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Os precedentes e sua eficácia no Novo Código de Processo Civil

3.7 A repercussão geral como precedente judicial

3.7.3 Os precedentes e sua eficácia no Novo Código de Processo Civil

Malgrado a adoção de um modelo tendentemente legalista, ou seja, de predominância da lei em sentido estrito, o ordenamento hodierno, com o advento do Novo Código de Processo Civil, tem se inclinado a adaptações não características desse sistema, mas comuns ao sistema da common law, isto é, de observância de precedentes,

o que, por sua vez, enseja o debate, especialmente no tocante à eficácia de pronunciamentos jurisdicionais.

Conforme o contido no artigo 927 do Código de Processo Civil atual: (in verbis)

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

A respeito dessa preocupação da nova norma processual e em comentários ao dispositivo retromencionado, Montenegro Filho (2016, p. 841) emprega o seguinte entendimento: (grifo nosso)

A norma em exame reafirma um dos pilares do novo CPC, que é o de

valorizar os precedentes jurisprudenciais, não um precedente qualquer,

mas a jurisprudência madura, consolidada em enunciados de súmulas, de súmulas vinculantes, de acórdãos proferidos no julgamento de incidentes e de processos ou de recursos qualificados, que versem sobre questões de interesse geral, não meramente individual. A observância não significa,

necessariamente, a adoção obrigatória da tese jurídica adotada no julgamento procedido pelos tribunais superiores e pelos tribunais locais, mas a advertência de que esses pronunciamentos devem ser respeitados, por serem paradigmáticos ou vinculantes, em alguns casos.

Sobre a temática, Câmara (2018, p. 419), em consagrada lição afirma que:

A técnica de decidir a partir de precedentes, empregando-os como princípios argumentativos, é uma das bases dos sistemas jurídicos anglo-saxônicos, ligados à tradição jurídica do common law. Isto não significa, porém, que o ordenamento jurídico brasileiro, historicamente vinculado à tradição jurídica romano-germânica (conhecida como civil law), tenha “migrado” para o common law. Muito ao contrário, o que se tem no Brasil é a construção de um sistema de formação de decisões judiciais com base em precedentes adaptado às características de um ordenamento de civil law.

O autor (2018, p. 427) afirma que nem todos os precedentes elencados no artigo 927 do Código de Processo Civil são vinculantes e é errôneo que assim se compreenda, em razão da própria sistemática do arcabouço normativo.

Bueno (2015, p. 539) afirma não estar o direito processual civil se enquadrando no sistema jurídico da common law, mas apenas determinando que as decisões emanadas dos tribunais em geral sejam observadas, pois, dessa forma, se conferem importantes princípios do ordenamento, notadamente a segurança jurídica e a isonomia.

Streck (2016, internet), de seu turno, em críticas acirradas e de extrema valia, aduz certas incongruências na sistemática de precedentes no Brasil, do que, valemos colacionar:

Ora, o fato de o artigo 927 do CPC elencar diversos provimentos que passa-ram a ser vinculantes, não pode nos induzir a leitura equivocada de imaginar que a súmula, o acórdão que julga o IRDR ou oriundo de recurso (especial ou extraordinário repetitivo) são equiparáveis à categoria do genuíno precedente do common law.

Para tal desiderato, cremos ser fundamental a correta noção sobre o que é efe-tivamente um precedente genuíno do common law e a necessária compreen-são do que é um provimento vinculante por disposição legal, por

exem-plo, súmula vinculante, acórdão paradigma etc. O sistema genuíno de

prece-dentes inglês é criador de complexidade. O que o CPC-2015 faz é criar pro-vimentos judiciais vinculantes cuja função é reduzir a complexidade judicial para enfrentar o fenômeno brasileiro da litigiosidade repetitiva. Respostas an-tes das perguntas. Mas, não podemos equiparar o artigo 927 a um sistema de precedentes, sob pena de termos uma aplicação desvirtuada do CPC.

E continua: (grifo nosso)

Os provimentos colocados no artigo 927 devem ser lidos como provimentos judiciais legalmente vinculantes, ou seja, textos normativos

redutores de complexidade para o enfrentamento das nossas lides repetitivas. Só isso. Nada de common law aí. Não avançaremos se trocarmos o mito da completude da lei por decisões de tribunais superiores. Todo poder emana do povo e não do Judiciário. No passado, acreditava-se que a lei conteria a infinidade de solução dos casos. Atualmente, essa mística foi transportada e depositada nas decisões dos tribunais superiores. Isto é, há uma ingênua aposta de que o STJ e o STF pode(ria)m criar super decisões que, por si só, trariam a solução pronta (norma) para deslindar uma multiplicidade de casos. Nesse interstício, o que se tem a sugerir no acostado no artigo 927, segundo os apontamentos feitos, é o reconhecimento da busca pela uniformização através de precedentes, sendo que a observância dos provimentos jurisdicionais nele elencados não implicam em obrigação, mas em atenção por parte dos julgadores, isto é, um norte que visa dar gancho ao “sistema” e que visa a efetivação da segurança jurídica, o que não se confunde com os precedentes sob a égide da common law.

Não obstante essa inclinação, há entendimento doutrinário em outro sentido, isto é, atribuindo eficácia vinculante aos provimentos acostados no mencionado dispositivo legal, conforme consagra Gonçalves (2017, p. 234):

Nem todo precedente é vinculante, mas apenas aqueles enumerados no artigo 927 do Código de Processo Civil […] A vinculação alcança não apenas o tribunal de que se originou o precedente, mas todos os demais a ele subordinados.

Na mesma toada, as considerações de Neves (2016, p. 1305) quanto ao entendimento de que os enunciados contidos no artigo 927 do Novo CPC implicam na caracterização de precedentes vinculantes:

Ao adotar-se o entendimento de que o termo “observarão” utilizado no art. 927, caput, do Novo CPC não consagra a eficácia vinculante estar-se-ia diante de curiosa e insustentável situação. Como é extraído da praxe forense, o Superior Tribunal de Justiça sumula entendimentos de matérias infraconstitucionais, sendo o direito processual campo fértil de tal atuação. Ao se interpretar que o art. 927, IV, do Novo CPC obriga o órgão jurisdicional a apenas levar em consideração as súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, não existiria tal dever quanto à súmulas de direito infraconstitucional editadas pela Corte Superior?

Acerca da vinculação dos precedentes descritos no artigo 927, portanto, não há entendimento pacífico, visto que para parcela da doutrina a expressão utilizada pela norma processual é suficiente para se concluir pela vinculação, ao passo que, outra parte da literatura sustenta não haver vinculação, mas apenas um comando persuasivo visando a observância dos provimentos, a fim de se uniformizar a jurisprudência.

Por derradeiro, é de essencial alvitre registrar uma última questão relacionada à temática, que é a discussão acerca da constitucionalidade do referido dispositivo, no tocante às hipóteses não contempladas na Magna Carta.

Gonçalves (2017, p. 234) sustenta que “diante da determinação peremptória do caput do art. 927, ter-se-ia que concluir que a lei criou hipóteses de precedente vinculante, que não estão previstas na Constituição Federal”, o que, para o autor não é possível.

Bueno (2015, p. 539) comunga de mesmo entendimento ao discorrer que:

[...] decisão jurisdicional com caráter vinculante no sistema brasileiro depende de prévia autorização constitucional – tal qual a feita pela EC n. 45/2004 – e, portanto, está fora da esfera de disponibilidade do legislador infraconstitucional.

Vale, por fim, registrar o ilustre entendimento de Câmara (2018, p. 428), segundo o qual um precedente é vinculante quando há uma norma que permita assim concluir, como é o caso das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, previstas na Constituição Federal e o julgamento proferido em incidente de assunção de competência, previsto no Código de Processo Civil, no artigo 97, §3º, aduzindo que o artigo 927 não elenca, por si só, precedentes vinculantes.

Superada a análise dos precedentes na atual sistemática processual, é de rigor trilhar a presente pesquisa rumo a seu destino final, em que tratar-se-á do instituto da repercussão geral sob a égide dos precedentes.

3.7.4. Eficácia da decisão com repercussão geral reconhecida no Novo Código de