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Teoria da Focalização das Políticas de Transferências de Renda

CAPÍTULO 2: FOCALIZAÇÃO DE POLITICA SOCIAIS

2.1 Teoria da Focalização das Políticas de Transferências de Renda

Dado o crescente uso de políticas públicas sociais no Brasil e no Mundo, o debate sobre a universalização ou focalização de tais políticas tem aumentado nos últimos tempos. São muitas as divergências entre os estudiosos do ramo, que apontam vantagens, desvantagens e o custo-benefício no uso de cada tipo de enfoque10. Basicamente, existem três abordagens apontadas pela bibliografia acerca deste debate: alguns estudiosos são favoráveis à focalização de políticas sociais que enfoquem os mais pobres para combater a pobreza; outros acreditam que a universalização é a única forma de inclusão social e que a adoção de políticas focalizadas fere o direito de igualdade dos indivíduos; e, por fim, há àqueles que defendem a idéia de que não existe uma oposição entre os dois enfoques, nem do ponto de vista conceitual ou prático, nem em termos de equidade ou da ética do gasto público.

Apesar das fortes reações negativas de alguns intelectuais, a focalização apresenta-se como um instrumento que promove uma centralização das políticas em seu objetivo previamente estabelecido, definindo melhor seu público alvo, evitando desperdícios e aumentando a eficácia e efetividade das intervenções políticas no combate a pobreza, à medida que atende melhor a pessoa priorizada por programa específico, além de corrigir possíveis erros e injustiças cometidas no passado, promovendo o acesso e restituindo direitos perdidos à parte da população mais necessitada, complementando as políticas sociais universais, não sendo os dois métodos excludentes. Grosh (1994) ressalta que a focalização é uma ferramenta que melhora a eficiência dos programas de combate à pobreza dentro de um orçamento definido.

Dada a existência de recursos escassos para atender aos mais pobres em políticas sociais de transferências Coady, Grosh e Hoddinott (2004) argumenta que o governo deve utilizar um método de focalização que consista primordialmente no objetivo de reduzir ao máximo a pobreza ou, observando o problema por outro ângulo, deve-se aumentar o bem-

estar social. Por sua vez, o plano de transferência ótimo é aquele que, em uma situação com perfeitas condições de acesso aos recursos e a informações, proporciona uma transferência exclusivamente para os domicílios pobres.

Segundo Coady, Grosh e Hoddinott (2004, p. 7 - 9), existem custos diretos e indiretos para a realização da focalização. Os custos diretos são os custos administrativos relacionados, por exemplo, a coleta de informações. Já os custos do tipo indiretos correspondem aos: i) Custos privados relacionados à aceitação do benefício, ou seja, são custos que os

indivíduos têm ao inscreverem-se nos programas, tais como os custos de obtenção de certificação e/ou documentos necessários para a inscrição e os de transporte para ir aos locais de inscrição;

ii) “Custos de incentivo ou denominados de custos indiretos, podem existir pela presença de critérios de elegibilidade podendo induzir as pessoas a mudar seu comportamento de forma a se tornarem beneficiários”, tendo efeitos de caráter positivos e negativos. Como exemplo de efeitos positivos, na presença de condicionalidades vinculada à educação, observa-se que as pessoas podem mudar seu comportamento mantendo seus filhos na escola; já em casos de caráter negativo, pode ocorrer uma redução das horas trabalhadas ou declaração de rendas irreais para enquadrar-se em programas abertos a pessoas com nível de renda baixa, por exemplo;

iii) Custos sociais que podem ocorrer pelo fato das políticas identificarem publicamente a condição de pobreza do individuo, podendo gerar um estigma social, causando constrangimentos para os beneficiários; e,

iv) Custos políticos que correspondem ao fato da política pública escolher priorizar uma

parte da sociedade em detrimento de outra. Por exemplo, uma política pode gerar a exclusão da classe média, que por sua vez pode retirar grande parte do seu apoio aos programas, tornando-os insustentáveis quando estão apoiados no respaldo desta classe. Por outro lado, a focalização eficiente que garante que os benefícios cheguem somente àqueles que necessitem, poderia aumentar o apoio político daqueles que oferecem seu respaldo devido aos benefícios indiretos que percebem a partir da redução da pobreza.

Vale ressaltar que a existência de tais custos, requer que parte do orçamento do programa seja destinado a cobri-los. Desta forma, para que seja possível alcançar os melhores resultados possíveis, é necessário conhecer a natureza destes custos.

Na prática, os custos na obtenção de informação, ou seja, os custos administrativos são os mais relevantes para alguns métodos de focalização. No entanto, na realidade os recursos são limitados e as informações utilizadas para determinar a elegibilidade dos programas são

imperfeitas, o que promove a incidência de dois tipos de erros, o chamado erro do tipo I (ou erro de subcobertura ou erro de exclusão ou de E-erro) que ocorre quando, erroneamente, uma pessoa pobre não é incluída no programa, pois este a identificou como não pobre, e o chamado erro do tipo II (ou erro de vazamento ou erro de inclusão ou de F-erro) que ocorre quando, equivocadamente, o programa elege como beneficiária uma pessoa que não é pobre. Cornia e Stewart (1995), dizem que um método de focalização é eficiente quando minimiza o erro do tipo I.

Coady, Grosh e Hoddinott (2004) e Coady e Skoufias (2001) apresentam uma fórmula simples para mensurar os erros do tipo I e II.

Matematicamente tem-se: a) Erro do tipo I: p o p N N U  ,

onde Np,o é o número de pessoas pobres que ficam fora do programa e Np é o número total de pessoas pobres.

b) Erro do tipo II:

i i np N N L ,

onde Nnp,i é o número de pessoas não pobres do programa e Ni é o número total de pessoas do programa.

No entanto, esta abordagem de cálculo dos erros tipo I e tipo II apresenta várias limitações, que são:

“i) descarta informações em torno da distribuição; ii) é centrado apenas em quem obtém as transferências e não no valor dos benefícios obtidos pelas pessoas pobres beneficiadas; e, iii) ao efetuar uma comparação entre os programas, observa-se que aqueles que apresentam bons resultados em relação aos vazamentos, apresentam maus resultados na cobertura do programa”. (COADY e SKOUFIAS, 2001 apud COADY, GROSH e HODDINOTT, 2004, p. 12)

Coady, Grosh e Hoddinott (2004, p. 12 - 13) apontam algumas soluções dos referidos problemas que são: i) “os enfoques podem se basear em características distributivas, elaborando um índice de bem-estar social somando por indivíduos e utilizando ponderações explícitas de bem-estar para os diferentes indivíduos, sendo facilmente incorporados os aspectos dos custos administrativos do programa”; ii) “como alternativa para a especificação das ponderações, sejam elas implícitas ou explícitas, pode-se calcular a proporção dos

recursos dos programas, que por exemplo, se destina aos diferentes decis ou quintis da distribuição da renda nacional,” “podendo relacionar as cifras com as proporções de beneficiários ou a proporção das transferências totais,” o que equivale implicitamente a uma ponderação do bem-estar; e, iii) um terceiro enfoque seria re-discutir o problema, isto é, ver o problema por outro ângulo: “ao invés de discutir quão eficaz é o programa quanto à identificação dos pobres,” pode-se discutir “quão eficaz é na promoção da redução da pobreza.” Este último enfoque “incorpora explicitamente a magnitude das transferências e os recursos dos enfoques anteriores. Tal enfoque é aplicado em Ravallion (1989), Ravallion e Chao (1989)”, Glewwe (1990) e Glewwe (1992).

Vale salientar que em um mundo com recursos ilimitados, tais erros seriam facilmente minimizados com a adição de novas informações. Porém, em situação de recursos limitados, os administradores e formuladores de políticas têm que saber se tais custos são justificados pela real melhoria na focalização, pois os esforços voltados para a redução de um tipo de erro podem promover o aumento do outro.

Na prática, a impossibilidade de evitar os erros de focalização afeta as decisões sobre focalizar, tanto no que diz respeito ao método aplicado, quanto no que tange à precisão. Neste sentido, os tomadores de decisão têm que escolher quanto devem tolerar de cada tipo de erro, avaliando qual o ponto de equilíbrio desejado entre os custos de vazamento e os custos administrativos.

Segundo Coady, Grosh e Hoddinott (2004, p. 13 – 16, 58 -60), os principais métodos de focalização apresentam-se divididos em três grupos, que são:

i) Avaliação individual / familiar (Individual/Household Assessment), que consiste

em um funcionário, em geral do governo, avaliar cada família ou indivíduo solicitante do benefício para verificar se este reúne os requisitos necessários para o programa. O chamado padrão ouro deste tipo de focalização é a chamada verificação dos meios de

vida (verified means test), na qual coleta-se informações „completas‟ sobre a renda

e/ou o patrimônio de família e verifica-se tais informações com fontes independentes. Para tanto são necessários registros atualizados e capacidade administrativa para processar tais informações. No entanto, em países pobres estes requisitos são falhos. Neste caso, destacam-se três alternativas deste método de focalização, que são:

a) A comprovação simples do meio de vida (Simple means test): É um dos métodos mais comuns, pois não depende da comprovação da renda. Pode ser operacionalizado com a visita de agentes sociais do programa, que podem verificar, de forma quantitativa, se os níveis de vida visíveis são condizentes

com os declarados pelos beneficiários. Esta técnica apresenta a vantagem de ser mais precisa, mas depara-se com as seguintes desvantagens: requer alto nível de alfabetização e documentação das transações econômicas, de preferência, da renda; em termos administrativos, demanda significante esforço em sua verificação e é provável que promova desincentivos ao trabalho. Neste sentido, este método se adequa melhor quando se pode verificar as rendas declaradas ou alguma forma de auto-seleção limita as solicitações dos grupos não beneficiados, quando a capacidade administrativa é alta e quando os benefícios para os beneficiários são largamente suficientes e justifiquem os custos administrativos advindos do método em questão.

b) A comprovação substitutiva do meio de vida (Proxy means test): Baseado em um pequeno número de características facilmente observáveis, calcula-se uma “pontuação” ponderada para cada domicílio, idealmente obtida via análise fatorial ou por regressão de dados dos domicílios. A elegibilidade está determinada por uma comparação da “pontuação” com um valor limite predeterminado. Este método apresenta as seguintes vantagens: é verificável, podendo dissipar as inquietações advindas da politização ou do caráter aleatório das alocações dos benefícios; baseia-se em características domiciliares facilmente observáveis e tem menos probabilidade que no caso anterior de afetar o esforço laboral. Por outro lado, mostra algumas limitações, tais como: parece misteriosa ou arbitrária para alguns; requer grande grupo de pessoas alfabetizadas e provavelmente com capacitação computacional, além de necessitar de moderados a altos níveis de informações e tecnologias; apresenta inexatidão inerente em nível domiciliar, embora apresente bom resultado em média; e é insensível a rápidas mudanças no bem-estar, como por exemplo àquelas ocorridas durante uma crise ou em países em transição. Deste modo, adequa-se melhor em circunstâncias onde a capacidade administrativa é razoavelmente alta, quando os programas têm o objetivo de abordar a pobreza crônica em situações estáveis e quando é pertinente a grandes programas ou a vários programas, de modo a maximizar o retorno dos gastos fixos.

c) A focalização comunitária (Community based-targeting): Consiste em um líder ou um grupo de membros da comunidade, cujas principais funções comunitárias não se relacionam com o programa de transferência, decidir quais membros da comunidade deveriam receber os benefícios. Apresenta as

vantagens de aproveitar a informação local sobre as circunstâncias individuais, considera a definição local de necessidade e bem-estar e transfere os custos de identificação dos beneficiários da intervenção à comunidade (isto também pode ser considerado como desvantagem). São desvantagens: os atores locais têm outros incentivos além da focalização adequada do programa, pode diminuir a autoridade ou a coesão dos atores locais, pode perpetuar ou exacerbar os padrões de exclusão social e em caso de se utilizar definições locais de bem-estar, a avaliação é mais difícil e se faz mais ambígua. Assim, tal método demonstra-se mais adequado para programas que incluem uma pequena parcela da população, para programas temporários ou de benefícios reduzidos que não são compatíveis com uma estrutura administrativa própria e quando as comunidades locais estão claramente definidas e coesas.

ii) Focalização categórica (ou denominada de focalização estatística, ou

classificação, ou focalização grupal): A elegibilidade é definida em termos de características individuais ou familiares que são bastante fáceis de se observar, difíceis de falsear e que estão correlacionadas com a pobreza. São exemplos deste método:

a) A focalização geográfica: Este método utiliza pelo menos as informações da localização da residência, valendo-se das informações existentes tais como pesquisas de necessidades básicas ou mapa da pobreza. Nota-se as seguintes vantagens na aplicação deste método: é administrativamente simples; não apresenta desincentivos ao trabalho; é pouco provável a promoção de estigmas e é fácil de combinar com outros métodos. Porém, apresenta as limitações em depender das predições das informações; mostra um mau desempenho em casos onde a pobreza não se encontra concentrada em termos espaciais e pode ser polêmico em termos políticos. Nestas circunstancias, este método é mais adequado quando existem variações consideráveis nos níveis de vida entre as regiões; quando a capacidade administrativa é limitada a ponto de impedir o uso da avaliação familiar / individual.

b) A focalização demográfica: A elegibilidade é determinada por características demográficas, tais como idade e gênero. Contém as seguintes vantagens: é administrativamente simples, baixo nível de estigma e é freqüentemente popular em termos políticos. Apresenta a desvantagem de proporcionar resultados inexatos quando as características são mal correlacionadas com a

pobreza. No entanto, as pesquisas atuais sugerem que as correlações observadas são sensíveis às suposições feitas sobre as economias de escala familiar e as equivalências de adultos. Neste sentido, tal método se adequa melhor quando os registros das estatísticas vitais ou de outras características demográficas são extensas e quando se requer um método de focalização de baixo custo.

iii) Auto-focalização: Consiste em programas, bens ou serviços abertos para todos, ou

seja, tem elegibilidade universal, mas seu desenho envolve dimensões pensadas para que os pobres sejam motivados a participar de tais programas e para que os não pobres não os utilizem. Apresenta a vantagem do custo da focalização ser baixo e de ser pouco provável a origem de desestímulos ao trabalho. Porém, impõe custos, às vezes bastantes significativos para os beneficiários, o que reduz o valor líquido dos benefícios, pode gerar um estigma na população e pode ser difícil de encontrar uma forma para entregar um benefício considerado. Tal método é apropriado para países com baixa capacidade administrativa; onde os indivíduos estão se movimentando rapidamente dentro e fora da linha de pobreza e em casos onde o salário ou consumo padrão separa os pobres dos não pobres.

Deve-se salientar que a aplicação de um método não exclui a inclusão de outro em um mesmo programa ou em programas distintos mas aplicado em um mesmo período, ou seja, não há exclusão entre os métodos, podendo ser combinados.

Comparando estudos de focalização na América Latina, Grosh (1994) constata que, entre todos os mecanismos de focalização analisados, o procedimento de comprovação

substitutiva do meio de vida produz os melhores resultados. Outros estudos como os de

Tavares e Pazello (2006), Faria (2006), Faria, Silva e Feijó (2006), Castañeda e Lindert (2005), Gelbach e Pritchett (2002), Anuatti Neto, Fernandes e Pazzello (2000), Muller e Bibi (2005), Muller (2005), Bibi (2000), Grosh e Baker (1995), Glewwe (1990, 1992), Glewwe e Kannan (1989) e Havallion e Chão (1989) confirmam tal idéia.

Analisando a focalização do programa Bolsa-Escola, usando dados da PNAD 2001, Tavares e Pazello (2006), verificam que o índice de focalização corresponde a 0,8485 e que 67,7% das crianças beneficiárias pertencem ao público-alvo, enquanto que o erro de vazamento corresponde a apenas 3,3%. Por outro lado, o programa apresenta uma baixa cobertura, apenas 39,1% dos domicílios pertencentes ao público-alvo é atendido pelo

programa, sendo este o principal erro. Além disso, salientam que os critérios utilizados pelo programa Bolsa-Escola para selecionar os potenciais beneficiários não são ideais; estes poderiam ser melhorados com utilização de proxies para a renda (mecanismo proxy means-

tested) na identificação do público alvo e, além disso, também poderiam melhorar a eficiência

dos gastos do governo. Demonstram também que, quando se utiliza proxies de renda, a focalização do programa passaria para 0,8985, além de melhorar a cobertura e os vazamentos passando para 49,1% e 1,5%, respectivamente. O que vem a corroborar com a idéia exposta anteriormente.

Desta forma, considerando a amplitude do Programa Bolsa-Família que, dentre outras coisas, deseja mitigar a constante e persistente pobreza do país e ciente da necessidade de uma melhor focalização deste programa, pode-se verificar, diante do exposto acima, que o método de comprovação substitutiva do meio de vida (proxy means-tested) apresenta-se como uma alternativa apropriada para definir de forma mais precisa seus critérios de elegibilidade.