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Uma abordagem complementar à análise feita para os EUA

1 A DESVALORIZAÇÃO DAS HUMANIDADES NO ENSINO SUPERIOR:

1.4 Uma abordagem complementar à análise feita para os EUA

Nesta secção tomamos como ponto de partida um relatório sobre o estado das Humanidades na Holanda, intitulado Sustainable Humanities e elaborado pelo Committee on the National Plan for the Future of the Humanities. Neste relatório são identificados os problemas estruturais desta área do conhecimento e, a partir destes, identificamos os fatores que contribuem para uma desvalorização das Humanidades nesse país36.

No relatório em análise, publicado em 2009, a evolução das Humanidades na Holanda foi considerada positiva.

There is no doubt that the humanities are flourishing in the Netherland: the number of students is growing, as a rule humanities scholars achieve at a high level, and their work in education and research, although often unrecognised, affects very widely ranging areas of our culture (Committee on the National Plan for the Future of the Humanities, 2009: 9).

No entanto, simultaneamente, reconhece-se que se vive num contexto de risco. The present strong position of the humanities is under pressure […] there are a few – inter-related – structural problems […] partly connected with financial shortfalls, and partly with a lack of clear-cut strategic choices in the humanities sector itself (Committee on the National Plan for the Future of the Humanities, 2009: 9).

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De acordo com os dados que já apresentámos, a Holanda é um país onde a percentagem de graduados (ISCED 5A e 6) das Humanidades face ao total de graduados de todas as áreas aumentou de 2000 para 2012 (ver Figura 1-7), enquanto a percentagem de doutorados (ISCED 6) das Humanidades face ao total de doutorados de todas as áreas diminuiu de 2000 para 2012 (ver Figura 1-14).

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Neste contexto, os sintomas associados à desvalorização das Humanidades são vistos como fatores que eventualmente poderiam colocar em risco a sua sustentabilidade, caso não se tomassem medidas em contrário. São aí identificados oito problemas, mesmo num país que considera que as “suas” Humanidades estão bem.

O primeiro problema apontado como gerador de uma situação de risco é o financiamento disponibilizado. Se o governo holandês investiu fortemente na investigação académica atribuindo montantes consideráveis de financiamento para a ciência, a tecnologia e a medicina, as Humanidades não beneficiaram dum acréscimo, bem pelo contrário: tanto o financiamento público direto como o “contract funding” decresceram nos últimos 10 anos (tendo em conta o ano de publicação do relatório, desde os últimos anos do século XX). Os autores entendem que isto não terá sucedido por falta de qualidade na investigação das Humanidades já que, no que diz respeito ao financiamento indireto e competitivo, em contexto internacional, considera-se que as Humanidades se saíram bem.

In the humanities the research load paid by direct public funding has dropped by 4%. This certainly cannot be explained by under-performance in humanities research […] In spite of high expectations in some quarters, substantial contract funding for these disciplines [humanities] has never been realized. (Committee on the National Plan for the Future of the Humanities, 2009: 27- 28).

O segundo problema apontado prende-se com o envelhecimento da comunidade académica das Humanidades: por um lado, este é visível naturalmente pela idade do staff e, por outro lado, a insuficiência de oportunidades para os jovens (na universidade, mas não só) não permite a ultrapassagem desta situação. Neste nível constata-se um desequilíbrio das oportunidades possibilitadas nos diferentes domínios do conhecimento. Por exemplo,

[i]n the humanities only a 4 PhD positions are available per 100 graduates, whereas in the science and technology 23 and 16 positions are available respectively for every 100 graduates.

E o motivo deste desequilíbrio não é a falta de interessados.

There is no lack of students who aspire to do PhDs: in the humanities over 4000 students obtain a Master’s degree each year, and a large number of them are very talented and motivated students who have the explicit ambition of completing a PhD (Committee on the National Plan for the Future of the Humanities, 2009: 29).

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Um outro factor de risco para as Humanidades é a menor disponibilidade para a investigação decorrente do aumento de carga horária no ensino (problema 3): a um aumento da ordem dos 40% no número de alunos correspondeu somente um aumento de 5% no staff académico. Pese embora este aumento no número de alunos, considera-se que as taxas de graduação são baixas, quer no primeiro nível do ensino superior quer ao nível dos mestrados (problema 4). Tanto a um nível como no outro, existe uma grande proliferação e fragmentação de programas (problema 5), da qual resulta compartimentação e ineficiência. Em particular os professores têm de se dividir por um cada vez maior número de cursos. Isto associa-se ainda à desvantagem da pequena escala nos programas das Humanidades (problema 6), dado que requerem um conhecimento específico e são pouco procurados.

No entanto, reconhece-se que, para as Humanidades, a dimensão das equipas pode ser uma característica irrelevante: tanto há grupos que trabalham bem em grande escala como há os que trabalham bem em pequenas dimensões. Mas certos ramos disciplinares repousam sobre um único indivíduo, o que os torna de uma extrema vulnerabilidade. E, uma vez desaparecidos, há uma extrema dificuldade em repô-los.

Then continuity of academic practice is lost, and that means, for example, that the discipline is no longer updated in library and documentation services and that contact with the international academic community is lost (Committee on the National Plan for the Future of the Humanities, 2009: 15).

Chama-se a atenção para o facto de as tendências de crescimento variarem de disciplina para disciplina, o que explica que nalguns casos não faltem interessados e que noutros sim.

Salienta-se ainda a inibição do impacto social das Humanidades (problema 7). Por um lado, é dito que os académicos das Humanidades subestimam o interesse que o público tem pelo seu trabalho. Por outro lado, reconhece-se que a função social / pública das Humanidades tem estado sob considerável pressão dado o aumento da ênfase na publicação de artigos para os pares, preferencialmente em revistas de topo em língua inglesa. Acresce ainda o facto de as Humanidades terem perdido algumas das suas certezas, devido quer às discussões internas de método quer ao relativismo cultural.

Em último lugar, refere-se o uso de instrumentos inadequados de avaliação das Humanidades, nomeadamente bibliométricos – índices de citação e fatores de impacto, os quais se ajustam melhor à ciência, à tecnologia e à medicina (problema 8). “What is missing is an effective instrument that can take the specific character of humanities research into

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account while measuring quality across an academic field.” (Committee on the National Plan for the Future of the Humanities, 2009: 34).

Relativamente a estes dois últimos problemas, no relatório é sublinhado que as Humanidades têm uma cultura de publicação própria, onde a monografia ocupa um lugar proeminente e onde a língua inglesa pode não ser a mais ajustada. A este propósito refere-se que alguns dos melhores resultados da investigação das Humanidades circularam amplamente e atingiram de uma forma capilar toda a sociedade holandesa, em consonância com a prática habitual nas Humanidades (“conform to worldwide practice”).

É ainda afirmada a importância de infra-estruturas como bibliotecas, arquivos e museus: elas estão para as Humanidades assim como os laboratórios estão para as ciências.

Partly because of the cumulative character of the humanities – often new knowledge does not replace the old knowledge but takes its place beside it as a new interpretation – these storage places must meet high standards (Committee on the National Plan for the Future of the Humanities, 2009: 15-16).

De seguida, apoiados nas ideias extraídas da realidade dos EUA e da realidade da Holanda, fazemos uma sinopse relativa às possíveis formas de desvalorização das Humanidades. Terminamos comprovando a atualidade da questão relativa à desvalorização das Humanidades.