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Os Problemas das Políticas de Transferência Direta de Renda

CAPÍTULO 1: POBREZA, DESIGUALDADE E AS POLITICAS

1.6 Os Problemas das Políticas de Transferência Direta de Renda

São várias as controvérsias que envolvem os programas de transferências de renda desenvolvidos pelo Estado. Segundo Carvalho Jr., (2006, p. 10), os principais argumentos contra tais programas são: i) a diminuição dos incentivos ao trabalho; ii) incentivos à divisão das famílias; e iii) o reforço do espírito de dependência dos beneficiários em relação ao governo.

Quanto à diminuição dos incentivos ao trabalho, aqueles que são a favor destes tipos de programa, argumentam que os benefícios são de baixos valores, não gerando este tipo de problema. Além disto, vê-se que estes baixos valores transferidos, também não incentivam à divisão das famílias, não constituindo-se em um problema expressivo. Outros argumentam que quando a transferência de renda está vinculada a alguma condicionalidade, tais como a educação e saúde, a dependência dos pobre gerada no presente com relação a estes tipos de ações do governo, tende a ser minimizada no longo prazo, já que estes tipos de políticas buscam resultados vinculados a melhoria do nível educacional e, consequentimente, estes beneficiários poderem barganhar melhores salários, além de buscar novas oportunidade no mercado de trabalho.

Conforme Medeiros, Britto e Soares (2007) o programa Bolsa-Família transfere renda para famílias extremamente pobres, representando um aumento de cerca de 11% em sua renda, sendo seu benefício médio de R$ 60,00, valor este que não parece ser suficiente para que os beneficiários deixem de trabalhar, exceto em casos de trabalhos extremamente mal- remunerados, instáveis ou mesmo insalubres.

Além disso, alguns estudiosos favoráveis argumentam que muitos programas assistenciais têm a função de gerar potencialidades mínimas nos indivíduos, viabilizando o acesso à saúde, à nutrição, à educação, dentre outros bens meritórios. E, devido à baixa renda desses indivíduos, esses não teriam condições de ter acesso a esses bens e, conseqüentemente, não teriam condições de ingressar no mercado de trabalho. Muito embora argumentos contrários destaquem que ocorra uma perda de potencialidades das populações pobres e desempregadas que recebem auxílios do governo em razão da queda de sua auto-estima. (Sen, 2000 apud Carvalho Jr., 2006).

Assim, de acordo com Euzéby (1991) apud Carvalho Jr. (2006, p. 10 - 11), os defensores de um sistema de transferência de renda único para as camadas mais pobres da população argumentam que:

“1) A transferência em dinheiro ocasiona diminuição dos custos administrativos, pois não seria necessário montar uma rede de distribuição e logística de produtos, contratação de mão-de-obra e prestadores de serviços. O custo seria apenas o do sistema bancário. 2) O indivíduo pode alocar a renda de acordo com suas preferências, consumindo bens e serviços do setor privado – que, além de alocar de maneira mais eficiente os recursos, também desenvolveria a economia local. 3) A distribuição de produtos ou vales pode gerar um mercado secundário para eles, pois o beneficiário pode desejar vendê-los com deságio em vez de consumir integralmente esses bens. 4) No caso da distribuição de produtos ou de serviços, os beneficiários poderiam acabar consumindo uma quantidade do produto ou do serviço acima do que consumiriam se obtivessem renda para adquiri-lo (ex.: alimentos, luz elétrica, serviços médicos etc.). 5) Há possibilidade de ocorrência de fraudes em processos de licitação e concorrência para execução dos serviços ou para aquisição de produtos pelo governo. 6) A renda mínima possibilitaria maior poder de barganha dos trabalhadores assalariados no mercado de trabalho, não os sujeitando ao trabalho degradante e ao trabalho escravo. 7) Como os programas assistenciais que englobam atendimento e prestação de serviços apresentam caráter mais universal do que os de transferência de renda, poderia ocorrer perda de qualidade no atendimento em conseqüência da superlotação e do surgimento de filas. Nesse caso, todos estariam em pior estado, em contraposição aos programas de transferência de renda focalizados na camada mais pobre. 8) Instituições de atendimentos assistenciais que concentram fisicamente muitas pessoas carentes que podem se transformar em focos de proliferação de crimes e de doenças.” (EUZÉBY, 1991 apud CARVALHO JR., 2006, p. 10 - 11)

Dentre as demais dificuldades que impossibilitam diminuir a baixa efetividade nas políticas sociais brasileiras, além das apontadas anteriormente, Barro e Carvalho (2003) ainda destacavam outros problemas de políticas sociais que antecederam ao Bolsa-Família, que são: a) o atendimento não-integrado das políticas sociais; b) respeitar as especificidades locais; c) participação comunitária (mencionam os conselhos e os programas de desenvolvimento local); d) participação do setor privado (combinar a produção pública com a privada); além das necessidades: i) da informação ser disseminada; ii) de unificar e simplificar a política social como um todo; iii) de coordenação entre os programas federais, estaduais e municipais; iv) de interação e de registro documentalmente a política social.

Alguns destes problemas, tais como: a unificação do cadastro dos beneficiários, foram sanados com a continuação da implementação do Bolsa-Família. Porém, no que tange a alguns problemas como por exemplo: a respeitar as especificidades locais, a participação comunitária, a participação do setor privado e a uma melhor coordenação entre os programas federais, estaduais e municipais, estes ainda permanecem ou apresentam limitações na implementação de soluções.

Observando o Bolsa-Família, verifica-se que, além dos condicionantes já mencionadas, tal programa usa do critério renda como o principal critério de elegibilidade para definir o número de pobres beneficiados por município, ficando a cargo destes a identificação dos beneficiários.

No entanto, encontra-se na literatura um amplo volume de estudos que criticam o uso deste critério para distinguir os pobres dos não pobres, já que a pobreza não é um fenômeno

que se limita apenas ao déficit de renda. A pobreza se constitui em uma privação de capacidades, podendo ser identificada por um conjunto de fatores que determinam o bem- estar do indivíduo, fatores estes correlacionados com a renda. Desta forma, seguindo a visão do Banco Mundial, o problema da pobreza recebe um caráter multidimensional e relaciona os déficits de renda às dificuldades de acessar os bens públicos que estão à disposição de todos os cidadãos, como os serviços de saúde, serviços públicos, lazer, além da carência de produtos básicos, como alimentos. Assim, o uso da renda é uma medida bastante imperfeita para aferir as condições de vida de uma pessoa ou família, o que se agrava ainda mais em economias rurais que não são plenamente monetizadas.

Deve-se salientar ainda que existem diferenças dentro do próprio grupo de pobres, ou seja, existe uma heterogeneidade da pobreza no Brasil que segundo Rocha e Albuquerque (2003) decorre da dimensão territorial e demográfica do país, dos grandes desequilíbrios regionais e do modo como se incluem historicamente, configurando o complexo mosaico social brasileiro.

Além disso, torna-se mister dizer que mediante a realização de pesquisas domiciliares onde os entrevistados respondem ao questionário sem comprovação das informações, a renda é uma variável facilmente falseada por diversos motivos. Dentre eles, podem ser citados a vergonha em caso de possuir uma renda muito baixa, ou precaução para evitar a incidência de impostos ou exclusão de programas de transferência de renda. A omissão dos verdadeiros rendimentos pode promover um viés nas análises que utilizam tal critério para identificar os indivíduos pobres ou não pobres de uma população.

Quando se define o grupo dos pobres, existe uma focalização míope, haja vista que tais programas limitam-se a definir pobreza somente como falta de dinheiro e não como um conjunto de vulnerabilidades e exclusões de vários tipos, além de desconsiderar as diferentes intensidades existentes em seu interior, o que, segundo Rocha e Albuquerque (2003) deve ser levado em consideração seja na formulação e execução de políticas visando sua redução, seja no monitoramento e avaliação de seus resultados.

Ademais, quando se deseja desenvolver políticas de transferência de renda em que se tem como prioridade atender aos mais necessitados, deve-se buscar critérios de elegibilidade de forma que tornem tais políticas mais eficientes na identificação de seus beneficiários, o que evita possíveis desperdícios de recursos, bem como promovam uma distribuição mais eqüitativa no sentido de mitigar as diferenças de renda e de oportunidades existentes na sociedade.

Assim, deve-se fazer um esforço maior para compreender melhor qual parte da população não é capaz de prover, por meio das atividades econômicas, seu próprio bem-estar. Neste sentido, Souza (2000, p. 1-2) destaca a importância de se conhecer a composição e organização dos arranjos familiares para a formação de políticas públicas, por pelo menos quatro motivos:

“i) as relações entre membros da família podem ter implicações que geram externalidades positivas ou negativas à sociedade; ii) as características das famílias podem ser usadas como critérios de focalização; iii) as famílias podem ser usadas para conceber, executar ou controlar programas; e iv) as políticas sociais podem tanto afetar como ter seus objetivos afetados pelas diferentes formas de organização familiar”. Desta forma, o sucesso das políticas sociais depende da estrutura da população a que elas se destinam. (SOUSA, 2000, p. 1-2)

Desta forma, o sucesso das políticas sociais depende da estrutura da população a que elas se destinam. Mattos e Waquil (2006), fazendo uma análise comparativa entre a abordagem tradicional (monetária) e a abordagem de capacitações, de Amartya Sen8, demonstram que a adoção de diferentes métodos implica em resultados distintos. Verificam que na abordagem tradicional não existe um padrão bem definido de bem-estar e nem de correlação dos funcionamentos investigados pela renda, não sendo permitido, a este tipo de análise, fazer um corte localizado para definição de pobres ou não-pobres. Por outro lado, mostra que a análise multidimensional é capaz de fornecer um rumo diferenciado, tanto para o tipo de política a ser implementada quanto com relação ao publico alvo, sendo ainda uma boa ferramenta de análise para avaliação da efetividade das políticas já realizadas. Concluem que o uso de análises que consideram o caráter multidimensional da pobreza é mais adequado para avaliar o bem-estar e, por conseguinte, a pobreza, sendo fundamental para nortear políticas assistencialistas9.

Dedecca e Bardiri (2005) salientam que um estudo desagregado analisando as condições de pobreza decorrentes da falta de habitação, água e saneamento, educação, saúde, trabalho, etc viabiliza uma melhor caracterização da família alvo de programas sociais. A articulação de tais informações com aquelas de caráter administrativo das políticas sociais é

8 Mattos e Waquil (2006) utilizam os seguintes textos para a realização de sua análise: Sen, Amartya R. 2001 Desigualdade reexaminada,. Rio de Janeiro: Record; Sen, Amartya R. 2000 Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras; e Sen, Amartya R. 1985. Commodities and capabilities. Amsterdam: North Holland.

9 Na abordagem tradicional (monetária), este estudo trabalha com três aspectos, que são: distribuição de renda, estimação de linhas de pobreza e observação de variáveis qualitativas com relação à renda, considera o Coeficiente de Gini que obedece aos critérios de Pigou-Dalton, que reza que o valor da medida de desigualdade deve aumentar quando existe transferências regressivas de renda. A abordagem de capacitações foi operacionalizada utilizando variáveis denominadas de funcionamentos, que são os elementos constitutivos do “estado” da pessoa. São os “ser” e “fazer” da pessoa. Para tanto foram agrupados em três tipos distintos, que são: educação, saúde e mobilidade e condições de habitação. Para maiores esclarecimentos ver Mattos e Waquil (2006).

fundamental para a ação local e para a definição de prioridades de investimento/gasto das diversas esferas do governo.

Assim, diante do exposto, pode-se verificar que os critérios de elegibilidade que consideram o caráter multidimensional da pobreza, considerando características correlatas à renda que propiciam uma melhor avaliação do bem-estar, constituem-se em um instrumento mais eficaz na identificação do público alvo para políticas de transferência de renda, gerando maiores retornos para a sociedade, além de evitar desperdícios.

Desta forma, o aperfeiçoamento dos mecanismos de ajustes é de fundamental importância para a eficiência dos gastos. A seguir, é procedida a exposição dos principais métodos de identificação do público-alvo na implementação de programas sociais direcionados às pessoas de renda mais baixa.