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Os precedentes de direito material sob a ótica da reparação do incapaz

3.1 AS QUESTÕES DE DIREITO MATERIAL E QUESTÕES PROCESSUAIS NA APLICAÇÃO

3.1.1 Os precedentes de direito material sob a ótica da reparação do incapaz

Ao se examinarem alguns julgados que tratam da responsabilidade civil dos pais pelos filhos verifica-se que, de início tratam do tema como antecipação da reparação de danos pelos incapazes-menores.

Conforme demonstrado na revisão bibliográfica, a responsabilidade dos pais pelos filhos é uma das espécies de responsabilidade civil por fato de outrem, sendo caracterizada pelo risco-dependência desses responsáveis pelos atos de seus filhos. O artigo 932, inciso I, do Código Civil de 2002 prevê tal hipótese de maneira a salvaguardar o dever de reparar o dano causado à vítima.

Os tribunais tiveram a tarefa de interpretar a norma prevista, sobretudo quanto a parte “estiverem sob sua autoridade e em sua companhia”, por conta da alegação dos pais, quer por estarem separados, ou para defender-se de responder pelos atos causados pelos seus filhos, utilizam do argumento que não estava sob sua autoridade ou sua companhia.

Para colocar fim a questão, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1436401-MG, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, com julgamento em 2017, enfrentou a questão para interpretar o tema com base nos novos preceitos da responsabilidade civil, sendo eles a dignidade da pessoa humana e da reparação integral do prejuízo.

Nesse sentido, o Ministro relator determinou que:

Com efeito, caso os filhos não estejam sob a autoridade e em companhia dos pais, poder-se-ia realmente cogitar da responsabilidade direta e exclusiva do incapaz, como tenta fazer o recorrente.

No entanto, deve-se ter em mente que, com o advento da responsabilização objetiva, tornou-se indiferente eventual arguição de ausência de omissão com relação ao dever de guarda, inclusive porque, como dito, o viés atual é o de garantir ressarcimento à vítima.

Na verdade, ao se referir a autoridade e companhia, quis a norma, a meu juízo, explicitar o poder familiar, até porque a autoridade parental não se esgota na guarda, além de que o poder familiar compreende um plexo de deveres como, proteção, cuidado, educação, informação, afeto, dentre outros, independentemente da vigilância investigativa e diária.

Notadamente com relação à expressão legal "em sua companhia", como se vê, a norma não foi muito precisa.

Por óbvio que "não se trata de proximidade física no momento do dano. Mesmo que o menor, em viagem, cause danos a terceiros, tais danos estão sob o amparo do dispositivo em questão. Seria absurdamente contrário à teleologia da norma responsabilizar apenas os pais pelos danos que os filhos causem 'ao lado' deles. Não é essa, decerto, a interpretação possível do dispositivo em questão. Cabe aos pais contribuir para a formação dos hábitos e comportamentos dos filhos, e isso se reflete, de modo sensível, quando os menores estão fora do lar, e não se encontram sob a proteção direta deles, e nem haja fiscalização familiar. É irrelevante, portanto, para a incidência da norma, a proximidade física dos pais, no momento em que os menores causam danos" (FARIAS, Cristiano. Novo tratado de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2015, p. 604)26 (BRASIL,2017, grifo

nosso)

Além disso, já havia o entendimento disposto no Enunciado 450 das Jornadas do CJF:

a responsabilidade dos pais pelos atos danosos praticados pelos filhos menores é objetiva, e não por culpa presumida, ambos os genitores, no exercício do poder familiar, são, em regra, solidariamente responsáveis por tais atos, ainda que estejam separados, ressalvado o direito de regresso em caso de culpa exclusiva de um dos genitores.

Nesse sentido, também asseverou o acórdão 003576-07.2010.8.26.0404 do Tribunal de Justiça de São Paulo, de relatoria do Desembargador Francisco Loureiro, que, de maneira exemplar, em um caso de reparação dos pais pelos filhos, com a discussão de uma possibilidade da responsabilidade da escola pelos atos ilícitos praticados pelo menor, ressaltou que a falha na educação moral é responsabilidade dos pais, ademais que hoje em dia, sob a égide do Código Civil de 2002 não se fala em “culpa in vigilando ou culpa in

ommitendo” tendo em vista a objetivação adotada pelo diploma legal. Nesse sentido,

asseverou o magistrado, in verbis:

Poderia se cogitar, ainda, de eventual responsabilidade da escola, e não dos pais, uma vez que na data do fato a menor não estaria sob a autoridade e a companhia dos genitores, requisito expresso no artigo 932, I, do Código Civil.

Impende esclarecer, no entanto, que, no caso dos autos, a responsabilidade dos pais pela conduta da menor não se funda na violação ao dever de vigilância, transferido pelos pais à escola, durante o período letivo.

Na realidade, a responsabilidade dos pais decorre de violação aos deveres de formação moral e de educação, com origem no poder familiar.

Isso porque os atos praticados pela menor indicam, muito mais do que simples traquinagens de criança, grave deformação da personalidade e falha dos pais no dever de educar e instruir a filha. Com efeito, a ré N* demonstrou um preocupante grau de desrespeito a uma de suas professoras, ignorando sua autoridade e a ofendendo verbalmente com palavras de baixo calão. Além disso, danificou dolosamente o veículo da autora, conduta altamente reprovável.

26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1436401-MG, (2013/0351714-7). Recorrente:

José Augusto Rodrigues. Recorrido: L N de S (menor). Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF, 13 de dezembro de 2016. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 16 mar. 2017.

A violação do dever de formação dos filhos menores, ainda que não se encontrem na companhia dos pais no momento do ato ilícito gera o dever de indenizar. Note- se que não se cogita de culpa in vigilando ou in ommitendo dos pais, uma vez que a relação interna entre genitores e os ilícitos praticados por seus filhos é objetiva.”27 (*Nome da requerida suprimido), (TJSP, 2015a, grifo nosso).

Nesse diapasão, percebe-se que foi acertada aplicação do instituto da responsabilidade civil dos pais pelos filhos, tanto pela primariedade em responder pelos atos ilícitos praticados pelos filhos, como pela correta interpretação do dispositivo legal no tocante a “sua companhia” presente no inciso I, do artigo 932 do Código Civil e por fim por não acatar as teses de culpa, vez que superadas pelo novo Código.

Ainda, conforme vimos no Capítulo 2, ainda que a responsabilidade civil cabe ao pai ou mãe natural em relação aos filhos reconhecidos, atinge de igual modo os avós, se a eles incumbir legalmente a vigilância do menor.

Portanto, ao buscar a reparação, a vítima deve atentar-se ao fato da vigilância do menor estar incumbida aos avós, como podemos observar no Acórdão 0034875- 52.2004.8.19.0001 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de relatoria do Desembargador Paulo Gustavo Horta, julgado em 2006, que considerou a subsidiariedade da reparação civil dos incapazes subordinada à existência de obrigação e à capacidade patrimonial dos responsáveis, sendo que o responsável pela guarda do menor era o avô na época dos fatos, com a seguinte ementa:

PRETENSÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAL E MORAL PROPOSTA CONTRA MENOR - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - REGRA INTRODUZIDA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PRIVADO PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002 - AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO

A responsabilidade civil do incapaz é subsidiária e está subordinada à existência de obrigação e à capacidade patrimonial dos responsáveis, nos termos do art. 928 do Código Civil de 2002. Responsáveis pelo incapaz que sequer foram citados na ação indenizatória. Menor que, na época dos fatos, tinha quinze anos de idade e se achava sob a guarda do avô, sem que os genitores estivessem destituídos do poder familiar. Caracterização da ausência do interesse de agir como uma das condições da ação indenizatória28. (TJRJ, 2006, grifo nosso).

Deste modo, percebe-se que as decisões sobre o direito material se concentram na discussão sobre a subsidiariedade da reparação civil da incapaz face a responsabilidade de

27 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 003576-07.2010.8.26.0404. Apelante:

Rogério Paulo e Outros. Apelados: Maria Tereza Mattiuzzo. Relator: Desembargador Francisco Loureiro. São Paulo, SP, 26 de fevereiro de 2015. Diário Oficial da Justiça. São Paulo, 27 fev. 2015.

28 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 0034875-52.2004.8.19.0001,

Quinta Câmara Cível. Apelante: Igor Palma Pereira Rabello e Cassiano Pereira. Apelado: José Marcelo Fernandes de Macedo. Relator: Desembargador Paulo Augusto Horta. Rio de Janeiro, RJ, 03 de outubro de 2006. Diário de Justiça Eletrônico. Rio de Janeiro, 01 nov. 2006.

seus responsáveis, tendo em vista que ao inverter a ordem de reparação, sua consequência lógica é ausência de interesse de agir, levando a extinção do processo sem a resolução de mérito.

Assim, após a importante análise do direito material aplicado a reparação, passa-se a estudar as decisões sobre a temática no âmbito do direito processual.