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Os conceitos de alfabetização, letramento e avaliação da aprendizagem

No documento Dissertação de Sandra Novais Sousa (páginas 130-136)

3 UMA TELA, DUAS TÉCNICAS: ANÁLISE DA MATRIZ TEÓRICA DO

4.3 A pesquisa geral feita entre os professores da Rede Estadual de Ensino em Campo

4.3.2 Os conceitos de alfabetização, letramento e avaliação da aprendizagem

Outra evidência do não aprofundamento dos conceitos nas formações foi a confusão feita pelos professores entre o que se entende por alfabetização, letramento e avaliação em cada um dos programas. As questões 4 e 7 indagavam sobre os conceitos de alfabetização e letramento, respectivamente, do Além das Palavras e do PNAIC, utilizando, novamente, as mesmas assertivas para uma melhor comparação das respostas, como pode ser observado nos quadros 8 e 9:

Quadro 8 - Respostas à Questão 4:

Questão 4: Qual das afirmações define melhor o conceito de alfabetização e letramento defendido pelo Programa Além das Palavras?

Afirmações Quantidade

A alfabetização é a aprendizagem de um código, consistindo em aprender a decodificar e codificar a língua escrita. O letramento será trabalhado após a criança aprender a decifrar o código escrito, pois só então estará apta a ler, entender e produzir textos mais elaborados.

13 respostas (38%)

Alfabetização é a aprendizagem, ou apropriação, de um sistema notacional, ou de representação, o qual na língua portuguesa é o Sistema Alfabético de Escrita. O letramento acompanha todo o processo de alfabetização, por meio de práticas de leitura e produção de textos encontrados no mundo social.

23 respostas (68%)

Quadro 9 - Respostas à Questão 7:

Questão 7: Qual das afirmações define melhor o conceito de alfabetização e letramento defendido pelo PNAIC?

Afirmações Quantidade

A alfabetização é a aprendizagem de um código, consistindo em aprender a decodificar e codificar a língua escrita. O letramento será trabalhado após a criança aprender a decifrar o código escrito, pois só então estará apta a ler, entender e produzir textos mais elaborados.

23 respostas (68%) Alfabetização é a aprendizagem, ou apropriação, de um sistema notacional, ou

de representação, o qual na língua portuguesa é o Sistema Alfabético de Escrita. O letramento acompanha todo o processo de alfabetização, por meio de práticas de leitura e produção de textos encontrados no mundo social.

11 respostas (32%)

Fonte: Produção própria

Talvez esse tenha sido o item em que as respostas realmente não causaram muita estranheza, ao serem analisadas. Por conversas informais com colegas de serviço, com os coordenadores de área (nos anos anteriores), até mesmo com diretores escolares, já havíamos constatado que pouca atenção era dada ao conceito de alfabetização e à falta de situações de letramento do Programa Além das Palavras. E pelo fato de que os formadores do Pacto também eram da SED e defendiam a manutenção do Alfa e Beto, era de se esperar que as diferenças conceituais não fossem trazidas à evidência, pois legitimando um, automaticamente se colocava em descrédito o outro.

O gráfico 1 demonstra o que aconteceu com as respostas, considerando-se cada questionário individualmente, e não o conjunto de respostas em uma assertiva.

Gráfico 1 - Padrão de respostas por questionário

Fonte: Produção própria

18%

76% 6%

Padrão de respostas por questionário.

Percebemos, analisando esses dados, que para a grande maioria dos professores alfabetizadores, não há diferenças teóricas entre os dois programas. Essa situação se repete com respeito à concepção de avaliação de aprendizagem, conforme demonstrado pelos quadros 10 e 11:

Quadro 10 - Respostas à Questão 5

Questão 5: Qual das afirmações define melhor a concepção de avaliação defendida pelo Programa Além das Palavras?

Afirmações Quantidade

É preciso avaliar a prontidão do aluno (coordenação motora, discriminação auditiva e visual, etc.). A avaliação serve para medir e classificar a aprendizagem dos alunos para determinar seu prosseguimento nos estudos. É preciso garantir que os alunos deem respostas corretas, pois o erro é indicador de não aprendizagem.

8 respostas (24%)

A avaliação é uma forma de acompanhamento da aprendizagem, servindo como ferramenta a favor da identificação dos conhecimentos que a criança adquiriu. O erro é um indicador da forma como os alunos pensam determinado conhecimento.

26 respostas (76%)

Quadro 11 - Respostas à Questão 8

Questão 8: Qual das afirmações define melhor a concepção de avaliação defendida pelo PNAIC?

Afirmações Quantidade

É preciso avaliar a prontidão do aluno (coordenação motora, discriminação auditiva e visual, etc.). A avaliação serve para medir e classificar a aprendizagem dos alunos para determinar seu prosseguimento nos estudos. É preciso garantir que os alunos deem respostas corretas, pois o erro é indicador de não aprendizagem.

21 respostas (62%)

A avaliação é uma forma de acompanhamento da aprendizagem, servindo como ferramenta a favor da identificação dos conhecimentos que a criança adquiriu. O erro é um indicador da forma como os alunos pensam determinado conhecimento.

13 respostas (38%)

Fonte: Produção própria

Como já afirmado anteriormente, ter participado das duas formações sem serem convidados a aprofundar seus conhecimentos sobre a matriz teórica dos dois Programas acaba por expor e fragilizar mais o professor em suas relações institucionais, pois lhes é negado o

direito a obtenção de um saber importante, para um bom desempenho de suas funções e para sua autonomia profissional.

Como afirmava Soares (2003, p. 19), “[...] os alunos, os pais desses alunos e a sociedade estão sendo desrespeitados. Estamos iludindo-os ao dizer que essas crianças e esses jovens estão aprendendo a ler e a escrever, quando na verdade não estão.” Sendo assim, diante dessa realidade percebida pela autora há mais de dez anos e que, arriscamos em dizer, não está muito diferente hoje, é proposto: “Se antigamente havia método sem teoria, hoje temos uma teoria sem método. E é preciso ter as duas coisas: um método fundamentado numa teoria e uma teoria que produza um método.” (SOARES, 2003, p. 17). E como complemento, adverte:

Entretanto, voltar para o que já foi superado não significa que estamos avançando. Avançamos quando acumulamos o que aprendemos com o passado, juntando a ele as novidades que o presente traz. Estamos no momento crítico desse avanço. [...] Estamos na fase da reinvenção da alfabetização. (SOARES, 2003, p. 20).

Ao perceber a confusão teórica a que os professores da rede estadual de Mato Grosso do Sul ficaram expostos, sem que lhe fossem dadas oportunidades reais de estudo e aprimoramento teórico, que trouxesse avanços em suas práticas, entendemos que essa reinvenção da alfabetização a que Magda Soares se refere, infelizmente, não está sendo muito democrática. Ela tem ocorrido nos embates teóricos, nas academias, nos artigos científicos, nos congressos de leitura e alfabetização, nacionais e internacionais, mas não tem chegado até a sala de aula. Ali tem chegado os respingos dessa “disputa”, que longe de ser apenas de “métodos”, envolve concepções educacionais, visões de educação, homem e sociedade, assim como da profissão docente. Ou como assegura Zeichner (1998), envolve questões de poder, privilégio, voz e status na pesquisa educacional.

Enquanto continuar prevalecendo a ideia de que o professor é um mero executor do que foi pensado, estudado e teorizado externamente à escola, continuarão a ocorrer situações como observamos com os resultados desta pesquisa.

Afora os inúmeros pontos divergentes entre os Programas aqui apresentados, o gráfico 2 apresenta as respostas dos professores quanto à compatibilidade entre os dois programas:

Gráfico 2 - Compatibilidade entre os Programas

Fonte: Produção própria

Na amostragem desta pesquisa, não foram encontrados pelos professores pontos de divergência entre os programas. Se considerarmos as respostas “perfeitamente compatíveis” e “parcialmente compatíveis” obteremos 85% dos professores endossando o que diz a SED: essa mistura é possível, contra 15% de professores que perceberam a incompatibilidade dos programas. Entre estes 15% encontra-se uma professora que, sem que eu tivesse conhecimento do que se tratava, ao entregar ao seu coordenador pedagógico o questionário a ser devolvido, grampeou junto uma cópia de uma representação junto ao Ministério Público movida por ela contra o Programa Além das Palavras. A professora, inclusive, colocou um bilhete para a pesquisadora dizendo que gostaria muito de saber o resultado da pesquisa e que esperava que esta movesse a SED a tomar alguma atitude. Sabendo das limitações do alcance de um trabalho como este, receamos que as expectativas dessa professora estejam demasiadamente altas...

Por fim, na 10ª questão, foi perguntado aos professores que, se tivessem a opção de escolher apenas um dos dois programas, qual seria sua escolha. As respostas indicaram, conforme demonstra o gráfico abaixo, que o modelo do PNAIC foi o que mais se aproximou do que os professores desejavam, embora saibamos que este não tenha sido apresentado aos professores da rede estadual conforme foi idealizado por seus organizadores. Talvez pelos

50% 35%

15%

Compatibilidade entre os Programas

Perfeitamente compatíveis. Parcialmente compatíveis. Totalmente incompatíveis.

livros literários recebidos, talvez pela bolsa-auxílio (quem sabe?), talvez por outros motivos não alcançados pela nossa leitura dos dados, quase a metade dos participantes assinalou Pacto, como representa o gráfico 3:

Gráfico 3 - Qual programa você escolheria?

Fonte: Produção própria

A outra metade dos entrevistados se dividiu entre o Além das Palavras e nenhum. O que isto quer dizer? A nós, nos parece que significa, mais do que tudo, que não houve convencimento, ainda, dos professores, quanto à validade de um ou outro programa. E, principalmente, que ainda há um longo caminho a percorrer para se alcançar a autonomia profissional docente.

Encerramos essa seção da nossa pesquisa com o pertinente argumento de José Contreras, retirado do livro A autonomia dos professores (2002), não à guisade conclusão das reflexões iniciadas aqui; antes, como um elemento a mais para suscitar outras e diferentes reflexões sobre essa “tela abstrata” que é a educação escolar. Uma tela que não provoca apenas um, mas vários pontos de vista, ou vistas de um ponto:

Os processos de racionalização do trabalho do professor, a separação da concepção e da execução não significam apenas uma dependência dos professores em relação às diretrizes externas, mas este processo de dependência externa se produz necessariamente ao preço da coisificação dos valores e das pretensões educativas. Um aumento da regulamentação prescrita da prática docente, no contexto das formas burocráticas que dominam as relações institucionais, exige necessariamente um aumento da

30%

49% 21%

Qual programa você escolheria?

Programa Além das Palavras

PNAIC

prescrição indiscutível dos resultados para que possam agir de maneira efetiva como critérios de controle no cumprimento das referidas prescrições. Isso significa que os valores educativos, que guiam teoricamente a prática de ensino, transformam-se em condutas e resultados previstos. (CONTRERAS, 2002, p. 194).

Seja no Programa Além das Palavras/Alfa e Beto, seja no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, não serão percebíveis esses processos de racionalização do trabalho do professor? Será que as pretensões educativas não estão sendo coisificadas nos dois casos? Os resultados previstos e esperados, nos dois programas, medidos pelas avaliações externas (em um o teste de leitura e fluência, em outro Provinha Brasil e ANA) não acabam sendo critérios de controle se estas prescrições estão sendo cumpridas? Há muito que refletir sobre essas questões, e nos perguntamos: é justo que o professor não participe ativamente destas reflexões?

No documento Dissertação de Sandra Novais Sousa (páginas 130-136)