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Performances Musicais

No documento Gostos e disposições musicais (páginas 99-106)

3. Competências e Contextos de Fruição Musical

3.3. Performances Musicais

desenvolvimento de uma determinada performance musical. Para vinte e oito dos trinta e quatro entrevistados que frequentaram o ensino musical, essa aprendizagem tornou-os praticantes de música. O facto de terem aprendido música, não só promoveu a produção e criação musical (tocar um instrumento), como alterou determinantemente os próprios contextos de fruição musical, bem como práticas, valores e representações associadas ao espaço musical, ou seja, alterou significativamente a relação destas pessoas com a música.

A aprendizagem musical é assim o fator determinante da maior clivagem que se verifica no contexto dos fruidores musicais, e que respeita à separação entre aqueles que são simplesmente amantes de música, isto é, consumidores, e aqueles que são simultaneamente amantes e praticantes e música, ou seja, criadores e produtores musicais.

Esta clivagem foi, justamente, uma das opções metodológicas tidas em conta, dado que, ao pretender estudar-se os consumidores de música, ou dito de outro modo, aqueles que de uma ou outra forma acabam por fruir da música, uma primeira delimitação a ter em conta diz, precisamente, respeito aos que são apenas ouvintes, ou seja, aqueles que não têm qualquer contacto com a produção e criação musical propriamente dita, e aqueles que para além de ouvintes também se dedicam a esta mesma produção e criação musical.

Estes dois tipos de fruidores musicais remetem para diferentes modos de relação com a música, diferentes gostos musicais, diferentes práticas, valores e representações sobre a música, e como tal, afiguram-se como determinantes e estruturantes na construção e atualização do gosto e disposições musicais.

Neste sentido, os entrevistados dividem-se em dois tipos distintos de fruidores musicais, aqueles que apenas gostam de ouvir música, designados por amantes de música, e aqueles que, para além do gosto que têm pela audição musical, também desenvolvem algum tipo de produção musical,

designados por amantes e praticantes de música.

Como é esperável, embora nestes dois grupos seja possível identificar alguns pontos comuns em termos de fruição musical, nomeadamente ao nível dos locais, companhias e tipo de recursos preferidos na fruição musical, a verdade é que são as diferenças entre eles que mais se destacam e caracterizam estes distintos fruidores musicais.

Uma primeira distinção, que já foi referida, respeita à aprendizagem musical. Enquanto no grupo dos amantes de música o contacto com qualquer tipo de aprendizagem foi, na grande maioria dos casos, inexistente, tendo apenas seis dos entrevistados frequentado algum tipo de ensino musical, no grupo dos amantes e praticantes, como não poderia deixar de ser, a aprendizagem musical foi uma realidade, sobretudo em contextos de aprendizagem formais, nomeadamente, em academias, conservatórios ou através de bandas filarmónicas.

Outro aspeto que diferencia os amantes e consumidores de música dos amantes e praticantes respeita ao tempo que reservam ao consumo musical, sendo os últimos os que ocupam substancialmente mais tempo com a música.

Também ao nível dos eventos musicais que frequentam as diferenças são notórias. Apesar da maioria dos entrevistados em ambos os grupos frequentar ocasionalmente eventos musicais do tipo festas, nomeadamente, espetáculos de variedades e bailes em festas populares e outras, os amantes e praticantes de música são frequentadores mais regulares de eventos estritamente musicais, sobretudo, de concertos onde a música é exclusiva, ou seja, de concertos mais intimistas que acontecem com determinada regularidade, em determinados espaços especialmente adequados ao efeito.

Estes dois grupos também se distinguem nas suas preferências em termos de géneros musicais. A maioria dos amantes centra as suas preferências

musicais no pop/rock e na música tradicional portuguesa, enquanto a maioria dos amantes e praticantes canaliza as suas preferências para a música clássica, jazz, e música ligeira/popular portuguesa.

A relação que existe com a música em contexto familiar é outro dos pontos que distingue os amantes e os praticantes de música, tendo a música uma presença muito mais significativa no contexto familiar dos amantes e praticantes, do que no contexto familiar daqueles que são apenas ouvintes de música.

Outras diferenças importam frisar, tais como a presença da música no quotidiano dos entrevistados, o seu papel na construção da identidade, e ainda a intensidade das disposições musicais, sendo que, a música assume claramente uma maior presença no quotidiano dos amantes e praticantes, tendo também uma maior influência na construção da sua própria identidade, o que se traduz também em disposições de intensidades mais fortes neste grupo de fruidores musicais.

Sinteticamente, a fruição musical como simples consumidor de música, ou a fruição musical como produtor e criador musical, é estruturante na construção e atualização das disposições musicais das pessoas. Destas duas modalidades de fruição resultam distintas práticas, preferências, valores e representações, o que consubstancia diferentes modos de relação com a música.

Centrando agora a análise nos músicos, particularmente no que respeita à produção musical, que obriga a algum tipo de aprendizagem, reflete-se também num maior consumo musical, em preferências diferentes ao nível dos eventos musicais frequentados, dos géneros musicais mais ouvidos, em diferentes relações com a música em contexto familiar, e em diferentes relações e influências da música nos entrevistados, nomeadamente ao nível da presença da música no quotidiano, do papel que desempenha na construção da identidade destas pessoas, ou na intensidade das suas disposições musicais.

Quanto ao tipo de produção musical que desenvolvem, existem, por um lado, aqueles que desenvolvem práticas de música profissionais, ou seja, aqueles que são músicos profissionais e a música é o seu único ou principal meio de subsistência. Por outro lado, existem aqueles que são músicos amadores, alguns auferem rendimentos da música embora a atividade musical não seja o seu principal meio de subsistência, e outros que não auferem qualquer remuneração, fazem-no exclusivamente pelo prazer de tocar.

Dos músicos entrevistados, nove são profissionais e dezanove são músicos amadores. Os três estudantes de música embora ainda não aufiram rendimentos da prática musical são aspirantes a músicos profissionais, e por isso considerados músicos profissionais para efeitos de análise em alguns aspectos relacionados com a produção musical.

Os músicos profissionais são maioritariamente indivíduos com níveis de escolaridade superiores, pertenças sociais mais favorecidas, e ligados ao ensino da música. Para além de um consumo de música muito regular e da constante presença da música no seu quotidiano e contexto familiar, os músicos profissionais caracterizam-se ainda pela preferência por géneros musicais menos populares, nomeadamente, pela chamada música clássica, e pela frequência assídua de eventos musicais, particularmente, concertos em ambientes mais intimistas que acontecem em espaços especialmente preparadas para o efeito, nomeadamente, a Gulbenkian, o Centro Cultural de Belém e determinadas igrejas.

O exemplo da Júlia é ilustrativo da intensidade da relação dos músicos profissionais com a música.

"Sou música profissional, (…) Para além de ensinar violino eu também executo, faço também concertos e recitais no âmbito da minha área que a maior parte das vezes é em grupo de câmara e não tanto individual como solista, mas isso é uma opção que nós todos tomamos à medida do nosso percurso. Portanto a minha vida é a

música." (Júlia)

Comparativamente com os músicos profissionais, globalmente os músicos amadores tem níveis de escolaridade inferiores (apenas um com ensino superior), e pertenças sociais menos favorecidas. São menos regulares no consumo musical, e a música está menos presente no seu dia a dia e nos seus contextos familiares. São mais ecléticos nas suas preferências musicais e mais heterogéneos nos eventos que frequentam, com tendência para a frequência ocasional de eventos do tipo festas, ou seja, espetáculos musicais variados, bailes, e outros.

Numa análise mais fina, os músicos amadores ainda se podem subdividir em três grupos relativamente distintos, que evidenciam algumas diferenças na forma como se relacionam com a música.

Os músicos amadores que auferem remuneração pela sua prática musical (oito dos dezanove), ou seja, aqueles que utilizam a música como part-

time, tocando a solo ou em grupo como animadores de bailes, concertos ou

espetáculos em festas, bares e outros, tratando-se por isso de uma prática musical amadora remunerada.

Estes músicos mantêm com a música uma relação muito forte, porque as suas atuações musicais acontecem com muita regularidade (em média mais de uma atuação por semana), e para tal necessitam constantemente de preparar e renovar estas prestações, aquilo a que chamam de “ensaios” e “tirar músicas”.

O Francisco que é músico amador, e para além da sua profissão também faz concertos a solo, ilustra a relação com a música destes músicos amadores que são remunerados pelas suas prestações musicais.

"A atividade que desempenho a nível da música ao vivo é em part- time. Eu toco um pouco de tudo, não me cinjo só a um género musical. Normalmente ensaio em casa três vezes por semana e tenho um ou dois concertos por semana. Quanto ao género musical

que toco vai desde o fado à música portuguesa, música pop, música rock, é um pouco de tudo." (Francisco)

Existem também os músicos amadores que não auferem qualquer remuneração pela sua prática musical (nove dos dezanove). São principalmente aqueles que fazem parte de grupos de música popular, de bandas filarmónicas, ou que vão desenvolvendo a sua prática musical nas suas redes de sociabilidade, tratando-se por isso de uma prática musical amadora, cujo objetivo passa sobretudo por retirar prazer da performance musical que se desenvolve.

Comparativamente com os músicos amadores que auferem remuneração pelas suas performances musicais, a maioria destes músicos mantém com a música uma relação menos intensa enquanto praticantes. Mesmo aqueles que estão inseridos em grupos musicais dedicam menos tempo à prática musical, porque as suas atuações acontecem com menos regularidade e a preparação destas prestações, por norma, é menos exigente.

O Jacob é músico numa filarmónica e exemplo da relação com a música destes músicos amadores que não recebem qualquer remuneração pelas suas performances musicais.

"Acho que já me dediquei mais à música na parte da filarmónica, ainda venho às lições e dedico-me às peças até à hora dos ensaios, que é duas vezes por semana. Ouvir música ouço muito frequentemente, todos os dias, sempre, quando estou ao computador, quando saio de casa vou a ouvir música, é quase frequentemente mesmo. Estou mais tempo a ouvir do que a tocar, mas o tempo que estou na filarmónica já o considero um bom tempo." (Jacob)

Existem ainda dois músicos cuja prática musical pouco ou nada extravasa as paredes de suas casas e dos seus contextos familiares, trata-se de pessoas que se limitam a tocar em contextos mais particulares e solitários, aquilo

que se pode chamar de produção musical caseira e que Paula Abreu (2004) denomina de práticas de consumo doméstico.

Embora não tenham qualquer formação musical e não exerçam qualquer prática de instrumentos musicais, importa referir que seis dos amantes de música estão ligados à música através do exercício do cante tradicional alentejano em grupos corais ou em grupos de música popular alentejana. Apesar de não terem sido considerados como músicos, estes casos acabam por consubstanciar uma relação privilegiada com a música que os aproxima daqueles que se consideraram músicos amadores.

Sinteticamente, o fato de ser ouvinte ou ser músico infere substancialmente na construção e atualização das disposições musicais, na medida em que, destes dois estados resultam diferentes formas de fruição musical e diferentes modos de relações com a música.

Mais, mesmo no caso dos músicos, os distintos tipos de produção musical refletem-se também, em distintos modos de fruição musical e de relação com a música.

No documento Gostos e disposições musicais (páginas 99-106)