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V´ ortices em supercondutores e o modelo de Ginzburg Landau

A supercondutividade foi descoberta em 1911 no laborat´orio de Leiden, por Heike Kamerlingh Onnes, o primeiro a conseguir liquefazer o h´elio. Ele estudava a resistˆencia el´etrica de v´arias substˆancias `a temperatura do He l´ıquido, quando notou que a resistˆencia do merc´urio ca´ıa rapidamente para zero `a temperatura cr´ıtica 4.2K. As mesmas pro- priedades foram observadas em alguns outros metais, como chumbo e estanho. Este novo fenˆomeno foi chamado de supercondutividade. Antes de 1933, considerava-se que a super- condutividade era simplesmente uma condutividade perfeita. Por´em, em 1933, Meissner e Ochsenfeld perceberam que, al´em disso, um campo magn´etico externo ´e expulso de uma amostra originalmente normal quando ela ´e resfriada al´em de sua temperatura cr´ıtica, como ilustrado na Fig. 9. Este efeito ´e conhecido at´e hoje como o efeito Meissner. So- mente cerca de 20 anos depois da descoberta da supercondutividade, a primeira teoria sobre este fenˆomeno foi desenvolvida: em 1935, os irm˜aos London mostraram a primeira teoria fenomenol´ogica que descreve o mecanismo de supercondutividade, a qual mostrou- se ser v´alida, em condi¸c˜oes extremas, para descri¸c˜ao de v´ortices, que s˜ao linhas de defeitos no supercondutor que carregam um fluxo magn´etico quantizado. [89] Por´em, a teoria de London considerava os v´ortices como part´ıculas puntuais, o que n˜ao era completamente verdade: imaginava-se que o v´ortice deveria ter um n´ucleo de tamanho finito, com uma estrutura interna. Neste contexto, em 1950 Landau e Ginzburg propuseram uma das teorias fenomenol´ogicas mais bem sucedidas da hist´oria, [90, 8] capaz de descrever muitos

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dos comportamentos observados em supercondutores. Ela n˜ao s´o engloba os trabalhos feitos por F. London e H. London [89] na explica¸c˜ao do efeito Meissner, como tamb´em foi usada para postular alguns fenˆomentos bastante not´aveis, como a forma¸c˜ao de v´ortices dispostos na rede triangular de Abrikosov [91] em supercondutores. Ginzburg e Landau derivaram esta teoria fenomenologicamente, antes da teoria microsc´opica BCS (Bardeen- Cooper-Schrieffer) de supercondutividade ser desenvolvida, e muitos anos depois Gorkov mostrou que a teoria de Ginzburg-Landau pode ser encontrada naturalmente a partir da teoria BCS.

B

T<Tc T>Tc

B

Figura 9: Efeito Meissner: um material que apresenta comportamento normal a temper- aturas T > TC passa a repelir campos magn´eticos quando se torna supercondutor para

T < TC.

Em sua teoria fenomenol´ogica, Ginzburg e Landau introduziram a fun¸c˜ao de onda Ψ(r) dos el´etrons supercondutores como um parˆametro de ordem que ´e n˜ao-nulo para T < TC

e nulo para T > TC, descrevendo uma transi¸c˜ao de fase de segunda ordem. A teoria BCS

explicou a supercondutividade como sendo proveniente do acoplamento de el´etrons em pares de Cooper. Assim, o parˆametro de ordem de Ginzburg-Landau relaciona-se com a densidade de el´etrons supercondutores ns como |Ψ(r)|2 = ns/2. A teoria de Ginzburg-

Landau (GL), baseia-se na teoria de London para transi¸c˜oes de fase de segunda ordem, onde a energia livre ´e expandida em uma s´erie de potˆencias do parˆametro de ordem. A expans˜ao ´e feita em torno da temperatura cr´ıtica TC e, por isso, a teoria de GL s´o ´e v´alida

na vizinhan¸ca deste ponto. No decorrer desta Tese, por´em, iremos mostrar tamb´em alguns resultados provenientes da extrapola¸c˜ao desta teoria para temperaturas mais baixas. A densidade de energia livre de Gibbs em torno de TC ´e expandida como

Gs = Gn+ α|Ψ|2+ β 2|Ψ| 4+ 2 2m∗       ∇ −ie ∗ c  A  Ψ     2 + H 2 8π −  H − H0 4π · H0, (1.35)

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onde m∗ = 2m

0 e e∗ = 2e s˜ao a massa e a carga dos pares de Cooper, respectivamente,



H ´e o campo magn´etico em um certo ponto do supercondutor e Gn ´e a densidade de

energia livre para o estado normal na ausˆencia de campo aplicado. Quando um campo magn´etico ´e aplicado, temos GnH = Gn + H02

 8π, com H2 0  8π sendo a densidade de energia magn´etica.

A primeira parte da Eq. (1.35) representa a expans˜ao da densidade de energia livre em um supercondutor homogˆeneo sem campo aplicado e pr´oximo `a temperatura cr´ıtica TC0= TC(H0= 0),

Gn+ α|Ψ|2+

β 2|Ψ|

4, (1.36)

onde α e β s˜ao coeficientes caracter´ısticos de cada material. O parˆametro α depende da temperatura e a supercondutividade ocorre somente para α < 0,7 enquanto β ´e sempre

positivo e constante. A partir da Eq. (1.36), a densidade de pares de Cooper que corre- sponde ao m´ınimo de energia livre para T < TC0 pode ser calculado como |Ψ|2 = −α/β.

A segunda parte da Eq. (1.35) corresponde `a energia cin´etica dos pares de Cooper 2 2m∗       ∇ − iec∗A  Ψ     2 , (1.37)

enquanto a terceira, H28π, ´e simplesmente a densidade de energia magn´etica. A quarta

e ´ultima parte,

−H −  H0 · H0 (1.38)

representa a redu¸c˜ao do campo magn´etico devido a uma poss´ıvel penetra¸c˜ao do campo no supercondutor. Uma penetra¸c˜ao deste tipo em certo ponto do supercondutor representa um defeito na supercondutividade (e, consequentemente, no efeito Meissner) e, com isso, devemos ter tamb´em |Ψ|2 = 0 neste ponto, devido `a ausˆencia de pares de Cooper. Esta ´e

a linha de defeitos `a qual demos o nome de v´ortice nos par´agrafos anteriores.

A energia total do sistema ´e encontrada simplesmente integrando-se a densidade de energia livre de Gibbs da Eq. (1.35) em todo o volume do supercondutor. Lembre-se, por´em, que Ψ e A s˜ao fun¸c˜oes do espa¸co real, e a forma destas fun¸c˜oes influencia na energia encontrada ap´os a integra¸c˜ao. Por outro lado, sabemos que Ψ e A n˜ao podem assumir qualquer forma: elas devem ser tais que a energia total F do sistema seja m´ınima. Assim, devemos ent˜ao minimizar a energia total F atrav´es das vari´aveis Ψ e A; em outras palavras, Ψ e A devem obedecer `as equa¸c˜oes de Euler-Lagrange para o funcional de energia dado pela Eq. (1.35). As equa¸c˜oes de Euler-Lagrange para este funcional s˜ao comumente

7

Isto vale para supercondutores de uma banda. Mostraremos que ´e possivel haver supercondutividade com α > 0 em supercondutores de duas bandas, devido ao acoplamento de Josephson.

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chamadas de ”Equa¸c˜oes de Ginzburg-Landau”, cuja forma geral ´e dada por αΨ + β|Ψ|2Ψ −  2 2m∗   ∇ − ie ∗ cA 2 Ψ = 0 (1.39a) js= − ie∗ 2m∗ Ψ∗∇Ψ − Ψ ∇Ψ e ∗2 m∗c|Ψ| 2A, (1.39b)

onde a corrente supercondutora ´e js=

c

4π∇ ×  ∇ × A. (1.40)

Finalmente, o modelo de Ginzburg-Landau introduz duas escalas de comprimento que s˜ao pe¸cas chave para a defini¸c˜ao do car´ater do supercondutor: i) o comprimento de coerˆencia ξ = 2m∗|α|, que indica o comprimento t´ıpico sobre o qual o valor do

parˆametro de ordem pode variar; e ii) a profundidade de penetra¸c˜ao λ =m∗c2β4πe∗2|α|,

a qual representa o comprimento t´ıpico sobre o qual o campo magn´etico pode variar. Es- tas express˜oes para escalas de comprimento ξ e λ podem ser facilmente derivadas a partir das Eqs. (1.39a) e (1.39b), respectivamente. O parˆametro de Ginzburg-Landau κ = λ/ξ ´e de fundamental importˆancia para determinarmos o comportamento dos v´ortices no su- percondutor: em 1957, Abrikosov [91] calculou as propriedades de supercondutores com κ > 1/√2 atrav´es da teoria de Ginzburg-Landau e encontrou o chamado ”estado misto”, onde unidades quantizadas de fluxo magn´etico penetram o supercondutor, atrav´es de v´ortices, formando uma rede regular. Esta rede triangular de fluxos, que corresponde `a configura¸c˜ao de menor energia obtida resolvendo-se as Eqs. (1.39a) e (1.39b) para κ > 1/√2, ´e conhecida como a rede de v´ortices de Abrikosov. Note que os v´ortices encontrados por Abrikosov na teoria de GL apresentam um n´ucleo finito, o que n˜ao ´e poss´ıvel de se obter pela teoria de London. A partir da´ı, descobriu-se que o parˆametro κ determina o car´ater da intera¸c˜ao entre os v´ortices, de forma que se κ > 1/√2 (< 1/√2) ela ´e repulsiva (atrativa) e o supercondutor ´e classificado como sendo do tipo-II (tipo-I). Como os v´ortices no tipo-II se repelem, ´e facil encontrar, em um certo intervalo de campos magn´eticos e temperaturas, uma estrutura est´avel com v´ortices formando uma rede de Abrikosov. J´a no tipo-I, os v´ortices tendem a se atrair, tornando dif´ıcil de se encontrar tal estrutura. Isto est´a ilustrado na Fig. 10.

O potencial de intera¸c˜ao entre v´ortices tem sido um importante objeto de estudo por muitos anos. Em 1971, Kramer [93] usou o comportamento assint´otico dos campos do v´ortice longe do seu n´ucleo no modelo abeliano de Higgs para obter uma express˜ao anal´ıtica para o potencial da intera¸c˜ao v´ortice-v´ortice, o qual foi encontrado como uma

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Figura 10: Diagrama de fases H − T para um supercondutor do tipo-I (merc´urio) e um do tipo-II (ni´obio-estanho). Os campos magn´eticos definidos como Bc, Bc1 e Bc2 s˜ao os

campos cr´ıticos que delimitam as regi˜oes onde o sistema ´e puramente supercondutor, onde h´a estado misto e onde o sistema ´e normal. [92]

combina¸c˜ao de fun¸c˜oes de Bessel modificadas. Este potencial ´e atrativo (repulsivo) para sistemas type-I (type-II) , isto ´e, para um supercondutor com parˆametro de Ginzburg- Landau κ = λ/ξ < 1/√2 (> 1/√2), onde λ ´e a profundidade de penetra¸c˜ao e ξ ´e o comprimento de coerˆencia. Al´em disso, esta express˜ao leva a uma energia de intera¸c˜ao constante como fun¸c˜ao da separa¸c˜ao entre v´ortices para o valor cr´ıtico κ = 1/√2 (tamb´em conhecido como ponto de Bogomol’nyi), o que implica que os v´ortices n˜ao interagem neste caso, ou seja, podemos ter infinitas estruturas de v´ortices com a mesma energia. Uma an´alise detalhada da intera¸c˜ao v´ortice-v´ortice (V-V) foi feita mais tarde por Jacobs and Rebbi, [94] que constru´ıram uma fun¸c˜ao variacional que descreve dois v´ortices separados e obtiveram os parˆametros variacionais que minimizam a energia livre. esta fun¸c˜ao varia- cional era capaz de modelar: i) a deforma¸c˜ao do n´ucleo do v´ortice quando os v´ortices s˜ao trazidos para perto um do outro, e ii) a forma¸c˜ao de um v´ortice gigange [95, 96, 97] quando os v´ortices est˜ao superpostos.

A partir da´ı, muitos trabalhos estudaram aspectos diferentes da intera¸c˜ao entre v´ortices em supercondutores. Por exemplo, Brandt [98] usou a express˜ao assint´otica para o po- tencial de intera¸c˜ao no estudo das propriedades el´asticas da rede de linhas de fluxo em supercondutores do tipo-II. Speight [99] re-derivou o potencial de intera¸c˜ao V-V a partir de uma teoria de campos linear descrita por um lagrangeano de duas fontes puntuais singulares localizadas nos centros dos v´ortices. MacKenzie et al. [100] usou a teoria linear proposta por Speight para obter a intera¸c˜ao entre duas cordas separadas em um modelo com dois parˆametros de ordem, que pode ser relevante para cordas c´osmicas su- percondutoras, [101] para o modelo SO(5) de supercondutividade em altas temperaturas e para s´olitons em ´optica n˜ao-linear. No fim, todas estas aproxima¸c˜oes anal´ıticas usam,

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ou levam a express˜oes anal´ıticas que s˜ao as mesmas, ou ao menos muito parecidas com aquela derivada por Kramer no limite assint´otico. Outros modelos foram apresentados por Mohamed et al. [102], que usou uma aproxima¸c˜ao perturbativa para calcular a intera¸c˜ao V-V interaction em supercondutores com κ ≈ 1/√2 quando a teoria de Ginzburg-Landau (GL) ´e extendida a baixas temperaturas, e por Hern´andez e L´opez, [103], que usaram uma aproxima¸c˜ao variacional baseada na fun¸c˜ao-tentativa de Clem [104] para calcular a for¸ca entre v´ortices. Auzzi et al. [105] mostraram recentemente que para a intera¸c˜ao entre v´ortices n˜ao-Abelianos, existem dois outros regimes al´em dos j´a conhecidos type-I e type-II: dependendo da orienta¸c˜ao relativa, o potencial de intera¸c˜ao pode apresentar regi˜oes atrativas e repulsivas no mesmo sistema. Um comportamento similar pode ser obtido em um supercondutor de duas bandas, como mostraremos mais tarde nesta Tese. [106, 107]

1.4.1

Supercondutores de duas bandas

Desde a descoberta dos supercondutores, a quest˜ao do controle das suas propriedades eletrˆonicas de magn´eticas e a possibilidade de se alcan¸car temperaturas e campos cr´ıticos ainda maiores sempre esteve em foco nesta linha de pesquisa. Em supercondutores ele- mentares, como Pb, Nb, Al, o manuseio do confinamento quˆantico particularmente tem mostrado bons resultados, pois a redu¸c˜ao das dimens˜oes espaciais leva a um claro aumento dos campos e temperaturas cr´ıticas a campos n˜ao-nulos, e isto ´e o que h´a de mais avan¸cado na pesquisa dos chamados supercondutores mesosc´opicos [108]. Em filmes e em supercon- dutores volum´etricos, a padroniza¸c˜ao das amostras tamb´em tem sido uma ferramenta para o aprimoramento da corrente cr´ıtica, o que j´a ´e de grande relevˆancia tecnol´ogica. Por´em, os fenˆomenos fascinantes descobertos em supercondutores mais complexos (como os de alta temperatura cr´ıtica high-Tc) valem-se da combina¸c˜ao e hibridiza¸c˜ao das propriedades

gerais dos componentes. A estrutura de camadas supercondutor-isolante dos cupratos ou a presen¸ca de ´ıons magn´eticos na rede cristalina dos supercondutores ferromagn´eticos s˜ao apenas alguns exemplos, que tamb´em tˆem seus an´alogos fabricados artificialmente em termos de multicamadas com acoplamento de Josephson e h´ıbridos supercondutor- ferromagneto. Em tudo que mencionamos agora, a id´eia ´e bastante clara - combinar propriedades conhecidas dos materiais e obter sistemas h´ıbridos com comportamento ap- rimorado ou, pelo menos, fundamentalmente interessante.

A mais moderna classe de materiais intrinsecamente h´ıbridos s˜ao os supercondutores de dois gaps. Nestes h´ıbridos naturais, os dois condensados de pares de Cooper coexis-