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Proposições Curriculares – para além do discurso local

5.5 O docente do 1º ciclo de formação humana

6.1.1 Proposições Curriculares – para além do discurso local

Em 2007, iniciou-se a elaboração das Proposições Curriculares para o Ensino Fundamental, buscando oferecer uma resposta às queixas dos docentes sobre a ausência de diretrizes curriculares. Essa resposta veio na forma de um currículo que definia as capacidades a serem desenvolvidas pelos alunos durante essa etapa do ensino. Torna-se evidente uma mudança de perspectiva na orientação curricular da rede municipal de Belo Horizonte, levando, de acordo com os dados coletados, muitos educadores a desvincularem as Proposições Curriculares da Proposta Escola Plural. Se até então as escolas gozavam de ampla autonomia para construir seus Projetos Político-Pedagógicos, selecionando seus conteúdos e definindo objetivos adequados à realidade na qual estavam inseridas, as Proposições Curriculares para cada ano de cada ciclo de formação humana tornaram-se, neste momento, o fundamento dos referidos projetos.

Segundo Sacristán (2000, p. 7), “o currículo não pode ser entendido à margem do contexto no qual se configura e tampouco independente das condições em que se desenvolve; é um objeto social e histórico [...]”. Situando as Proposições Curriculares nos contextos histórico, social e político, podemos observar que este documento é produzido quando se faz presente no sistema educacional uma série de reformas orientadas pelo que é chamado de cultura do desempenho. Esta cultura

orienta-se por critérios do setor empresarial, considerado eficiente, e caracteriza-se pela permanente avaliação do desempenho de pessoas e instituições, fundamentando-se na ideia de que os sistemas burocráticos do governo são ineficientes. (SANTOS, 2004). O discurso sobre a crise de ineficácia do sistema educacional se insere em um conjunto de ações implementadas no contexto de reestruturação do Estado brasileiro, o qual vem definindo suas políticas públicas tendo em vista as recomendações de organizações internacionais, que insistem na necessidade de se superar o desencontro entre o sistema educacional e o mercado de trabalho. (COELHO, 2008). Podemos então situar a elaboração das Proposições em um processo de regulação das instâncias administrativas, que buscam a qualidade educacional centrando-se em reformas curriculares. Nesse cenário, é preciso indagar se as Proposições Curriculares foram elaboradas para melhorar o desempenho da rede, nos marcos das propostas orientadas por novas formas de gerenciamento e controle, ou de acordo com os ideais de educadores críticos.

Desde o início da década de 1990, têm sido produzidos no Brasil dados educacionais em quantidade significativa, por meio de iniciativas como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Censo Escolar e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). (ALVES; FRANCO, 2008). Os dados do SAEB, por exemplo, têm revelado os baixos índices de desempenho acadêmico dos alunos, colocando em questão a qualidade do ensino ministrado nas escolas. Os resultados causaram certa inquietação nas autoridades educacionais, que passaram a empreender reformulações curriculares com o objetivo de intervir nas práticas educativas das escolas.

Quando a SMED discutiu a elaboração das Proposições Curriculares, as escolas da rede Municipal de Belo Horizonte vinham apresentando resultados aquém do esperado, conforme apontavam os seguintes sistemas de avaliação:

1. Prova Brasil (governo federal): provas de Língua Portuguesa e Matemática aplicadas na rede desde 2005 para alunos de 5º e 9º ano; 2. Programa de Avaliação da Alfabetização – Proalfa (governo estadual):

aplicado na rede desde 2006, para alunos do 3º e 4º ano do Ensino Fundamental;

3. Programa de Avaliação da Educação Básica – Proeb (governo estadual): provas de Língua Portuguesa e Matemática aplicadas na rede desde 2006, para alunos do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental.

Em 2005, com o resultado da primeira Prova Brasil, Belo Horizonte apresenta um índice de 4,6 nas turmas de 5º ano e 3,8 nas turmas de 9º ano – índices que decresceram em 2007 para 4,4 e 3,4, respectivamente.45 O baixo desempenho da rede municipal evidenciado nos resultados desta prova em ambos os anos desencadeia no interior da Secretaria Municipal de Educação um debate sobre a necessidade de elaboração de um currículo, havendo grupos favoráveis e grupos que apresentavam discordâncias. O fato é que, no Brasil, a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais no final da década de 1990 havia sido alvo de duras críticas pelos acadêmicos de diferentes áreas da educação, pois alegava-se que tal documento refletia uma visão universalista da educação de caráter homogeneizador em um país de grandes diferenças culturais. Criticava-se o fato de tal documento ir contra a autonomia das escolas e dos professores, além de poder vir a ser um instrumento para adoção de um sistema de avaliação que levaria ao “ranqueamento” das escolas e, consequentemente, à criação de um clima de competição entre elas – o que de fato ocorreu mais tarde. É claro que esse discurso repercutiu naqueles que integravam a equipe técnica da SMED e nos professores da rede.46

Chegou-se a um consenso no interior da Secretaria sobre a elaboração de diretrizes curriculares em uma proposta mais aberta, com indicação apenas das capacidades a serem alcançadas. Houve também discordância quanto a se as capacidades seriam definidas para todo um ciclo de aprendizagem ou para cada ano do ciclo. Depois de debates internos, ficou estabelecido que seriam definidas as capacidades por disciplina e por ano de cada ciclo. Torna-se, então, necessária a legitimação da proposta. Neste sentido, abre-se uma discussão junto à rede, nos dias 31 de janeiro e 1 de fevereiro de 2007, em um encontro promovido pela SMED entre educadores da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos, onde se aprovou a elaboração da proposta curricular.

Dois fatores se conjugaram levando à produção das Proposições Curriculares: de um lado, as queixas constantes dos professores da rede junto à Secretaria Municipal de Educação de que precisavam de orientações mais claras

45 Em 2009 o IDEB da rede apresentou uma melhora: 5.3 para as turmas de 5º ano e 3.8 para as

turmas do 9º ano, alcançando as metas projetadas. Em 2011, os valores foram de 5.6 e 4.5, respectivamente.

46 É importante lembrar que muitos professores e técnicos da rede municipal mantêm um estreito

vínculo com acadêmicos da Faculdade de Educação da UFMG, por terem realizado graduação, mestrado ou doutorado nesta instituição.

sobre os conteúdos a serem trabalhados ao longo do Ensino Fundamental; de outro, os baixos resultados na avaliação sistêmica, que indicavam a necessidade de ações no sentido de melhorar a qualidade da educação. A tradição da autonomia das escolas estabelecida pela Proposta Escola Plural e as convicções acadêmicas a esse respeito foram fundamentais para a decisão de se elaborar um documento contendo apenas as capacidades a serem alcançadas pelos alunos, sem definição de conteúdos e de atividades, o que tornaria esse documento muito diretivo.

Em síntese, verifica-se que as proposições foram publicadas e vêm se consolidando em meio a discursos diversos sobre a qualidade do ensino, sobre o efeito das políticas curriculares para a eficácia dos sistemas educativos e sobre o trabalho do professor frente à exigência de uma educação de qualidade para todos. A Proposta Escola Plural foi alvo de críticas nos meios de comunicação, devido à relação direta que esses meios estabeleciam entre a Escola Plural e o desempenho insatisfatório nas avaliações externas dos alunos matriculados na rede municipal. Esse discurso foi utilizado, inclusive, nas campanhas para as eleições municipais de 2008 e 2012. É interessante observar a centralidade que a proposta ganha nessas críticas, como se a baixa qualidade da educação estivesse relacionada à Escola Plural e a seus princípios, e não a um deficit histórico na educação da sociedade brasileira.47

6.2 Contexto de produção do texto político – elaborando as proposições