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2.3 CULTURA ORGANIZACIONAL

2.3.2 ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL

Souza Pires e Macêdo (2006), ao analisarem as organizações públicas no Brasil, fizeram uma síntese das abordagens sobre cultura nas organizações, distinguindo-as em três tipos:

a. visão gerencial, caracterizando a cultura organizacional como possível de ser manipulada pelos dirigentes da organização de acordo com seus planos estratégicos; b. visão antropológica sistêmica fechada, onde “a cultura pode ser vista como um

sistema de idéias, significações ou conhecimento encontrados em toda a sociedade” (SOUZA PIRES; MACÊDO, 2006, p.89), mas a organização é vista como um sistema fechado, sem considerar o contexto externo;

c. na visão antropológica sistêmica aberta, onde é analisada a cultura organizacional inserida em um contexto global.

Souza Pires e Macêdo (2006) destacaram a luta política, no contexto institucional, entre as transformações e inovações do mundo contemporâneo e a burocracia arraigada em seu interior. Defenderam que a abordagem antropológica aberta, tendo Hofstede como uma referência, mostra-se mais abrangente, levando-os a optarem por esse enfoque no estudo mencionado. Para Hofstede (1981), o ambiente cultural pode ser comparado à personalidade para o indivíduo, no sentido de que distingue uma coletividade de outra e afeta as organizações de quatro formas: na distribuição do poder, nos valores da elite dominante, nos valores dos membros da organização e no ambiente externo. Para o autor,

A estrutura e o funcionamento das organizações são determinados não apenas pela racionalidade, ou, se o são, pela racionalidade que varia de acordo com o ambiente cultural. A tecnologia contribui para a formação das organizações, mas é insuficiente para explicar como elas funcionam. (HOFSTEDE, 1981, p.27, tradução nossa)

Apreciando outros três estudos sobre as diferenças culturais entre os estados brasileiros, utilizando as dimensões transnacionais de Hofstede (a partir do Values Survey

Module), Hofstede et al. (2010) encontraram evidências de uma cultura nacional comum: “os estados do Brasil eram muito mais parecidos entre si do que com os países da América Latina, e muito menos com os países do mundo” (HOFSTEDE et al., 2010, p. 347, tradução do autor deste trabalho). Foram citadas caracteríticas culturais, como a sociabilidade, hospitalidade, a coexistência de tendências individualistas e relacionais tanto na classe baixa quanto na alta, assim como uma característica brasileira de agir, conhecida como “jeitinho brasileiro”, a qual, segundo os autores, é “uma regra para a mudança de regras” (HOFSTEDE et al., 2010, p. 349, tradução do autor deste trabalho).

Souza Pires e Macêdo (2006), ao seguir a abordagem antropológica aberta em que a cultura é um elemento importante no modo como atuam as organizações, resgataram a história brasileira, partindo da origem do estado brasileiro, com um modelo patrimonialista, passando para um estado intervencionista e, no período dos governos autoritários, tendo o modelo organizacional caracterizando-se por uma “centralização de um complexo aparelho burocrático.” (SOUZA PIRES; MACÊDO, 2006, p.94). Isso gerou um modelo organizacional com características burocráticas, hierarquizadas e paternalistas nas relações e no apego ao poder, tornando-as um grande empecilho para a implantação de inovações tecnológicas, pois elas, em geral, são processos longos que requerem um tempo de desenvolvimento e aperfeiçoamento, dificilmente, restringindo-se a um único mandato governamental (SOUZA PIRES; MACÊDO, 2006, p.98).

Portanto, o modelo histórico constitutivo das organizações públicas brasileiras não apresenta condições favoráveis à implementação de uma cultura organizacional inclusiva. A formação de lideranças que possam garantir a efetividade do processo, a recompensa às ações que possam estar compatíveis com uma cultura inclusiva e as avaliações do trabalho, que são muito mais relativas ao processo do que, propriamente, aos resultados, não parecem ser de fácil implementação no serviço público brasileiro. Souza Pires e Macêdo (2006) esclarecem que essas tipificações das organizações públicas brasileiras são traços e características gerais genéricas e que podem não ser a realidade de todas as organizações públicas brasileiras, muitas das quais com gestões profissionais ou altos investimentos em tecnologia.

Musse et al. (2015), ao proporem uma reestruturação organizacional do Centro de Processamento de Dados da UFRGS e fazer uma revisão nos processos e serviços executados por esse órgão, tiveram que criar um clima favorável a mudanças, pois houve, em especial nos servidores mais antigos, uma “aversão natural por novas idéias e tecnologias.” (MUSSE et al., 2015, p.314). Tal experiência levou a colocarem que,

Instituições públicas são consideradas ambientes não propícios para mudanças, devido à estabilidade de seus colaboradores e o baixo grau de exigência de nível de serviço. O projeto apresentado mostra-se que, criadas as condições favoráveis, é possível realizar mudanças, mobilizar as pessoas e qualificar o trabalho desenvolvido. (MUSSE et al., 2015, p.319).

No caso do presente estudo, tratou-se de uma organização de ensino superior, prestadora de serviços na área da educação superior, em que o conhecimento é a razão de sua existência. Nesse sentido, uma diversidade de ideias, de opiniões e de desejos não só é interessante do ponto de vista social, mas desejável do ponto de vista técnico, pois pressupõe novas formas de fazer e dar soluções aos desafios que surgirem. Somada a esse fator, existe a perspectiva da gestão da UFRGS como um dos seus pilares: uma universidade voltada à inovação17. Novamente, ao se rever os estudos apresentados anteriormente, a inovação pode

ser um dos grandes diferenciais gerados quando se opta por uma organização em que todos os pensares são respeitados e são somados em prol de um resultado.

Com referência ao fato da universidade ser uma prestadora de serviços, retoma-se Offe (2009), que analisou o trabalho prestado em serviços, diferentemente do trabalho em produtos, não existindo uma forma clara de se medir a eficiência econômica, afirmando que “a produção de serviços ocorre fora do modelo institucional do trabalho assalariado formal e contratual” (OFFE, 2010, p.10). Nesse sentido, Offe fez uma análise interessante para ser pensada em termos de organismos públicos prestadores de serviços, propondo que,

No que diz respeito à racionalidade técnica do trabalho em serviços, sua não- padronização deve ser aceita e substituída por qualidades como competência interativa, consciência da responsabilidade, empatia e experiência prática adquirida. (OFFE, 2010, p.11)

Em suma, neste percurso teórico, algumas questões foram trazidas para a reflexão tanto em termos conceituais como em termos de procedimentos e instrumentalização. Ao vislumbrar mais além, na implementação de uma cultura organizacional inclusiva, essas condições são carregadas de subjetividade e de compromisso ético para que o processo de inclusão não seja um percurso legalista, de pura adaptação às condições “ofertadas” pela organização, mas um processo de reorganização interna, baseado na participação e na capacidade de se ver a pluralidade, a diversidade de condições, de competências e potencialidades.

17 O Salão UFRGS, por exemplo, ocorre anualmente e é um espaço onde são apresentadas produções acadêmicas na extensão, na pesquisa e no ensino. Seu tema em 2017 foi “Vozes Diversas Diferentes Saberes”. Em seu logotipo, vinham três palavras chaves: Conhecimento, Formação, Inovação.