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Os cuidados paliativos como possibilidade de reumanização da morte

2 BASES TEÓRICAS E CONCEITUAIS

2.2 O cuidado na morte e no morrer

2.2.5 Os cuidados paliativos como possibilidade de reumanização da morte

“A reverência pela vida exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir” (Rubens Alves).

As discussões em torno da dignidade de morrer, de acordo com Oliveira et al. (2009), apontam para a possibilidade de realizar novas práticas de cuidado a pacientes em processo de finitude que tenham a morte como algo que compõe o processo natural da vida, não na antecipação ou adiamento da finitude, mas na permissão de que ela aconteça quando for a hora. Nessa perspectiva, Pessini (2004, p.225) traz que:

a morte não é uma doença a curar, mas sim algo que faz parte da vida. Uma vez aceito esse fato que a cultura ocidental moderna tende a esconder e a negar, abre-se a possibilidade de trabalhar com as pessoas a distinção entre curar e cuidar, entre manter a vida quando isso é o procedimento correto e permitir que a pessoa morra quando sua hora chegou.

Segundo Menezes (2003), a partir da década de 60 os movimentos em prol dos direitos dos pacientes eclodiram com muita força e questionavam, dentre outras questões, a supremacia do saber médico e a medicalização e institucionalização da morte. Eram reivindicações em torno da dignidade da morte que propunham novas formas de tratamento ao paciente terminal e a transformação das relações entre os pacientes e os profissionais de saúde. Essa nova perspectiva inaugurou o que a autora chama de “morte contemporânea”, “neomoderna” ou “pós-moderna” (MENEZES, 2003), que está em contraposição aos modos de morrer modernos, discutidos em tópicos anteriores.

Na perspectiva da morte contemporânea, “o ideal é que o indivíduo que está a morrer tenha controle do processo de morte, realizando escolhas a partir das informações sobre as técnicas médicas e espirituais que considerar adequadas” (MENEZES, 2003, p.13). Nesta seara, os profissionais lidam com a finitude de outra maneira e buscam assistir ao paciente em todas as suas necessidades, para além das questões puramente biológicas, através do controle

da dor e da assistência multiprofissional atenta aos aspectos físicos, sociais, psíquicos e espirituais da família e do paciente.

Kübler-Ross (1998, 2008) e Saunders (1991) destacaram-se no processo de busca pela humanização da morte e da dignidade de morrer. Em estudos paralelos e, por vezes, compartilhados, ambas foram criando um movimento de discussões acerca do cuidado aos pacientes sem possibilidade de cura, que estavam se aproximando do momento derradeiro e precisavam de intensivos cuidados biopsicosocioespirituais. Kovásc (2009) chama esse movimento de reumanização da morte, haja vista que se refere a uma possibilidade de reaproximação das discussões sobre o tema através do cuidado a pessoas gravemente enfermas; além disso, promove uma prática humanizada de cuidado que dignifica o processo de morrer dos pacientes.

Acerca dessa problemática, é mister trabalharmos alguns conceitos importantes à nossa discussão. O primeiro deles é o conceito de eutanásia, que se refere à abreviação da vida, sendo uma aceleração do processo de morrer17. Já a distanásia é a manutenção dos tratamentos invasivos em pacientes sem possibilidade de cura, o que faz prolongar a vida em condições de extremo sofrimento; é considerada, assim, uma morte lenta e penosa. As práticas de distanásia são fruto da chamada obstinação terapêutica18 que pode ser definida como a utilização indiscriminada de processos terapêuticos que não produzem mudança no curso da doença e não trazem qualidade de vida aos pacientes, consideradas, assim, práticas desnecessárias e fúteis19. Por fim, traz-se o conceito de ortotanásia que se configura como a morte no tempo certo sem adiamentos ou abreviações, considerando-a um processo natural (KOVÁSC, 2012; PESSINI, 2001; PESSINI, 2009; PESSINI, 2014).

De acordo com Pessini (2009), a ortotanásia é sensível ao processo de reumanização da morte e se configura como o modelo almejado nos Cuidados Paliativos. Confirma Texeira (2015, p.196):

nesse contexto de absoluto respeito à vida e à morte; à dignidade e à autonomia da pessoa é indispensável a adoção de cuidados paliativos. A ortotanásia não tem por fundamento o abandono do paciente, mas sim estabelecer cuidados médicos e assistenciais na medida certa das necessidades do ser humano.

17 Ressalta-se que a legislação brasileira não permite a realização dessa prática.

18 Segundo Pessini (2014), o termo “obstinação terapêutica” foi inserido nas discussões médicas na década de 50

por Jean-Robert Debray.

19Kovásc (2010) aponta que o termo “tratamento fútil” foi cunhado pelo grupo Hastings Centers em 1987 no

O termo paliativo deriva de pallium que significa manto, coberta. Segundo o dicionário Aurélio, paliativo significa: remédio que não cura, mas mitiga a doença, recurso para atenuar um mal ou adiar uma crise, adiamento, disfarce, que serve para paliar. Comumente, associa-se, pejorativamente, o termo a algo não eficaz e realizado de má fé no sentido de não agir diretamente no problema. Segundo Pessini (2009), porém, o conceito vem sendo desmitificado no campo da saúde e hoje em dia já existe uma visão mais ampliada e menos preconceituosa acerca dele.

Os mantos eram usados nos Hospices para cobrir os peregrinos cristãos que cruzavam toda a Europa na época da Idade Média (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2009). Hospices, segundo a Academia Nacional De Cuidados Paliativos (2012), eram hospedarias regidas por religiosos destinadas a receber e cuidar de peregrinos e viajantes. Segundo Figueiredo e Figueiredo (2009), a palavra Hospice origina as demais: hospício, hospedaria, hospital, hospitalidade, hotel.

A história dos Hospices se origina no reinado de Constantino quando as primeiras casas para acolhimento de pobres e doentes foram fundadas. No século V, foi fundado o Hospício do Porto de Roma que abrigava peregrinos que chegavam da África e Ásia. Os hospícios medievais foram fundados pela Ordem dos Cavaleiros Templários que se destinava ao cuidado dos doentes, mas devido à falta de trato com as doenças e seus sintomas, essas instituições tiveram ênfase no apoio espiritual (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2009; ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2012). No século XVII várias instituições para abrigamento de pobres e doentes foram criadas na Europa. Com o movimento da Reforma e por conta do avanço do desenvolvimento da medicina como profissão e das tecnologias médicas, contudo, essas instituições com foco na dimensão do cuidado espiritual foram fechadas (ARECO, 2011).

Os chamados Hospices da Era Moderna só são criados em 1842 em Lyon na França e, posteriormente, na Irlanda e Inglaterra (ARECO, 2011). “As Irmãs de Caridade Irlandesas fundaram o “Our Lady’s Hospice of Dying” em Dublin em 1879 e a Ordem de Irmã Mary Aikenheads abriu o “St Joseph’s Hospice” em Londres em 1905” (ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2012, p.23). Foi neste último que trabalhou Cicely Saunders pelo período de sete anos, sendo esta considerada a grande responsável pelo desenvolvimento dos Cuidados Paliativos (PESSINI; BERTACHINI, 2014; MENEZES, 2004; KOVÁSC, 2012). Cicely Saunders nasceu em Londres em 1918, formou-se em enfermagem e, por problemas na coluna, deixou de exercer a profissão e graduou-se posteriormente em Serviço Social. No exercício da nova ocupação, ela conheceu David Tasma, um judeu acometido pelo

câncer que morria sozinho e com grande sofrimento. Os dois desenvolveram uma relação muito afetuosa e próxima, o que despertou nela o desejo de cuidar com dignidade dos pacientes que estavam morrendo. David doou a quantia de 500 libras para que ela iniciasse a construção de um espaço que aliasse tecnologia médica e envolvimento pessoal no cuidado às pessoas em finitude. Em 1957, aos 40 anos, Saunders graduou-se em Medicina. Iniciou seu trabalho como médica com pacientes moribundos, dedicando-se principalmente ao estudo do controle da dor. Sobre essa experiência, tem-se a exposição (ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2012, p.24):

Cicely Saunders relata que a origem do Cuidado Paliativo moderno inclui o primeiro estudo sistemático de 1.100 pacientes com câncer avançado cuidados no St. Joseph’s Hospice entre 1958 e 1965. Um estudo descritivo, qualitativo foi baseado em anotações clínicas e gravações de relatos de pacientes. Este estudo mostrou o efetivo alívio da dor quando os pacientes foram submetidos a esquema de administração regular de drogas analgésicas em contrapartida de quando recebiam analgésicos “se necessário”.

Em 1959, Saunders iniciou a construção de um Hospice para cuidados integrais de pessoas acometidas com câncer em estado avançado e gravemente enfermas. Fundou em 1967 o “St. Christopher’s Hospice”, cuja estrutura permite a assistência aos doentes, além do desenvolvimento de ensino e pesquisa com grande repercussão mundial. (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2009; ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2012; KOVÁSC, 2012). A partir da experiência no St. Christopher’s Hospice, profissionais de saúde de outros países levaram as discussões sobre esse novo modelo de saúde e iniciaram o desenvolvimento de serviços de cuidados paliativos nos seus locais de trabalho. Na década de 1970, deu-se o encontro de Cicely Saunders com Elisabeth Klüber-Ross e houve um exponencial crescimento nas discussões acerca do cuidado na morte e no morrer, além do desenvolvimento dos Cuidados Paliativos nos Estados Unidos (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 2009; ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2012). Desta forma, a instauração de equipes de cuidados paliativos em todo o mundo inaugurou o chamado Movimento Hospice Moderno.

No ano de 1990 a OMS publicou sua primeira definição de Cuidados Paliativos:

cuidado ativo e total para pacientes cuja doença não é responsiva a tratamento de cura. O controle da dor, de outros sintomas e de problemas psicossociais e espirituais é primordial. O objetivo do Cuidado Paliativo é proporcionar a melhor qualidade de vida possível para pacientes e familiares.

Essa definição foi revisada em 2002, sendo a definição utilizada atualmente. Segundo a definição da OMS (2002), Cuidado Paliativo é:

uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento. Requer identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.

Os Cuidados Paliativos abrangem diversas especialidades e seguem princípios definidos pela OMS em 1986 e reafirmados em 2002. Esses princípios são: promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis; afirmar a vida e considerar a morte um processo natural; não acelerar nem adiar a morte; integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente; oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível até o momento da sua morte; oferecer abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo acompanhamento no luto; melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença. Além desses, podem ainda ser citados: iniciar o mais precocemente possível o Cuidado Paliativo juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, como quimioterapia e radioterapia, no caso do câncer; e, por fim, incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas estressantes (ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS, 2012).

De acordo com Iglesias et al (2017), os princípios dos cuidados paliativos estão muito bem definidos e consolidados e foram, então, adaptados para a população pediátrica. Estes princípios aplicados a especificidade da faixa etária em questão são: os cuidados devem ser dirigidos à criança ou adolescente, orientados para a família e baseados na parceria; devem ser dirigidos para o alívio dos sintomas e a qualidade de vida; são elegíveis a todo paciente pediátrico que sofra de doenças crônicas, terminais ou ameaçadoras de vida; devem ser adequados à criança e à sua família; podem ocorrer concomitantemente a uma proposta curativa; não se destinam a abreviar a vida; podem ocorrer no hospital, domicilio, clínica ou ambulatório; devem estar de acordo com as crenças das famílias e da criança; devem ocorrer de forma multiprofissional; devem ter obrigatoriamente a participação dos usuários nas decisões; devem estar disponível por todo o tempo necessário; não necessitam de determinações expressas de não ressuscitar e não ocorrem apenas quando a expectativa de vida está abreviada.

A indicação para os Cuidados Paliativos dá-se para pacientes com doença grave progressiva sem possiblidade de tratamento modificador da enfermidade. De acordo com o Manual de Cuidados Paliativos da Academia Nacional De Cuidados Paliativos (2012), essa prática não trata de protocolos ou técnicas, mas de princípios. Neste contexto de cuidado, não se utiliza mais o termo doente terminal, mas sim, paciente com doença que ameaça a vida, e,

principalmente, afasta-se a ideia de que “não há mais nada a fazer”, tendo em vista que quando as possibilidades curativas se esgotam, inicia-se um processo de controle dos sintomas e tratamento das questões sociais, psíquicas e espirituais que, segundo Arantes (2016), é uma fase de cuidados extremamente ativa e engajada. Destaca a autora (2016, p.46):

Os Cuidados Paliativos podem ser úteis em qualquer fase da doença, mas sua necessidade e seu valor ficam muito mais claros quando a progressão atinge níveis elevados de sofrimento físico e a medicina [curativa] nada mais tem a oferecer. Fecha- se, assim, o prognóstico e anuncia-se a proximidade da morte. Os médicos profetizam: “Não há nada mais a fazer”. Mas eu descobri que isso não é verdade. Pode não haver tratamentos disponíveis para a doença, mas há muito mais a fazer pela pessoa que tem a doença.

Da mesma forma, Kovásc (2012, p.111-112) analisa essas expressões:

O rótulo “paciente terminal” é usado de forma estereotipada para pacientes que apresentam doenças com prognóstico reservado, mesmo que estejam em fase de diagnóstico e tratamento [...] O problema desse rótulo é a estigmatização do paciente, que se vê inserido naquela situação em que se diz: “Não há mais nada a fazer...”, num processo de desinvestimento e desligamento, como se ele fosse morto ainda em vida. Este nada mais a fazer pode estar vinculado a procedimentos que possam tratar da cura física do corpo ou eliminação da doença, mas certamente não se refere a toda uma outra área de cuidados, vinculada simultaneamente às esferas física, psíquica, social e espiritual, controlando sintomas e promovendo qualidade de vida.

Para Kóvasc (2012), o movimento dos cuidados paliativos, por não adiar e nem retardar a finitude, favorece a vivência da boa morte, no tempo certo; criando um espaço favorecedor de reencontros, despedidas e fechamentos, resgatando a humanidade daqueles que estão em processo de morte e os oferecendo cuidado, afeto e empatia.

Os primeiros serviços de Cuidados Paliativos surgiram no Brasil em 1980 (ARECO, 2011). Apesar do constante crescimento, sabe-se da incipiência do movimento comparada à necessidade de equipes especializadas no trato com a morte que possam dispensar uma atenção humanizada e pautada na ética e no respeito pelo outro (MELO, 2001). Tal fato se confirma, por exemplo, no resultado que o Brasil atingiu em uma pesquisa realizada em 2010 pela agência britânica The Economist Intelligence Unit sobre Qualidade de Morte: o Brasil foi apontado como o 3º pior lugar do mundo para se morrer. A mesma pesquisa foi repetida em 2015 e dos 80 países avaliados, o Brasil ficou na 42ª posição20. A partir dos resultados, percebe- se a melhoria que ocorreu, mas ainda se aponta a necessidade de fortalecer os programas de

20 O relatório final da pesquisa de 2015 pode ser encontrado no site:

Cuidados Paliativos através de políticas públicas efetivas e avanços nos marcos legais em relação ao tema, além do investimento na formação dos profissionais de saúde21.

Destacam-se, ademais, algumas importantes resoluções que têm contribuído de forma considerável para as mudanças de atitude em relação ao cuidado a pacientes em vulnerabilidade extrema vivenciando a experiência de morte iminente. Em 2007, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução de número 1.826/07 que dispõe sobre a legalidade e o caráter ético da suspensão dos procedimentos de suportes terapêuticos quando há a determinação de morte encefálica de indivíduo não doador. Como já discutido acerca da morte encefálica, sua irreversibilidade autoriza, legal e eticamente, o médico a retirar o suporte terapêutico utilizado. A resolução em questão é considerada um grande avanço em relação às práticas obstinadas pela cura.

No ano de 2009, foi homologado o novo código de ética médica através da Resolução CFM nº 1.931/09 que traz como um dos seus princípios fundamentais que nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. Destaca, contudo, que é vetado ao médico abreviar a vida do paciente (praticar a eutanásia), ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Recentemente, em outubro de 2016, o CFM publicou a Resolução de número 2.156/16 que estabelece os critérios de admissão e alta em unidade de terapia intensiva (UTI), considerando a condição especial dos pacientes em estado avançado da doença sem possiblidade de tratamento modificador da enfermidade. A resolução dispõe que, nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis, sem realizar ações inúteis ou obstinadas, levando em consideração a vontade do paciente ou a de seu representante legal. Aponta que o tratamento em unidades de terapias intensivas deve ser destinado ao atendimento a pacientes graves e de risco com probabilidade de sobrevida e recuperação que exijam assistência médica ininterrupta, além de recursos tecnológicos e humanos especializados. Considera no artigo 06 que os pacientes em fase de terminalidade ou moribundos sem possibilidade de recuperação não são apropriados para admissão na UTI

21 Não foi encontrado nenhum documento oficial que sistematizasse os serviços existentes no Brasil atualmente.

Figueiredo e Figueiredo (2009) trazem a listagem de serviços existentes em 2009, mas considera-se que, apesar da relevância dos dados, eles se mostram obsoletos. Encontrou-se uma entrevista na Folha de São Paulo com a presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, na qual foi estimada a existência de mais de 100 programas de Cuidados Paliativos em 2014. Para mais dados sobre a entrevista, segue o link: http://www1.folha.uol.com.br/seminariosfolha/2014/03/1432699-cuidado-paliativo-na-saude-avanca-no-brasil- mas-ainda-e-isolado.shtml.

(exceto se forem potenciais doadores de órgãos). No entanto, seu ingresso pode ser justificado em caráter excepcional, considerando as peculiaridades do caso e condicionado ao critério do médico intensivista. Destaca ainda que esses pacientes devem ser tratados em unidades de cuidados paliativos.

Nas discussões acerca dos Cuidados Paliativos, Pessini (2001) defende que há dois paradigmas vinculados ao fazer em saúde: o curar e o cuidar. Quando o investimento é apenas na cura, a morte é percebida como inimiga e deve ser combatida a todo custo, não havendo espaço para se falar ou se trabalhar o tema. Já quando o foco é o cuidado, a morte, mesmo com dor e sofrimento, passa a ser compreendida como parte da condição humana, compreendendo- se que o sujeito não se limita a sua doença e suas outras questões são valorizadas e trabalhadas em equipe; voltando-se, portanto, para a multidimensionalidade do processo de morte e morrer. Deste modo,

o cuidado deve sempre ter prioridade sobre a cura pelas razões mais óbvias: nunca existe uma certeza de que nossas doenças possam ser curadas ou que nossa morte possa ser evitada. Eventualmente elas podem e devem triunfar. Nossas vitórias sobre a doença e a morte são sempre temporárias, mas nossas necessidades de apoio, cuidado diante delas, são sempre permanentes. (PESSINI, 2001, p.218)

Há uma fábula, de Higino, datada no século 17 D.C. e traduzida por Leonardo Boff (1999), que demarcaria o surgimento da esfera do cuidado na história da humanidade:

Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo, teve uma ideia inspirada: tomou um pouco de barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter. Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele, o que Júpiter fez de bom grado.

Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que fosse imposto o seu nome. Enquanto Júpiter e o Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis, também ela, conferir o seu nome à criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da Terra. Originou-se, então, uma discussão generalizada. De comum acordo, pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão, que pareceu justa.

“Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta, este espírito por ocasião da morte dessa criatura. Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta, o seu corpo quando essa criatura morrer. Como você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela viver. E uma vez que, entre vocês, há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil” (GUAZINA, 2009,