspecto que considero importante para o bom desenvolvimento das práticas pedagógicas.

7.3 As professoras e o texto curricular oficial – contatos, interpretações,