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1 A DESVALORIZAÇÃO DAS HUMANIDADES NO ENSINO SUPERIOR:

1.2 A procura de formação superior em Humanidades

1.2.2 Os graduados em Humanidades (ISCED 5A E 6)

A Figura 1-6 faculta a distribuição percentual de graduados em Humanidades (níveis 5A e 6) por vários países e permite ainda estabelecer uma comparação desta com a distribuição correspondente aos graduados em Artes & Humanidades.

Figura 1-6 Percentagem de graduados em Humanidades versus graduados em Artes & Humanidades, sobre o total de graduados em todas as áreas, diplomados em 2012

Como nem sempre há dados estatísticos para todos os países, o conjunto de países constituído para a categoria “graduados” não coincide com o conjunto de países referido na Figura 1-1; ainda assim, há vinte e oito países que são comuns. Para além de outros casos, destacamos que na Figura 1-6 não consta a Arábia Saudita, anteriormente na primeira posição, e passam a estar incluídos os EUA que, como veremos, acabam por ser determinantes neste estudo.

Quanto à proporção entre graduados em Humanidades e graduados em Artes, os países denotam características diferentes entre si. Por exemplo, e sublinhando que os valores apresentados dizem respeito só a graduados de 2012, o Luxemburgo não apresenta qualquer graduado em Artes; a Irlanda tem praticamente o mesmo número de graduados em Humanidades e nas Artes; os graduados em Artes no México são mais do dobro que os graduados em Humanidades; em Portugal, graduaram-se 2787 alunos em Humanidades e 5050 alunos em Artes. É importante ter em consideração esta diversidade por país sempre que

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haja necessidade de analisar algum indicador para o qual não seja possível destrinçar as Humanidades das Artes: são áreas distintas, que podem gerar diferentes níveis de atenção e de empenhamento de cada uma das partes envolvidas.

Para possibilitar avançarmos na questão da desvalorização das Humanidades, comparamos de seguida o peso relativo dos graduados em Humanidades face ao total dos graduados, por país, em dois anos distintos, separados por mais de uma década.

Figura 1-7 Evolução da percentagem de graduados em Humanidades sobre o total de graduados de todas as áreas, diplomados por ano. Comparação entre os anos 2000 e 2012

Na Figura 1-7 aparecem destacados os nove países onde a proporção de graduados em Humanidades, face aos graduados em todas as áreas, aumentou de 2000 para 2012; nos restantes, a maioria, verifica-se uma quebra. Assim, ainda que o número absoluto de graduados em Humanidades tenha aumentado em todos os trinta países representados, na maioria dos países houve uma desvalorização da formação nas Humanidades face à valorização da formação nas outras áreas (em percentagem, as outras foram mais escolhidas em 2012 do que em 2000).

Globalmente e em números absolutos, o resultado do aumento do número de graduados ISCED 5A e 6 é visível na Figura 1-8, onde destacamos os graduados em Humanidades dos graduados das outras áreas, em 2000 e 2012. Desta comparação concluímos que houve um abrandamento relativo do interesse pelas Humanidades, que quantificamos da seguinte forma: enquanto nas outras áreas que não as Humanidades, o fator de multiplicação

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do número de graduados foi 1,6, nas Humanidades foi 1,4. Daí que a percentagem de graduados das Humanidades, face aos graduados em todas as áreas e para todos os países incluídos no grupo estudado, tenha passado de 10% em 2000 para 9% em 2012. Esta é a nossa primeira constatação da desvalorização das Humanidades enquanto formação superior.

Figura 1-8 Evolução do número de graduados ISCED 5A e 6 em todas as áreas, com destaque para o número de graduados em Humanidades. Comparação entre o número de diplomados em 2000 e 2012

A escolha dos anos 2000 e 2012, como termos de comparação, tem a sua razão de ser no facto de as instituições oficialmente produtoras de estatísticas internacionais disponibilizarem online as séries relevantes a este assunto a partir de 1998 e, mesmo assim, com lacunas de informação que só aparecem preenchidas de uma forma mais consistente a partir de 2000.

Como forma de complementar estas séries estatísticas, consultámos a publicação

Education at a Glance. Indicators OECD, na sua edição impressa de 1995 (OECD, 1995).

Nessa altura, a OECD optava por distribuir o número total de graduados por apenas cinco domínios científicos: medical sciences, natural and physical sciences, engineering and

architecture, law and business, Human Sciences. Atualmente, no que diz respeito ao nível

onde se encontra a designação “Humanities” (dois dígitos), a OCDE distribui o número total de graduados por 22 domínios científicos, conforme consta na plataforma OECD.Stat:

education (ISC 14), arts (ISC 21), Humanities (ISC 22), social and behavioural science (ISC

31), journalism and information (ISC32), business and administration (ISC 34), law (ISC 38),

life sciences (ISC 42), physical sciences (ISC 44), mathematics and statistics (ISC 46), computing (ISC 48), engineering and engineering trades (ISC 52), manufacturing and

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processing (ISC 54), architecture and building (ISC 58), agriculture, forestry and fishery

(ISC 62), veterinary (ISC 64), health (ISC 72), social services (ISC 76), personal services (ISC 81), transport services (ISC 84), environmental protection (ISC 85), security services (ISC 86).

A junção num único gráfico dos dados relativos a Human Sciences 1992 e Humanities 2000 e 2012 torna patente a existência de uma quebra de série, já que há uma diminuição acentuada dos valores, que se verifica quando se compara 1992 com 2000. Necessariamente, pela desajustada dimensão relativamente aos anos mais recentes e pelo que conhecemos das classificações em causa, a categoria Human Sciences 1992 englobará muito mais disciplinas que as atuais Humanities (Figura 1-9).

Figura 1-9 Percentagem de graduados em “Humanidades” sobre o total de graduados de todas as áreas. Comparação entre as diferentes classificações de domínios científicos usadas ao longo do tempo pela OCDE (1992, 2000 e 2012)

Sem um documento que estabeleça a correspondência entre as diferentes versões das classificações de domínios científicos da OCDE (só se encontrou correspondência entre as versões de 2002 e 2007 da OECD FoS – Fields of Science, em OECD (2007)), perde-se a possibilidade de, por esta via, se constituírem séries estatísticas para um período mais longo. Uma forma de contornar esta lacuna seria recorrer a informação estatística eventualmente facultada por cada país. Por esta via, neste estudo complementaremos o conhecimento resultante da análise das estatísticas da OCDE aprofundando o caso dos EUA, cuja relevância no domínio das Humanidades é visível na Figura 1-10.

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A Figura 1-10 distribui o número de graduados em Humanidades (ISCED 5A e 6) diplomados em 2012 (referidos na Figura 1-8) pelos 30 países que atribuíram esses graus, hierarquizando-os quanto à dimensão desse contributo, independentemente de qualquer outro parâmetro. Se agregarmos essa informação por continente temos o seguinte resultado: Europa, 41%; América, 37%; Ásia, 20% e Oceânia, 2%. Pouco mais de 20% dos países (mais precisamente sete países) são responsáveis por cerca de 80% destes graduados (exatamente, por 78%), estando este caso de acordo com a lei de Pareto. Por este motivo, pode-se presumir que o conjunto de países para os quais foi possível agregar informação é um conjunto consistente e representativo, confirmando-se a sua pertinência para a análise.

Figura 1-10 Distribuição percentual por país do número total de graduados em Humanidades (ISCED 5A e 6) relativo aos 30 países em observação, 2012

Destacam-se de sobremaneira os Estados Unidos da América, responsáveis por 34% dos graduados em Humanidades (Figura 1-10). Mais uma vez sublinhamos que a sua dimensão faz com que seja importante estudar em particular a desvalorização das Humanidades nos EUA. Esta opção tem ainda por justificação um outro motivo, relativo ao poder de influência que as universidades dos EUA têm sobre as universidades de outras regiões, nomeadamente no que diz respeito a estratégias de desenvolvimento. Readings enfatiza este aspecto do seguinte modo:

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If I also pay particular attention to the changes currently occurring in the North American University, this is because the process of “Americanization” cannot be understood as simply the expansion of U.S. cultural hegemony. In fact, I shall argue, “Americanization” in its current form is a synonym for globalization, a synonym that recognizes that globalization is not a neutral process in which Washington and Dakar participate equally (Readings, 2008 [1997]: 2).

Assim, e já numa perspetiva mais global, apresentar a desvalorização das Humanidades nos EUA é, de alguma forma, iluminar parte do que entretanto se passou, ou poderá vir a passar-se, noutros países.

No outro extremo da representação gráfica, encontra-se um grupo de países com um contributo diminuto para o conjunto total destes graduados: são 14 países responsáveis por 6% dos graduados. Entre estes, estão seis dos nove países onde a percentagem de graduados de Humanidades face ao total de graduados de todas as áreas do conhecimento aumentou comparando o número de diplomados em 2000 com os de 2012 (de acordo com Figura 1-7), o que dá ideia do volume desse crescimento em termos absolutos: República Checa, Hungria, Irlanda, Áustria, República Eslovaca e Suécia.

A Figura 1-11 representa a distribuição do número de graduados em Humanidades, diplomados em 2000, por país, construída à semelhança da Figura 1-10; comparando-as, destacam-se os traços mais característicos da evolução ocorrida nesse horizonte temporal.

Como primeira constatação, os EUA são, nos dois anos, responsáveis pela formação de um terço destes graduados e, juntamente com o Japão, aos dois pertence cerca de metade dos graduados, quer de 2000 (49%) quer de 2012 (46%). A segunda evidência é a passagem da Alemanha da oitava posição (2000) para a terceira posição (2012) com um aumento considerável do seu peso percentual (de 4% para 10%), o que está em conformidade com o crescimento percentual registado na Figura 1-7. Em contrapartida e também em conformidade com a mesma figura, a França sai da terceira posição de 2000 e passa a ocupar a sexta posição em 2012, perdendo metade do seu peso relativo (dos grandes “formadores”, França foi o país que mais peso perdeu no que diz respeito a estes graduados). A Coreia (do Sul), ainda que tenha trocado de posição com o Reino Unido, mantém-se estável com os seus 6% de graduados. Seguem-se a Polónia e a Itália, ambas perfazendo 5% destes graduados, ambas um ponto percentual acima relativamente a 2000.

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Figura 1-11 Distribuição percentual por país do número total de graduados em Humanidades (ISCED 5A e 6) relativo aos 30 países em observação, 2000

Um fenómeno que consideramos poder ter algum impacto no volume das contribuições nacionais para o stock de graduados em geral, e em particular dos graduados em Humanidades, são os fluxos de alunos estrangeiros do ensino superior a nível mundial (alunos matriculados no ensino superior fora do país da respetiva nacionalidade), os quais dão um sinal positivo relativamente ao estatuto de algumas universidades / países21. De acordo com dados da OCDE e do UNESCO Institute for Statistics (UIS), este aspecto da internacionalização do ensino superior, no que diz respeito à movimentação de estudantes, de todos os domínios do conhecimento, cresceu da seguinte forma a nível mundial: de 0,8 milhões de estudantes estrangeiros em 1975, para 2,1 milhões em 2000 e para 4,5 milhões em 2012 (OECD, 2014: 344). Ou seja, nos anos de referência em que assenta a comparação (2000 versus 2012), o número de estudantes estrangeiros no ensino superior mais do que duplicou22. Particularizando, os dados estatísticos referentes ao último ano mencionado indicam que 53% dos estudantes estrangeiros são oriundos da Ásia, sobretudo da China, Índia e Coreia, enquanto 23% desses estudantes provêm da Europa e 12% de África. Países como

21 “[S]ome countries and institutions undertake major marketing efforts to attract students from outside their

boundaries” (OECD, 2014: 342).

22 “During 2000-12, the number of foreign tertiary students enrolled worldwide more than doubled, with an

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EUA, Reino Unido, Austrália, França, Alemanha e Canadá recebem mais de 50% dos estudantes estrangeiros (respectivamente 16%, 13%, 6%, 6%, 6% e 5%). Os valores relativos aos EUA e à Austrália referem-se especificamente a estudantes internacionais que são os estudantes estrangeiros que deixaram o seu país e foram para outro expressamente com o objetivo de estudar23. Os EUA, enquanto país destino, passaram de uma quota de estudantes internacionais de 23% em 2000 para uma quota de 16% em 2012; outros países destino viram aumentar o seu peso relativo e outros emergiram como tal nos anos mais recentes (OECD, 2014: 344-5).

Se circunscrevermos a análise aos estudantes internacionais de Artes & Humanidades (nalguns países tivemos que considerar os estudantes estrangeiros24) e calcularmos o seu peso face ao total de estudantes internacionais de todos os domínios do conhecimento, resulta a distribuição patente na Figura 1-12. Dois dos mais pequenos contribuintes em termos de graduados (ver Figura 1-10), Islândia e Noruega, surgem com as percentagens mais altas. Aos alunos internacionais exclusivamente de Humanidades estarão necessariamente associadas percentagens inferiores. E já sabemos que a proporção entre as Artes e as Humanidades varia de país para país (confrontar com Figura 1-6).

Existindo alunos internacionais (ou estrangeiros, conforme o país) que se movimentam de país para país e optam pelas Humanidades, podemos pensar que eventualmente eles contribuem para atenuar quebras na adesão às Humanidades, que – sem eles – poderiam ser mais contundentes nalguns dos países pertencentes ao conjunto dos países em análise (conjunto de países considerados da Figura 1-7 à Figura 1-10). Isto será tão mais verdade se tivermos em conta que, no conjunto dos países por nós definido, não constam dois dos países mais importantes do ponto de vista da origem dos estudantes internacionais: China e Índia (como acima referimos)25. Reforçando a ideia pelo reverso da medalha, para os países em geral, o facto de um aluno valorizar um curso de Humanidades não significa que isso seja contabilizado como indicador de valorização das Humanidades no seu país de origem, se ele

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“[T]he term “international students” or “mobile students” refers to students who have moved from their country of origin with the purpose of stuying. The term “foreign students” refers to students who are not citizens of the countries in which they are enrolled, but may be long-term residents or were born in that country. In general, international students are a subset of foreign students” (OECD, 2014: 343).

24 Países em que são considerados os alunos estrangeiros: República Eslovaca, República Checa, Polónia,

Turquia, França, Itália e Coreia. Os dados dos alunos estrangeiros não são comparáveis com os dos alunos internacionais, dado que os alunos internacionais são considerados geralmente como um subgrupo dos alunos estrangeiros. Não havendo o mesmo indicador para todos os países do conjunto em observação, optámos por esta aproximação. Mesmo assim, faltam valores para a Grécia, Irlanda e México.

25 “Most of the new foreign tertiary students come from countries outside the OECD area and are likely to

contribute to a gradual expansion in the proportion of foreign students in advanced research programmes in OECD and other G20 countries in the coming years”(OECD, 2014: 343), à semelhança, acrescentamos nós, do que tem, então, acontecido desde 2000.

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optar por se matricular no sistema de ensino superior de outro país. Neste caso, conjeturamos que até pode contribuir para escamotear a desvalorização das Humanidades existente no país que o acolhe.

Figura 1-12 Distribuição da percentagem de estudantes internacionais (nalguns casos, estudantes estrangeiros) de Artes & Humanidades sobre o total de estudantes internacionais (nalguns casos, estudantes estrangeiros) de todas as áreas, por país, 2012

Este apontamento, relativo ao aumento do volume de alunos estrangeiros, implica prudência ao interpretar estes indicadores: conclusões por país só deverão ser tiradas se devidamente contextualizadas. Reforça-se assim a coerência de interpretarmos os indicadores que estamos a apresentar extraindo deles somente uma visão global dos vários países, na qual transparece a desvalorização das Humanidades. Prosseguimos agora a análise, aprofundando- a pela observação em particular dos doutorados (ISCED 6).