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Orientações sociais e fruição musical

No documento Gostos e disposições musicais (páginas 164-170)

Uma das questões colocadas no âmbito da discussão teórica sobre as disposições musicais (cf. capítulo 1) consiste em saber se as orientações

sociais se relacionam com as preferências musicais.

Antes de se avançar na análise da capacidade estruturante das orientações

sociais nos gostos e disposições musicais dos entrevistados, importa

clarificar algumas questões ocorrentes na aplicação das perguntas que estão na base da aferição das orientações sociais destas pessoas.

Convém referir que foi solicitada a leitura de quatro afirmações para escolha de duas, sem que, à partida, houvesse interferência do entrevistador na leitura das mesmas5.

Um problema prévio diz respeito às dificuldades de interpretação das frases propostas (cf. nota 5) por parte de alguns entrevistados, dificuldades aparentemente associáveis ao seu baixo nível de escolaridade. Os vários pedidos de esclarecimento solicitados a propósito das frases propostas revelam alguma confusão na sua interpretação, verificando-se alguma indecisão nas opções por uma ou por outra nas duas alternativas propostas. Não se trata de um problema teórico, mas antes de um problema metodológico na operacionalização no conceito, por não haver a certeza que as frases sejam entendidas da mesma maneira pelas diferentes pessoas, até mesmo em função do seu estrato social. Por tudo isto, a fiabilidade das respostas poderá suscitar algumas dúvidas.

Seja como for, o Quadro 7 apresenta a distribuição dos entrevistados pelas

orientações sociais, verificando-se uma clara predominância de orientações

5 No que respeita à orientação relativa à desigualdade social, foi solicitado aos entrevistados a escolha de uma das seguintes afirmações: “É certo que existirão sempre desigualdades sociais, mas vale a pena fazer algum esforço para que elas diminuam” ou “É certo que existirão sempre desigualdades sociais porque elas são inevitáveis”.

Relativamente à orientação da ação, foi solicitado aos entrevistados a escolha de uma das seguintes afirmações: “A posição social de cada um depende sobretudo de ter objetivos na vida e de se esforçar por os atingir” ou “Por mais que façamos, a nossa posição social depende sobretudo de coisas que não controlamos”.

igualitárias pró-ativas, o que, de certa forma, vem ao encontro dos

resultados obtidos por Casanova (2004) com base numa amostra representativa da população portuguesa.

Quadro 7 Distribuição dos entrevistados por orientações sociais

Orientação social Fi %

Igualitária pró-ativa 39 78

Não igualitária pró-ativa 1 2

Igualitária não pró-ativa 3 6

Não igualitária e não pró-

ativa 7 14

N-50

Fonte: Própria

Tal como na amostra de Casanova também nos presentes resultados as

orientações sociais mostram variações estatísticas muito semelhantes nos

indicadores de posição social considerados, com exceção do género que não discrimina as orientações sociais dos entrevistados, predominando a orientação igualitária pró-ativa nos homens e nas mulheres.

Os entrevistados com idades até aos sessenta e quatro anos são maioritariamente igualitários pró-ativos, e os mais velhos, com idades iguais ou superiores aos sessenta e cinco anos estão em maior percentagem na orientação não igualitária e não pró-ativa.

Também no que respeita à escolaridade, independentemente do nível de escolaridade é sempre maior a percentagem dos igualitários pró-ativos, contudo, importa referir que dos entrevistados com ensino superior apenas um tem orientação social igualitária não pró-ativa e os restantes são

não pró-ativos.

Verifica-se também que a orientação igualitária pró-ativa predomina em todas em todas a classes sociais. Ainda assim, importa frisar, por um lado, que a grande percentagem dos entrevistados pertencentes à pequena burguesia intelectual e cientifica e à pequena burguesia técnica e de enquadramento intermédio são igualitários pró-ativos, e por outro lado que a grande percentagem daqueles que têm orientação social não igualitária e

não pró-ativa são provenientes da classe social dos operários.

Os entrevistados com orientação social igualitária pró-ativa são bastante heterogéneos no que respeita às suas características sociais, o que vem ao encontro das constatações de Casanova quando refere que este tipo de orientação social se caracteriza pela sua transversalidade social.

Os entrevistados com orientação social igualitária pró-ativa caracterizam- se também pela sua heterogeneidade no que respeita às suas disposições musicais, uma vez que se associam a uma pluralidade de práticas, valores e representações sobre o espectro musical.

A análise dos discursos proferidos pelos entrevistados com orientação social

igualitária pró-ativa não permite identificar tendências significativas no

que respeita à relação destas pessoas com a música, uma vez que se trata de um grupo onde existem músicos e ouvintes, pessoas que aprenderam música em diversos contextos de aprendizagem e pessoas que não frequentaram o ensino musical, fruidores musicais em contextos diversos e com diferentes intensidades, bem como, pessoas com gostos por géneros musicais muito diversificados que vão desde o gosto por estilos mais eruditos até ao gosto por estilos musicais mais populares ou tradicionais, como é o caso do cante alentejano.

Os entrevistados com orientação social não igualitária e não pró-ativa formam a segunda orientação mais representada na amostra (sete entrevistados). São maioritariamente homens, com idades mais avançadas,

com baixos níveis de escolaridade (apenas um caso com ensino superior), pertencentes sobretudo à classe social dos operários.

As características sociais encontradas neste grupo também se podem considerar, em parte, coincidentes com aquelas com que Casanova caracterizou este tipo de orientação social, quando refere que os principais traços sociais estruturantes das orientações não igualitárias e não pró-

ativas sobressaem em faixas etárias mais avançadas, naqueles que apenas

sabem ler e escrever ou nos operários menos qualificados dos setores secundário e primário.

Trata-se de um grupo relativamente homogéneo no que respeita às suas disposições musicais. A maioria tem uma relação menos próxima com a música, são ouvintes pouco regulares e apenas dois se dedicam à produção musical como músicos amadores. Os gostos musicais destas pessoas assentam sobretudo na música ligeira e popular portuguesa, e os eventos musicais que preferem frequentar são as chamadas festas populares.

Os três entrevistados igualitários não pró-ativos não se podem considerar homogéneos no que respeita às suas características sociais. Embora sejam todos homens, têm idades diferentes (dezanove, cinquenta e um, e sessenta e três anos), níveis de escolaridade diferentes (um doutorado, um estudante no 12º ano, e outro com o 6º ano), e posições sociais também diferentes (uma pertença à pequena burguesia intelectual e cientifica, uma aos empresários, dirigentes e profissionais liberais, e outra aos empregados executantes).

Neste caso, as características sociais destas pessoas não são de todo coincidentes com as características referidas por Casanova para este tipo de orientação social, que associa a estruturação da orientação igualitária não pró-activa fundamentalmente a posições sociais menos dotadas de recursos.

igualitários não pró-ativos revelam-se um grupo muito homogéneo. São

todos músicos, um profissional e dois amadores, consideram-se consumidores assíduos de música, frequentadores assíduos de eventos musicais, principalmente concertos, e os seus gostos musicais recaem especialmente na música erudita. Trata-se sobretudo de pessoas cuja presença da música no seu quotidiano e contexto familiar é significativa. O único entrevistado com orientação social não igualitária pró-ativa, trata- se de um jovem com dezanove anos, filho de pais operários, que abandonou o ensino escolar após concluir o 9º ano, o que, de certa forma, confirma as constatações de Casanova quando refere que as orientações

não igualitárias pró-ativas se estruturam principalmente nos jovens.

É um ouvinte assíduo de música comercial, frequentador ocasional de festivais de música, e a audição musical está muito presente no seu quotidiano.

A distribuição dos tipos anteriormente apresentadas torna difícil verificar variações estatisticamente significativas introduzidas pelas diferentes

orientações sociais, quer seja ao nível das variáveis sociográficas, quer seja

ao nível das restantes variáveis associadas ao campo musical, o que torna difícil de perceber a capacidade estruturante destas orientações sociais nos gostos e disposições musicais dos entrevistados.

Contudo, como atrás se revelou, subsistem algumas tendências que importa não elidir, e que indiciam alguma relação entre as diferentes orientações

sociais e gostos musicais e modos de fruição musical distintos.

Assim, a orientação igualitária pró-ativa associa-se a pessoas com gostos e modos de fruição musical diversos, ou seja, a disposições musicais muito heterogéneas.

A orientação social não igualitária pró-ativa associa-se ao gosto pela música comercial e a disposições musicais de média intensidade uma vez que, embora não se trate de um músico é um ouvinte e fruidor musical

muito assíduo.

A orientação igualitária não pró-ativa associa-se a gostos musicais menos populares, nomeadamente à música erudita, e a disposições musicais mais intensas, uma vez que se tratam de músicos que são consumidores assíduos de música.

Por último, a orientação não igualitária e não pró-ativa associa-se a gostos musicais mais populares, e a disposições musicais que se podem considerar de intensidade mais fraca, consubstanciadas por relações menos próximas com a música.

7.

Disposições

Musicais:

Intensidade,

Durabilidade,

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