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CAPÍTULO 2 A VINDA DO IFÁ PARA O BRASIL E SUAS

2.3 O Ifá nas religiões afro-brasileiras

2.3.2 Os babalawôs no Brasil

sacerdotes e pesquisadores iorubás e brasileiros, conforme veremos na parte final do capítulo.

2.3.2 Os babalawôs no Brasil

Um importante babalawô foi Bamboxê Obitikó (1878-1940). Ele nasceu em território iorubá, na África. No Brasil recebeu o nome Rodolfo Martins de Andrade. Era filho do orixá Xangô, daí o nome Bamboxê, que significa “ajuda-me a assegurar o oxê” (machado duplo), principal ferramenta ritual desta divindade (LIMA, 1987 apud CASTILLO, 2010, p. 68). Bamboxê teria vindo para o Brasil como homem livre, junto com as duas mães de santo do terreiro Casa Branca, na época, Iyanassô e Marcelina da Silva (Obatossi) para ajudá-las na fundação desse terreiro. Alguns autores consideram que ele foi um dos últimos babalawôs do Brasil (VERGER, 1981, p. 29).

Outros dois sacerdotes de Ifá, considerados também os últimos babalawôs no Brasil foram Martiniano Eliseu do Bonfim (1859-1943) e Felisberto Sowser (1877-1940). Martiniano do Bonfim nasceu no Brasil. Ele era filho de escravos libertos. Foi para Lagos, na Nigéria, com os pais, onde estudou em escolas missionárias e morou durante um período também na

Inglaterra. Desse modo, falava iorubá e inglês fluentemente. Martiniano “conheceu a maioria dos grandes nomes das seitas africanas, podia cantar e dançar como ninguém e merecia o respeito e a confiança universais dos negros da Bahia”. No Brasil trabalhou como pedreiro e pintor, não tendo a divinação como meio de vida (CARNEIRO, 2008, p. 128-129). Martiniano foi muito importante para o Ilê Axé Opô Afonjá, tanto pelo sacerdócio no Ifá como pela mediação que ele fazia entre o terreiro e os pesquisadores que realizavam estudos etnográficos nos terreiros de candomblé (CASTILLO, 2013, p. 115).

Segundo Landes (2002, p 64), ele era considerado um grande mago e vidente, procurado por pessoas de “todas as classes sociais e cores”, em busca de solução para os mais diversos problemas, motivo pelo qual era perseguido pela polícia, o que parece justificar a sua observação (LANDES, 2002, p. 270; 274-275) de que a profissão dele era “secreta”, pois ele não abria os segredos para qualquer pessoa. Tanto que, ela relata que não conseguiu vê-lo jogando com o opelê-Ifá, apenas com os dezesseis búzios, e só após muita insistência. Mas, mesmo no jogo de búzios, ele fazia invocações à divindade Ifá.

Felisberto Sowzer era neto consanguíneo de Bamboxê. Ele tinha a divinação como profissão, diferentemente de Martiniano. Era considerado muito inteligente e também falava inglês e iorubá. Fazia as consultas na casa onde morava (CARNEIRO, 2008, p. 128-129). Seu pai era um africano liberto (Eduardo Américo de Souza), que após comprar a alforria de sua mãe (Julia, filha de Bamboxê Obitikó), foi com ela para Lagos, na Nigéria, onde nasceu Felisberto. A Nigéria estava sob o domínio inglês naquele período e o sobrenome da família tornou-se Sowser (DONALD PIERSON, 1967 apud CASTILLO, 2010, p. 71). Irene (filha de Felisberto) conta que o pai, quando jovem, trabalhou para os ingleses e aprendeu a ler e escrever em iorubá. Ele foi consagrado ao orixá Ogum na Nigéria, onde também tornou-se maçom. Em 1930, veio com a sua mãe para o Brasil, indo morar na Bahia, onde trabalhou com construção civil até a sua morte. Felisberto teria sido um dos últimos africanos na Bahia (CASTILLO, 2010, p. 71).

Segundo a descrição de Castillo (2010, p. 70-71), tinha uma pintura na parede da sala da sua casa, com desenhos de vários objetos rituais de origem iorubá, como o tabuleiro de Ifá (opon), vasilhas com o pó para marcar os odus, opelê-Ifá (corrente), o irukerê (feito com rabo de cavalo, serve para espantar maus espíritos) e duas cabaças (símbolo de Ossaim). Na mesma pintura, tinha também símbolos de outras tradições religiosas, como a figura de uma bíblia aberta e um compasso maçônico. Segundo Irene, ele teria recebido essas influências durante o período que morou na África (CASTILLO, 2010, p. 96). Portanto, o caso de Felisberto é um exemplo do inevitável sincretismo cultural e religioso, nesse caso, um sincretismo ocorrido na própria Nigéria. Aproximações com a maçonaria são mencionadas também por Bastide (2001, p.113) em Salvador e no Rio de Janeiro por João do Rio (1906, p. 4). Um informante de Bastide lhe disse: “formamos uma maçonaria, há trinta e três graus de babalaô, de 1 a 33; sim, digo-lhe que nossa religião é realmente uma maçonaria”. Mas Bastide (2001, p. 113) explica “nada afirmo sobre esse número 33, que nunca pude verificar (...). Rio (1906, p. 4) também faz referência a um babalawô que diz ser “grau 32 na maçonaria” Essa referência à maçonaria parece sugerir uma similaridade entre as duas iniciações, em relação à hierarquia (pela indicação dos graus da iniciação). As duas têm em comum também o caráter secreto. A associação pode ser uma influência iorubá, uma vez que existia maçonaria na África ocidental, conforme vimos no relato sobre Felisberto. No entanto, não temos informações suficientes que nos permitam chegar a essa conclusão.

Em relação à existência de outros babalawôs no Brasil, Ribeiro (1978, p. 89) afirmou que “nenhum dos sacerdotes atuais, no Recife, tem “mão de Ifá” (ou seja, foi treinado e iniciado

nas funções de adivinho), embora um deles, pelo menos, recorde perfeitamente o método e alguns dos odus. Por outro lado, Bastide e Verger (1981, p. 60) afirmam que existiram muitos babalawôs que conheciam ou jogavam o opelê-Ifá em Pernambuco:

(...) Em Recife também houve babalaô famosos: Vicente Braga, vulgo Aterê Kanyi; seu filho Joaquim, vulgo Arô Moxegbileman; Cassiano da Costa, vulgo Adulendju; João de Almeida, vulgo Gogosara; seu filho Cláudio, vulgo Bangboxê ou Oya-di-pê; João da Costa, vulgo Ewê-turô, Ossô Odubaladjé; Tio Lino, vulgo Abeilebojã; João Bagatinha, vulgo Ogunbii, e enfim Alanderobê (BASTIDE e VERGER, 1981, p. 60).

Lopes (1943, p. 139-144) apud Bastide e Verger (1981, p. 61) também aponta para a presença de outros divinadores na Bahia: “Tio Agostinho, que residia nas Quintas de Brotas; Ti-dou-da Cerca; Leodovico; Tio Benedito; Joaquim Obiticô, originário de Pernambuco; Faustino Dada Adengi, antigo mestre de Bojé (...)”.

E, segundo Braga (1988, p. 31), no estado do Rio de Janeiro teria havido ao menos uma confraria de babalawôs, noticiada por João do Rio (que era também jornalista), embora pouco se soubesse sobre sua organização e suas atividades. A quantidade de escravos africanos, conforme nos informa Vianna Filho (2008, p. 153), teve no Rio de Janeiro o número mais expressivo (38%). De fato, tem-se um número considerável de estudos sobre o Ifá e o jogo de búzios nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Esses estudos foram feitos tanto por antropólogos e sociólogos, como por iniciados nas religiões afro-brasileiras. Inclusive, alguns desses iniciados são também pesquisadores. Assim, tanto o número expressivo de escravos no estado do Rio de Janeiro, como a quantidade de estudos sobre divinações de origem africana corroboram a hipótese de Braga, de que tenha havido uma confraria de babalawôs no Rio de Janeiro.

Dentre os estudos antropológicos sobre o Ifá no Brasil, o mais antigo parece ser o de João do Rio (1906), que, apesar de denotar bastante preconceito em relação aos cultos afrobrasileiros, descreve a presença do opelê-Ifá e de outros elementos da religiosidade iorubá na cidade do Rio de Janeiro, no início do século XX. Em relação aos estudos antropológicos sobre divinação nas religiões afro-brasileiras mais recentes, destacam-se os trabalhos de Ribeiro (1978), Bastide e Verger (1981), Bastide46 (2001), Prandi (1994, 2005) e Beniste (2008).

E existem, ainda, como dissemos, autores que são pesquisadores e também sacerdotes. Dentre eles, destacam-se Matta e Silva47 (1977), que apresenta um modelo de opon-Ifá com

hieróglifos, Rivas Neto48 (2002, 2011), sucessor de Matta e Silva, Costa (1995), adepto das

religiões afro-brasileiras, Portugal Filho (2010), que afirma ser iniciado no candomblé e Salami (1999), nigeriano radicado no Brasil.

2.3.3 Métodos oraculares de Ifá no Brasil

João do Rio (1906, p. 11-12) relata ter visto um babalawô no Rio de Janeiro, chamado Oloô-Teté, que jogava com um opelê feito com cascas de tartaruga, que segundo ele, havia sido “batizado com sangue”. O jogo divinatório era realizado em uma mesa. Na ocasião, tratava-se de um jogo para saber qual oferenda deveria ser feita para “Shango, deus do trovão”. O adivinho, em transe, teria recebido ordenação de Xangô, lá do “somno” para lhefazer uma oferenda. Aparecem aqui vários elementos novos. Primeiro, a utilização de casca de tartaruga, no lugar das nozes. Em, segundo, o jogo feito em uma mesa e não em uma esteira no chão. Outro dado importante é o opelê ser consultado apenas para saber qual a oferenda a ser realizada, pois a indicação de fazer uma oferenda veio pelo transe, que o autor chama de “sonho”. São elementos novos, que podem ser compreendidos como uma ressignificação do Ifá no Brasil. Além disso, segundo Rio (1906, p. 9), o termo “somno” para se referir ao céu, onde habita Xangô, parece ser um resquício do termo samnó, que significa céu para os iorubás, conforme consta na análise do poema 3, no capítulo anterior. O opelê (RIO, 1906, p. 15) era utilizado em outras situações também, como por exemplo, quando já se sabia o santo de uma pessoa, se jogava o opelê para saber se poderia fazer o santo dela ou não. Mais uma vez aqui, o oráculo participa apenas de uma parte do que seria uma divinação, ou seja, não é por meio dele que se fazia necessariamente o levantamento do santo, como acontece nos candomblés da Bahia.

Rio (1906, p. 49-51) também relatou detalhadamente um ritual de iniciação no Ifá, na cidade do Rio de Janeiro, de um babalawô carioca chamado Sanin, que lhe afirmou que:

(...) Para se babalawô é precisa muita cousa. Só de noviciado, leva-se muito tempo, annos a fio, e a cerimônia é difficíllima. Quando um iniciado quer ser babalaô, tem que levar ao babalaô que o sagra dous cabritos pretos, duas

47 Primeira edição em 1975 (RIVAS NETO, 2011, p. 26)