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Quando iniciei est a pesquisa me det ive muit o no aspect o part icular dos guardados no at eliê, por que geralment e é um espaço de t rabalho de criação int enso e que guarda ferrament as, objet os para est udos e obras acabadas ou não, porém percebi que é muit o mais que isso. Os objet os que cercam o art ist a são linhas t ênues para sua criação, e podem ser considerados part es de seu repert ório e pedaços de sua invest igação part icular sobre o t odo.

M uit as vezes, o art ist a mant ém objet os e ferrament as numa t ent at iva de dominar a t écnica de t odo o fazer, porém muit as out ras vezes est es mesmos objet os se t ornam pont es para os acasos de criação e as novas invest idas criat ivas.

Quando olhamos de pert o o espaço do at eliê podemos perceber que cada ação ali é pensada para t al acont ecer. A bagunça organizada ou a organização dent ro da bagunça, t udo e t odos os objet os são dispost os para ajudar o dia a dia, a f acilit ação do processo de t rabalho ou lazer daquele ambient e. É quando verdadeirament e o espaço se t orna lugar, guardando em si afet os e hist órias.

GUARDADOS s.m. pl. Bras. Pequenos objet os pessoais que se guardam numa gavet a, cof re, et c. Grande Dicionário Larousse da Língua Port uguesa Coisas Não só me t ocaram ou as t ocou minha mão, mas acompanharam de t al modo minha exist ência que exist iram comigo e f oram pra mim t ão exist ent es que viveram comigo meia vida e morrerão comigo meia mort e

objet o escolhido não só pela beleza, mas t ambém por algo a mais, inexplicável. E a beleza aqui, vai além do que se cost uma achar belo: são pedras, flores mort as, papéis amassados, pedaços de madeira, embalagens vazias, et c.

O art ist a quando coloca cert os objet os dent ro de seu lugar, procura dar ênfase não só aquilo que vai ajudá-lo na part e física do projet o como as ferrament as, mas t ambém na part e do seu processo poét ico, no que pode auxiliá-lo a realizar sua criação, seu modo de pensar e fazer. Ele como criador, acaba t endo est as escolhas na sua própria busca, seja ela art íst ica, est ét ica, filosófica ou por crenças. Suas colet as e guardados ficam pelo at eliê não só por deleit e est ét ico, como t ambém para ser uma espécie de memorial para a const rução de seus t rabalhos, objet os que aparecem ou não em suas obras.

Cecília Almeida Salles exemplifica:

O processo vai assim desenvolvendo-se nesse ambient e sensível. Podemos, ent ão, ent ender os “ est ímulos de escrit ório” (Leminski, 1987), que são t razidos para o espaço de criação como propiciadores de sensações: f ot os, objet os ou qualquer out ra coisa que int eresse ao art ist a. (SALLES, 2004)

“ - nunca ouso jogar f ora uma caixa de f ósf oros, aliás nem uma caixa de cigarros. Conservo-os, amont ôo-os. “

Picasso in BRASSAÏ, Gilbert . Conversas com Picasso, 2003. São Paulo: Cosac&Naif y “ - M eu at eliê t em um pouco de t udo e muit o de coisa nenhuma [ ...] ” Art ur Omar in LEAL, At eliês do Rio de Janeiro. 2003. Rio de Janeiro: Pact ual.

M esmo dent ro de uma casa a “ coleção” de objet os, é sempre algo a realizar não só pela beleza, mas principalment e pela memória e imaginação. O objet o armazena nossa exist ência at ravés do cot idiano. Gast on Bachelard diz:

espaço que duplicamos com a consciência de nossa exist ência [ ...] Cada objet o invest ido de espaço ínt imo t ransf orma-se, nesse coexist encialismo, em cent ro de t odo o espaço. Para cada objet o, o dist ant e é o present e, o horizont e t em t ant a exist ência quant o o cent ro. (BACHELARD,1989)

São os guardados part iculares, que num out ro espaço não cont am nada, se t ornando ou um simulacro ou só num deslocament o de uma coisa que não aquela daquele lugar. Por isso, são objet os únicos e part iculares, não coisas enfiadas numa gavet a ou armário, são elas que nos cont am hist órias singulares de quem os possui, fazendo assim um espaço se t ornar lugar. “ Só um pobre de espírit o poderia guardar uma coisa qualquer, de qualquer maneira, em um móvel qualquer, isso indica uma enorme fraqueza da função habit ar.” (BACHELARD, 1989)

O habit ar que nos dá um sent ido de prot eção. O at eliê

“ Ao mesmo t empo que preciso de solidão, preciso de uma cert a desorganização f ísica, um desarranjo que t em meu escrit ório...peço que respeit em meu caos. É um lugar sagrado para o escrit or.”

Pat rícia M elo in CHIODETTO, Eder. O lugar do escrit or. 2002. São Paulo:Cosac&Naif y.

“ O est údio, assim como a casa, faz conhecer a verdadeira origem do desenvolvimento de uma obra.”

rit mo próprio para o t rabalho, criando e most rando suas verdades ele guarda afeições e marcas próprias.

M uit os art ist as cont am sobre est as coisas que elegem para si como pont e para criação, Jean Genet quando de suas visit as ao at eliê de Giacomet t i, narra sobre os objet os que cercam o art ist a enquant o t rabalha: “ sobre o objet o que cria seu espaço infinit o” , (GENET, 2003) e como est es element os envolvem o art ist a e cria a at mosfera do at eliê e de suas obras. “ Cada objet o ali eleva-se como um ser que olha o art ist a: Se olho para o armário a fim de saber afinal o que ele é, elimino t udo o que ele não é.” (GENET, 2003).

Algumas vezes escolher e t er algo para si e para compor seu ambient e de t rabalho não é uma escolha lógica, mas algo que chama, não de maneira compulsória pela compra, porém de um jeit o que pode moldar ou t er conot ações com a poét ica e obra do art ist a. Paul Klee em uma part e de seu diário cont a: “ -uma mesa de modelar, gesso. Para quê? Simplesment e comprei!” , ou em out ra passagem; a mont agem de seu ambient e de t rabalho para a prat icidade e o confort o:

[ ...] não é de se recusar um cert o conf ort o, ainda que t alvez um t ant o insidioso. Um quart o de t rabalho muit o simpát ico, aquecido. A avó de Lily present eou- nos com uma enorme chiffonnière no melhor est ilo

“ O meu espaço é t ot alment e emocional, nunca é racional.”

Darel Valença Lins in AYALA, Walmir. A criação plást ica em quest ão. 1970. São Paulo: Vozes.

empire burguês; as muit as gavet as servem para colocar em ordem meus objet os de t rabalho. (KLEE, 1990)

É int eressant e perceber como o t er e mant er coisas, que parecem inút eis para muit as pessoas, para o art ist a é quase como t er ferrament as a disposição o t empo t odo, já que esses guardados acabam sendo na verdade part e do processo criat ivo, são part es vindas de vários lugares, do cot idiano e de sua vivência e que podem aparecer na obra ou ser um dos mot es criat ivos.

Em levant ament os hist óricos sobre épocas, poét icas e obras de art ist as sempre há buscas sobre objet os e lugares que viviam ou visit ava, suas anot ações, livros, objet os e maneiras de viver. Cada busca desses pedaços de memórias passa pelas pequenas coisas que cerca o t errit ório criat ivo, como uma maneira de ent ender e f azer um esboço de quem seria est e art ist a.

Há vários desses legados em museus e fundações de art ist as, são ferrament as e coisas variadas que de uma forma ou de out ra cont am sobre suas obras e lugares. M uit as curadorias usam desses objet os para most rar de alguma forma a t rajet ória

A exposição ret rospect iva de Iberê Camargo, na Pinacot eca do Est ado em São Paulo em 2003, por exemplo, mont ou uma vit rine onde est avam seus carret éis (forma t ão emblemát icas em suas pint uras), pincéis e godês. Esses art efat os acabam t endo ident idades próprias, pois são eles que foram manuseados e usados pelo art ist a e que carregam consigo um pouco dele. É isso que faz os carret éis de iberê Camargo serem diferent es de qualquer out ros, é o que os t ornam especiais.

Hoje, na Fundação Henry Moore, na Inglat erra o memorial do escult or Henry M oore é uma part e import ant e da most ra de seu processo criat ivo. O art ist a mant inha várias coisas recolhidas numa espécie de pequena amost ragem de formas da nat ureza, são pedras, ossos e sement es recolhidos pelas paisagens que o cercava, e que eram usadas como est udos das formas em escult uras que criava.

Out ro exemplo dos guardados como algo que t ransport a hist órias e pensament os do art ist a são as caixas de Andy Warhol que ele chamava de cápsulas do t empo, nelas eram colocadas quase t odas das coisas que passavam por ele em seu at eliê Fact ory, com a idéia de mant er uma espécie de arquivos de sua época pop e assim t ransformá-las numa obra de art e. São coisas variadas e que criaram por si só um ent endiment o do que est ava próximo do processo criat ivo de Warhol.

Pablo Picasso, t ambém mant inha seu at eliê at ulhado de objet os que ele recolhia ou guardava, numa das conversas com Brassaï ele diz: “ - nunca ouso jogar fora uma caixa de fósforos, aliás nem uma caixa de cigarros. Conservo-os, amont ôo- os.” (Picasso in BRASSAÏ, 2000) e o fot ografo complet a:

Os bolsos sempre est iveram demasiado cheios de chaves, de canivet es, de f ósf oros, de cigarros, de isqueiros, de cordões, de pont as de papelão e, conf orme o acaso dos lugares, dessas coisas t ão vulgares e t ão raras, t ão banais e t ão maravilhosas quant o podem ser um seixo, uma concha, um pedaço de madeira ou de cort iça, uma raiz, um f ragment o de vidro corroído pelo mar, para aquele que nelas já vê a imagem lat ent e de uma pomba, de um t ouro, de um mocho, de uma cabeça de carneiro. (BRASSAÏ, 2000)

Há muit os out ros exemplos pelo mundo de objet os de art ist as mant idos para se cont ar a hist ória e devemos saber que muit o do que conhecemos hoje sobre art e de muit as épocas devemos a esses guardados t ão part iculares do at eliê, foram eles que mant iveram nossa curiosidade at iva e saciada, nos cont ando sobre esse t errit ório t ão part icular do art ist a.

“ [ ...] Lá dent ro os universos se acumulam debaixo de poeira, não quero que nada saia do lugar, porque é ali que vou poder encont rá-los, ainda que de uma out ra maneira, num out ro t empo. Eu preciso de um est údio aonde não vá quase ninguém, onde possa exist ir o vazio, para que eu possa sent ir a minha relação com o t rabalho que est á sendo pensado. O est údio é o meu lugar de pensar [ ...] ”

Ant onio Dias in LEAL. At eliês do Rio de Janeiro. 2003. Rio de Janeiro: Pact ual.

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