• Nenhum resultado encontrado

Pincéis e tintas na mão, mas a tela é sua! Formação no PNAIC

No documento Dissertação de Sandra Novais Sousa (páginas 108-112)

3 UMA TELA, DUAS TÉCNICAS: ANÁLISE DA MATRIZ TEÓRICA DO

3.5 Outro tom, outras nuances: entra em cena o PNAIC

3.5.5 Pincéis e tintas na mão, mas a tela é sua! Formação no PNAIC

A formação dos professores alfabetizadores é uma das principais estratégias de ação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Diferentemente do proposto no Além das Palavras, quando a formação é realizada em “[...] dois momentos durante o ano letivo: no decurso do 1º e do 3º bimestre." (MATO GROSSO DO SUL, 2012a, p. 19). Os encontros são realizados com representantes do Instituto, da editora e da equipe do Programa Além das Palavras na SED sendo ainda que “[...] cabe aos coordenadores de área estabelecer essa parceria com os professores numa relação de trocas que possibilite a sua profissionalização [...]” (MATO GROSSO DO SUL, 2012a, p. 18).

A formação no PNAIC é realizada por meio de um curso organizado em oito unidades com temas relacionados à alfabetização. Cada unidade é trabalhada em oito ou dez horas, em encontros presenciais com professores que atuam no 1º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental, em classes divididas por ano de ensino. Nesses encontros, os professores leem e debatem, com seus pares, os temas propostos pelo formador. (BRASIL, 2012d, p. 19).

Em material disponibilizado aos participantes do PNAIC, o Ministério da Educação apresenta como princípios e estratégias formativas nas ações do Pacto: a prática da reflexividade, a mobilização dos saberes docentes, a constituição da identidade profissional, a socialização, o engajamento e a colaboração. De acordo com o referido documento, “[...] dependendo da concepção, dos objetivos e das estratégias de formação [...] os professores poderão integrar-se a esse processo de modo ativo, ou não.” (BRASIL, 2012d, p. 12). Assim, para que haja essa integração, o MEC recomenda que se olhe “[...] para os professores sob o ponto de vista cultural e subjetivo”, compreendendo que estes não participam dessas ações apenas como receptores de conteúdos, mas como sujeitos que mobilizam estes conhecimentos ou conteúdos a partir das referências do seu cotidiano pessoal e profissional (BRASIL, 2012d, p. 12).

Apresentado no caderno de formação do PNAIC como um dos seus “autores, leitores críticos e apoio pedagógico” (BRASIL, 2012d, n.p.), Artur Gomes de Morais ressalta:

Ao assumir oficinas, encontros ou mesmo programas de formação continuada, muitas vezes os pesquisadores ou formadores desejam que aqueles docentes com quem trabalham abandonem, muito rapidamente, seus saberes e crenças, e aceitem - passiva ou pacificamente - concepções e propostas de ensino de alfabetização com as quais nem sempre estavam familiarizados. Noutras palavras, para não sermos contraditórios, em lugar de simplesmente atribuir “resistências” aos alfabetizadores e demais docentes, temos que considerar que, tal como todos os aprendizes, eles vivem singulares processos de apropriação ou reconstrução do saber. (MORAIS, 2010, p. 33).

Desta forma, nos moldes do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, as situações formativas devem desafiar os professores a pensar suas práticas, buscar alternativas, como sujeito inventivo e produtivo, construtor e reconstrutor de suas práticas e não mero “[...] reprodutor de orientações oficiais” (BRASIL, 2012d, p. 20), de maneira que os professores não sejam “[...] repetidores em suas salas de aula daquilo que lhes foi aplicado na formação para orientar a sua nova prática” (BRASIL, 2012d, p. 27, grifo do autor), mas instigados a refletir sobre inovações que poderão aprimorar o seu fazer pedagógico cotidiano.

Sabemos, entretanto, que ainda que partindo da mesma proposta do MEC, não há um caráter uniforme nas formações do PNAIC realizadas em diferentes lugares, com diferentes

formadores, pois estes irão imprimir sua marca pessoal nas abordagens feitas durante o curso. Assim, em Mato Grosso do Sul, há diferenças significativas na dinâmica da formação feita pela rede municipal (que não adota o Além das Palavras) e na rede estadual (que convive com os dois programas). Em uma das narrativas produzidas pelos professores nos Ateliês Biográficos12, uma professora relata que nas formações do Pacto das quais ela participou, pela rede estadual de ensino, os formadores “[...] repetiam o tempo todo: é para continuar com o Além das Palavras. Não é para ficar vendo níveis de escrita, isso não existe. O método do Programa é o que continua valendo. Não é para parar o Programa.” (Prof.ª DI CAVALCANTI).13 Comparativamente, observamos uma abordagem menos prescritiva no relato de outra professora, que por trabalhar também na rede municipal, havia iniciado sua formação no PNAIC por essa rede:

Temos que ler muito. Eu achei que iam me dar tipo uma receitinha: Quando o aluno está pré-silábico, aplique esta e esta atividade. Mas não foi assim. Estamos discutindo e debatendo como a criança aprende; o que é alfabetização e letramento; e como o professor pode agir como mediador da aprendizagem. (Prof.ª PABLO PICASSO).

Percebemos que, apesar do material utilizado ser o mesmo, ou seja, os cadernos de formação do PNAIC, disponibilizados pelo MEC, mudam-se os direcionamentos quando as concepções de alfabetização, letramento e formação de professores são diferentes. Os formadores, assim como os professores, possuem saberes e conhecimentos que provocam reações quanto ao conteúdo abordado nas apostilas. Como bem aponta Artur Gomes de Morais:

É necessário reconhecer que muito precisa ser feito no sentido de assumir como política de estado a formação continuada dos professores, em especial a dos que se dedicam à alfabetização. Os esforços feitos nos últimos anos parecem-nos ainda insuficientes para dar conta da gravidade da questão. Acreditamos que é hora de termos políticas federais, estaduais e municipais que garantam a real formação continuada dos professores da educação básica. Para que essas não funcionem como apêndices ou ações descartáveis dos sistemas de ensino, é urgente priorizar a formação dos formadores de professores, em cada âmbito local. (MORAIS, 2006, p. 12).

Desta forma, entender a formação de professores numa perspectiva que exceda “[...] a delimitação oficial de objetivos” que evidenciaram a qualidade da educação, definidos pelas

12O próximo capítulo apresentará os ateliês biográficos e o uso das narrativas de si, utilizadas nesta dissertação

como metodologia de pesquisa e de (auto)formação.

13Para preservar a identidade dos participantes do grupo focal, os professores escolheram como pseudônimos

instituições formadoras, significa ultrapassar o “[...] modelo de expert técnico”, considerando que o professor deveria ter condições de se situar “[...] diante de conflitos e responsabilidades morais, diante da necessidade de encontrar uma resposta entre as exigências administrativas, os interesses da comunidade e as necessidades dos alunos." (CONTRERAS, 2002, p. 104).

Diante disso, encontramos nos cadernos de formação do Pacto, o alerta de que:

[...] a formação continuada necessita de uma atenção diferenciada por envolver sentimentos e comportamentos profissionais e pessoais, como o prazer e o desprazer em ser e estar docente. Desse modo, não considerar alguns aspectos essenciais envolvidos nesse processo pode direcionar os esforços destinados à formação, justamente para o sentido contrário, pois trabalhar com os profissionais em serviço é, sobretudo, administrar diferentes saberes e procedimentos que os levem a um novo pensar e fazer a partir de diferentes processos, considerando os percursos individuais e sociais. (BRASIL, 2012d, p. 12).

Apresentando, portanto, o argumento de que é necessário “[...] olhar para os professores sob o ponto de vista cultural e subjetivo” (BRASIL, 2012d, p. 13), o PNAIC elenca os principais conceitos que serviriam de base para a formação de professores, a saber: a) o princípio da reflexividade “[...] fundamentada principalmente em uma análise das ferramentas conceituais, que são categorias construídas a partir dos estudos científicos”; b) a mobilização dos saberes docentes, que seriam as “[...] diferentes esferas do conhecimento em jogo”, como “o conhecimento científico, as proposições didático-metodológicas formalizadas ou divulgadas pelos pesquisadores, os conhecimentos transversais, dentre outros” (BRASIL, 2012d, p. 14); c) a constituição de uma identidade profissional; d) a socialização, que seria “[...] a troca de turnos entre os pares, a argumentação e, sobretudo, a intervenção com colegas e com alunos” (BRASIL, 2012d, p. 17); e) o engajamento, conseguido quando se consegue “[...] provocar o professor com diferentes desafios e questionamentos, valorizando o conhecimento e o saber que ele já traz” (BRASIL, 2012d, p. 18); f) a cooperação (BRASIL, 2012d, p. 13-18), sendo que “[...] a partir da escuta dos sujeitos envolvidos no início, no meio e no final de cada etapa de formação, pode-se planejar e replanejar os próximos encontros e os programas de formação, tendo como perspectiva as necessidades e desejos dos professores.” (BRASIL, 2012d, p. 19).

Diante do exposto, percebemos que a formação contínua é ancorada em diferentes matrizes teóricas no Programa Alfa e Beto e no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. No Alfa e Beto, a formação é centrada na racionalidade, caracterizada pelo controle burocrático do trabalho dos professores e pela redução dos saberes necessários ao exercício da docência a certas habilidades ou competências técnicas, revestidas com uma roupagem de

recentes descobertas científicas. O professor, neste modelo, passa a ser um mero executor de uma prática (ou método) pensado por outro, expropriado de sua condição de sujeito do seu conhecimento. No Pacto, o modelo de formação idealizado, pelo menos teoricamente, pressupõe a valorização dos saberes dos professores, considerando-os como sujeitos protagonistas, capazes de produzir conhecimento, de participar das decisões que envolvem o gerenciamento de suas salas de aula e o seu desenvolvimento profissional.

Essas diferenças conceituais dos dois programas podem ser notadas até mesmo quando se observa o lugar de onde surgiram suas concepções. A proposta do Alfa e Beto nasce em um instituto particular que oferece pacotes educacionais a instituições públicas e privadas. A proposta do PNAIC nasce de uma parceria do MEC com Universidades públicas, a partir de estudos e pesquisas sobre formação e desenvolvimento docente.

No documento Dissertação de Sandra Novais Sousa (páginas 108-112)