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CAPÍTULO II AS FORMAS PRETÉRITAS DO ESPANHOL: PPC vs PPS

2.1 ORIGEM E FORMAÇÃO DO PPC

O sentido atribuído às palavras ganha nova significação com o passar do tempo, influenciado socialmente e impulsionado pela necessidade comunicativa de cada época. Assim ocorreu com a perífrase do espanhol haber + participio, que apresentava diferentes finalidades no espanhol clássico, e evoluiu para a forma verbal haber conjugado +

participio (he cantado) devido à necessidade de novas funções comunicativas que lhe

foram atribuídas.

Conforme Rodriguez Molina (2004), a primeira estrutura citada está presente no castelhano antigo, assim como no período medieval, marca das demais variedades de romances, o que nos elucida sobre a importância do sentido estabelecido naquela época pelo uso dessa perífrase. O autor explicita que outros usos eram atribuídos ao verbo haber:

para expressar posse em várias acepções; em construções resultativas transitivas ativas e para usos impessoais.

É necessário ressaltar, porém, que o sentido unificado do verbo habere +

participio (construção latina) não era percebido inicialmente, ou seja, o verbo e o

partícipio tinham acepções isoladas. Somente ao longo do tempo, essa formação passou a expressar um sentido único:

En latín, el verbo habere, unido a cierto tipo de participios, indicaba el resultado de la acción significada por el verbo: habere y el participio funcionaban como unidades léxicas independientes que conservaban plenamente su significado referencial. Por el contrario, en español actual el verbo haber se ha gramaticalizado como auxiliar temporal: la construcción entera hace referencia a la anterioridad verbal, no denota ya necesariamente un valor resultativo y ha rigidizado su estructura sintáctica, de modo que haber y el participio no son ya unidades independientes (RODRIGUEZ MOLINA, 2004, p. 170).

Em confluência com as afirmações de Rodriguez Molina (2006), Azofra Sierra (2006) discorre que a natureza de possessão desta forma, PPC, vai se extinguindo até tornar-se apenas uma forma auxiliar:

El perfecto compuesto del español tiene su origen en la construcción latina de habeo + CD + participio de perfecto referido a ese objeto y concordando con él, por ejemplo en epistolam scriptam habeo; en su origen, el significado sería ‘tengo escrita una carta’, con valor resultativo. En la evolución posterior, el participio tiende a agruparse con haber, que a su vez va perdiendo progresivamente su valor de posesión, se desemantiza y se gramaticaliza hasta convertirse en simple auxiliar (AZOFRA SIERRA, 2006, p. 152-153, grifos nossos).

Assim, ocorreu de maneira pragmática uma alteração de sentido, pois, unidas, as formas habere + particípio apresentavam teor resultativo de uma ação que estava categorizada pelo verbo, mas quando isoladas mantinham integralmente o seu valor referencial. No entanto, houve uma redução do significado do verbo habere à composição de auxiliar das formas compostas, ou seja, acompanhava o particípio para sintetizar um único sentido, perdendo o caráter de independência léxica do passado.

A forma haber, empregada na perífrase (haber + particípio), corroborou na constituição dos diferentes tempos compostos da língua espanhola, atribuindo novos sentidos, de forma gradual, e corroborou também para delinear as formas perfeitas do espanhol, conforme afirmado na Nova Gramática da Real Academia Espanhola (RAE):

los tiempos compuestos tienen su origen en una perífrasis verbal resultativa que pasó a denotar anterioridad con respecto al punto de referencia correspondiente. Según este proceso, el valor que corresponde a HE CANTADO es el de anterioridad a un punto de referencia situado en el presente. Este valor entra en claro conflicto con el correspondiente a CANTÉ, que es el de anterioridad al punto del habla[…] Existe coincidencia casi general en que la forma HE CANTADO expresa la persistencia actual de hechos pretéritos, mientras que la forma CANTÉ denota hechos anteriores al momento del habla, pero relacionados con él (RAE, 2009, p. 1721, grifos do autor).

Com a evolução da perífrase verbal, surge o valor de anterioridade, que passa a fazer parte da composição temporal dos pretéritos, tanto do pretérito perfeito composto quanto do simples. A oposição estabelecida entre esses tempos trata do momento da enunciação, uma vez que estabelece um elo entre a forma he cantado com o presente, apesar da ação ser perfectiva; enquanto a forma canté delimita ações que antecedem o momento da enunciação, sem vincular sua ação ao tempo atual.

No período medieval, percebeu-se o traço aspectual de término do evento, de completude da ação, o caráter perfectivo, indicando a finalização de uma ação. De igual modo, a forma haber + particípio passou a estabelecer anterioridade em relação às ações realizadas, ou seja, ao mesmo tempo que determina a completude dos eventos designa anterioridade a um ponto do presente (cf. RAE, 2009).

As ideias expostas pela RAE confluem para a explicitação feita por Cartagena (1999, p. 2944), sobre a mudança semântica ocorrida na época clássica quando a forma

haber + particípio “começa a expressar ação concluída imediatamente anterior ao

presente gramatical ou de maior distância temporal, mas cujo resultado guarda certa importância para o sujeito até o momento da palavra”.

Todas essas significações contribuíram para os valores atuais do PPC. Rodriguez Molina aponta 03 características inerentes ao PPC surgidas dessa evolução: o teor de anterioridade, já que “todo tiempo compuesto expresa un evento previo al punto de referencia temporal”; a marca de perfectividade, do ato de realização do evento, pois “implica un límite temporal ya que indica um evento perfectivo delimitado, esto es, acabado”; e a relevância presente, que ‘aproxima’ a ação de atualidade, pois “el evento previo denotado por el tiempo compuesto es relevante para los participantes del discurso” (RODRIGUEZ MOLINA 2004, p.173).

Esse limite temporal, remetido por Rodriguez Molina (2004, p. 173), está relacionado a duas situações diferentes: quando “um evento télico alcança seu ponto final,

falamos de limite material”, ou seja, quando ocorre a culminação do evento, a concretude da ação; ou quando tratamos de limite temporal, “quando um evento, não necessariamente télico, se encontra delimitado temporalmente”, já que um evento não télico pode ser definido como uma ação que ocorre de forma contínua, sem uma culminância, como por exemplo, correr.

O desenvolvimento de sentido, e até mesmo de função, adquirido pela perífrase que passa a ser uma construção verbal, é produzida pelo processo de gramaticalização, a partir do mecanismo de reanálise6. Em que o processo de gramaticalização é “um

processo irreversível e gradual e em geral unidirecional, de enfraquecimento do significado referencial das formas e aquisição de um significado gramatical mais abstrato” (COMPANY COMPANY, 2010, p. 38).

Desse modo, para que ocorresse uma nova conceituação do termo aqui investigado, houve uma mudança progressiva de um significado que inicialmente era de teor resultativo, haber + pp, considerado uma perífrase, até atingir a forma verbal he

cantado, em que a união desses verbos gera um sentido único que estabelece

anterioridade; perfectividade do evento e relevância presente das ações representadas. No entanto, para se alcançar esse estatus mais geral de gramaticalização, esse processo se utilizou da reanálise, que, segundo Langacker (1977, 57-58 apud COMPANY COMPANY, 2010, p. 37), significa:

el cambio en el estatus funcional de una forma o construcción sin que necesariamente se produzca un cambio en la manifestación externa formal, fónica, de la forma o construcción en cuestión. Un reanálisis es una reinterpretación de las relaciones estructurales y semánticas que una forma o construcción contrae con otras y supone un cambio en su estatus categorial. Es una de las causas fundamentales, si no es que la

causa, de la creación de nuevas categorías en la gramática de una

lengua.

Portanto, o processo de reanálise retrata a mudança ocorrida com a construção

haber + pp, pois a forma dessa perífrase não sofreu alteração, mas sim uma modificação

para a categoria gramatical, sendo assimilados novos valores a sua configuração. Esse processo de gramaticalização, de transformação de uma perífrase em uma categoria gramatical, com novos valores, pode apresentar nuances diferentes quando voltamos à história e verificamos diacronicamente os dados.

6 O termo adotado, reanálise, busca representar a forma que foi atribuída no espanhol, reanálisis, e que é fundamentada segundo os preceitos expostos por Company Company (2010).

No período medieval, durante o processo de ressignificação desses valores, o PPC apresentava dois valores no nível semântico-referencial: a) valor de pretérito abierto, em que: “la acción verbal tiene inicio en el pasado pero continúa vigente en el presente; b) valor de pretérito anterior al presente, cuando la acción verbal se inicia y se concluye en un pasado próximo al momento del habla” (COMPANY COMPANY, 1983, p. 240, grifos nossos).

A percepção desses valores da forma he cantado foram identificados por Company Company em um estudo diacrônico do espanhol antigo (com textos dos séculos XII ao XV)7. Com base nos dados investigados, ela define o 1) valor de pretérito abierto:

Conserva haber en este caso huellas de su significado originario de presente. Cuando el pretérito perfecto compuesto tiene valor de pretérito abierto, la acción verbal se inicia en el pasado pero continúa abierta en el momento del habla y en algunos casos puede perdurar en el futuro (COMPANY COMPANY, 1983, p. 254, grifos nossos).

Além desse valor, a autora assinalou que o PPC também foi percebido com o 2) valor de pretérito anterior ao presente: “la acción verbal se inicia y se concluye en el pasado, pero este pasado, que marca el límite de la acción, está próximo al momento del habla (COMPANY COMPANY, 1983, grifos nossos).

A investigação de Company Company nos revela que o PPC já apresentava matizes diferentes no espanhol antigo. Nos estudos de Company, a autora mostra claramente o uso do PPC com duas funções diferentes no espanhol, entre os séculos XII e XV, e provavelmente essas funções se expandiram pelos diferentes continentes, sendo usados por diferentes critérios na Península e na América.

Esses dois valores apresentados por Company Company são percebidos em diferentes variedades do espanhol. No México, conforme exposto por Lope Blanch (1962), o caráter aspectual do PPC é “aberto”, enquanto na Espanha é utilizado com uma forma polissêmica, sendo empregado tanto na forma de pretérito “anterior” quanto na forma “aberta”.

Para o autor, quanto à diferenciação de uso entre o PPS e PPC entre a Península e a América, “la oposición definitiva se basó, en América, en distinciones fundamentalmente aspectuales (perfectiva la forma simple, imperfectiva la compuesta),

7 Os textos utilizados foram: Poema de mio Çid, Crónica general de Alfonso X, Libro de Apolonio; El

libro del cavallero Çifar; Libro de buen amor; Corbacho; La Celestina e diversos documentos notariais (COMPANY COMPANY, 1983, p. 235).

mientras que, en España – en la norma castellana – se basó sobre todo en diferencias de carácter temporal (remoto o próximo)” (LOPE BLANCH, 1962, p. 95).

A partir dos pontos elencados por Lope Blanch (1962) e Company Company (1983), no próximo tópico, faremos uma descrição da caracterização aspecto-temporal, para tentar situar os pretéritos PPC e PPS. Essa descrição objetiva nos levará à reflexão sobre o aspecto das duas formas, PPC e PPS, no México, para verificar se elas mantém esse aspecto temporal como diferenciador ou se há um mudança aspectual de sentido entre os dois tempos.

2.2 A RELAÇÃO ASPECTO- TEMPORAL NAS FORMAS PP DO ESPANHOL