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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.4 Tendências da Educação Ambiental no Brasil

2.4.6 Os Estudos Culturais como nova tendência da Educação Ambiental

Para compor este subtópico optei por dois movimentos: o primeiro, uma recuperação histórica dos Estudos Culturais e seu acoplamento à EA; o segundo, uma reflexão sobre a condição dos Estudos Culturais enquanto fundamento para a constituição de uma nova tendência da EA.

Conforme Costa et al. (2003) os Estudos Culturais se desenvolveram principalmente na Inglaterra em meados do século XX como um grande movimento intelectual, de caráter político e teórico, visando a problematização da cultura, acolhendo e valorizando, não com pouca resistência e também contradições, a experiência, a diversidade e a produção cultural das pessoas comuns. Conforme Ecosteguy (1998, p. 88), seu viés político justifica-se por sua “identificação com a política cultural dos movimentos culturais da época de seu surgimento”; seu viés teórico justifica-se pela “insatisfação com os limites de algumas disciplinas, propondo a interdisciplinaridade. É um campo de estudos onde diversas disciplinas se interseccionam no estudo de aspectos culturais da sociedade.”

Segundo as autoras citadas, o ponto de partida e de sustentação que tornou possível os estudos culturais foi mudança de entendimento de cultura, promovido por pensadores como Richard Hoggart, Raymond Williams, Edward Palmer Thompson e Stuart Hall. A cultura, segundo Costa et al. (2003), “deixa, gradativamente, de ser domínio exclusivo da erudição, da tradição literária e artística, de padrões estéticos elitizados e passa a contemplar, também, o gosto das multidões.” Entretanto, além do sentido de valor, a cultura também passa a ter sentido de lugar, visto que “é na esfera cultural que se dá a luta pela significação, na qual os

grupos subordinados procuram fazer frente à imposição de significados que sustentam os interesses dos grupos mais poderosos.” Conforme Lima (2010):

Os Estudos Culturais não criaram o conceito de cultura, mas puseram-no no centro. Talvez tenham deslocado o conceito de classe social, do marxismo ortodoxo, para entronizar a cultura. Daí, a cultura ser vista pelos Estudos Culturais como o campo de batalha das questões de poder (p. 86).

Conforme Guimarães; Silva (2008, p. 87) assumir a centralidade da cultura é aceitar que “há uma multiplicidade de formas de ver, ler, narrar e se relacionar com a natureza.” Ainda segundo ele, “essas diferenças são construídas histórica e culturalmente. E mais, não há uma única forma, também, quando focamos um mesmo período ou uma aparente mesma conformação cultural” (p. 88).

A revisão no conceito de cultura atribuiu novo sentido aos objetos cotidianos, conforme afirmam Costa et al. (2003):

Um noticiário de televisão, as imagens, gráficos etc. de um livro didático ou as músicas de um grupo de rock, por exemplo, não são apenas manifestações culturais. Eles são artefatos produtivos, são práticas de representação, inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é negociado e as hierarquias são estabelecidas (p. 38).

É importante destacar que a vinculação de alguns intelectuais do movimento à tradição marxista foi importante para a constituição dos estudos culturais, porém, acabou por significar um problema, visto sua preocupação central serem os elementos da cultura, da ideologia da linguagem e do simbólico (COSTA, et al., 2003). A partir dos anos 80, outras influências irão sacudir o campo dos estudos culturais, embora suas origens ainda possam ser percebidas em muitos trabalhos. Para Escotesguy (1998):

Desponta a influência de teóricos franceses como Michel De Certeau, Michel Foucault, Pierre Bourdieu, entre outros. Dá-se a internacionalização dos estudos culturais. Tornam-se escassas as análises onde as categorias centrais são “luta” e “resistência” e, para alguns analistas, é o início da despolitização dos estudos culturais (p. 91).

Várias pesquisas relacionando Estudos Culturais e EA vem sendo desenvolvidas no Brasil, algumas delas apresentadas a seguir.

Kauffmann (2009) investigou a cultura ambiental promovida pela ação intensa da mídia, “devido seu papel de destaque como mediadores dos discursos sociais, portanto,

contribuintes na formação das culturas” (p. 1). Para a autora, os Estudos Culturais permitem “estender o entendimento do sujeito e de sua subjetividade e quebrar a barreira entre as culturas ditas alta e baixa, o que é fundamental para pensarmos a cultura ambiental, já que a busca da sensibilização independe de classes” (p. 9).

A pesquisa de Guimarães et al. (2009) intitulada “Narrativas sobre um bosque e um rio: multiplicidades culturais em práticas educativas”, teve como objetivo compreender a relação construída entre sujeitos e lugares cotidianos. O autor parte do pressuposto de que tal relação é construída a partir das práticas estabelecidas com esses lugares. Conforme o autor, “enxergamos um bosque ou um rio a partir das histórias que nós mesmos contamos e que estão vinculadas com aquelas que escutamos”.

Em outro trabalho, intitulado “Educação Ambiental e Literatura: narrativas sobre a floresta”, o autor analisa os efeitos pedagógicos nas narrativas sobre floresta amazônica no início do século XX, a partir da literatura de viagem de Euclides da Cunha. Segundo o autor, “argumenta-se que os animais que habitavam a floresta naqueles tempos foram discursivamente silenciados.” (GUIMARÃES, 2009, p.153).

Sampaio; Wortmann (2004) pesquisaram a formação de identidades de professores/educadores ambientais em um curso de formação continuada oferecido pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre/RS. O curso citado é considerado pela autora como um artefato, um texto cultural, assim como a própria EA:

A Educação Ambiental, ao produzir significados que influenciam, ou mesmo regulam condutas e valores, penetrando na vida 'concreta' das pessoas - na mídia, nas escolas, nos lares -, pode ser entendida como uma produção cultural. As lutas por imposição de significados, tanto entre as diversas tendências da EA, quanto em relação a outros discursos e práticas, participam da configuração desse território contestado que é a cultura (p. 5). As pesquisas citadas acima chamam a atenção para a nova fase internacional e despolitizada dos Estudos Culturais a partir dos anos 80, a qual deve ser percebida com cautela (ESCOSTEGUY, 1998). Conforme a autora:

Stuart Hall reconhece este redirecionamento no campo dos estudos culturais. Mesmo que as questões em torno da subjetividade e das identidades, temáticas em foco hoje nos cultural studies, tenham muitos aspectos relevantes, Hall considera esta tendência socialmente estreita (p. 94).

No artigo intitulado “Pesquisas em Educação Ambiental: olhares atentos à cultura”, o posicionamento de Guimarães (2007) justifica a preocupação de Escosteguy (1998) em relação à despolitização dos Estudos Culturais:

Quero marcar, que este texto não se pautará em questões do tipo “o que” e “como” fazer educação ambiental. Aliás, acredito ser muito mais interessante nos perguntarmos sobre “quais” são as ações que usualmente temos considerado serem em educação ambiental. (...) Na perspectiva que assumo, a linguagem é tomada como constitutiva das coisas do mundo e não, apenas, como uma mediadora das nossas relações com o mundo (p. 238).

Ainda em relação ao posicionamento de Guimarães, o mesmo afirma que foi possível apresentar um “panorama geral de algumas pesquisas em educação ambiental que tentam fazer aflorar discussões mais distanciadas dos propósitos transformadores mais usuais dos quais essa área tem sido incumbida” (p. 245).

Em 2010, por ocasião do V Encontro de Pesquisa em Educação Ambiental, o sociólogo Renato Ortiz se referiu à ambição teórica dos Estudos Culturais em se constituírem teórico-metodologicamente como a Antropologia e a Sociologia. Conforme o autor:

Existiu no passado um debate a respeito de uma eventual Teoria da Cultura, que atualmente emerge no campo dos Estudos Culturais. Alguns antropólogos acreditavam ser possível delimitar uma esfera da sociedade, a cultura, e considerá-la como um objeto singular, portanto passível de constituir uma disciplina. Não deu certo. Como dizia a escola antropológica britânica, criticando esta ambição dos antropólogos culturalistas norteamericanos: para que isso pudesse acontecer a cultura deveria ser retirada da economia e das relações sociais. Por isso acredito que não exista uma epistemologia dos Estudos Culturais, embora, enquanto área de

conhecimento, nela muitas coisas interessantes possam ser realizadas (ORTIZ, 2009, p. 20).

A partir das pesquisas apresentadas, é possível perceber que os Estudos Culturais podem ser importantes para o desenvolvimento da EA, podendo desempenhar, conforme Lima (2010), “um papel relevante na compreensão e na interpretação dos novos e vertiginosos fenômenos sócioculturais que desnorteiam as disciplinas tradicionais” (p. 92). Entretanto, a centralidade na categoria cultura e a recente ênfase na subjetividade e nas identidades podem dificultar a inserção dos Estudos Culturais no ambiente da EA brasileira, notadamente crítica.

3 RESULTADOS

3.1 Criação/Implementação da disciplina

Para constituição do primeiro tópico deste caso em estudo, procedi à leitura do Projeto Pedagógico do curso, o qual estava disponível na secretaria do Instituto de Biologia, na versão impressa. Além de aspectos gerais do documento, discutirei na sequência as matrizes curriculares das três modalidades oferecidas – bacharelado, licenciatura e integral13 (anexo 1)

e a Ficha da Disciplina EA (anexo 2).

O curso de Ciências Biológicas da UFU iniciou em 1970 com a modalidade licenciatura curta, passando a licenciatura plena em 1987. Em 1992, o bacharelado foi instituído como modalidade. Nos últimos 40 anos, portanto, o curso vem provendo o mercado de Uberlândia e região com biólogos, professores de Ciências e Biologia, sendo sempre avaliado com nota máxima nos exames nacionais. Recentemente, muitos desses biólogos licenciados têm retornado ao seu curso de graduação na condição de professores substitutos e efetivos.

Em 21 de outubro de 2005, o curso aprovou um novo Projeto Pedagógico, atendendo às diretrizes nacionais para formação de professores, publicadas desde 2002 pelo Ministério da Educação (MEC). Essa revisão curricular ampliou a carga horária da formação pedagógica com redução da carga horária da formação específica. Embora não tenha sido uma exigência das diretrizes curriculares, foi nessa revisão curricular que o curso incluiu a disciplina EA na sua matriz curricular. Assim, a presença da EA no curso de Ciências Biológicas da UFU passou a ser garantida a partir de sua inclusão como uma disciplina obrigatória no novo projeto Pedagógico do curso. No primeiro semestre de 2006, o currículo novo entrou em vigor, prevendo a obrigatoriedade da disciplina citada, a ser cursada no sétimo período, com carga horária de 60 horas, divididas em 30 horas teóricas e 30 horas práticas.

No novo Projeto Pedagógico, a disciplina EA atingiu apenas a modalidade licenciatura e a modalidade integrada, não ocorrendo na modalidade bacharelado, sendo essa abrangência prevista pela PNEA. Embora a lei 9.795, que instituiu a PNEA em abril de 1999, não deixe dúvidas quanto à obrigatoriedade da temática nos currículos de todos os processos educativos formais, a mesma não foi levada em consideração na elaboração do programa do bacharelado, nem tão pouco o projeto justificou essa ausência. Dentro dessa modalidade, a EA parece ser