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3.1 CONDIÇÕES HISTÓRICAS CONCRETAS

3.1.3 Os professores, suas condições de trabalho e de formação

Antes de apresentar as informações sobre os professores, vale esclarecer que os professores concordaram em participar da pesquisa ao assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice C) e que o projeto de pesquisa vinculado a este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética para pesquisa em seres humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), sob o parecer número 545.588.

Todos os professores que iniciaram a formação continuada em 2013 responderam a um questionário exploratório (Apêndice D) nos meses de novembro e dezembro de 2013. Como houve casos de professores que passaram a frequentar os encontros formativos apenas em 2014, quatro (4) questionários foram respondidos em 2014. O questionário foi composto por 16 questões objetivas e 13 questões discursivas. Os professores poderiam responder uma versão impressa do questionário ou utilizar a versão eletrônica, disponível via formulários do

Google39

. Esse instrumento de coleta de dados foi elaborado com o objetivo de obter informações sobre o perfil dos professores, o nível de conhecimento técnico sobre informática, a experiência com informática educativa, as dificuldades na utilização das TIC, as impressões sobre cursos de formação continuada, entre outros dados.

39 A empresa Google disponibiliza uma ferramenta que permite a criação e a disponibilização de questionários

que podem ser respondidos utilizando-se um navegador de Internet. Outras informações podem ser obtidas no endereço https://support.google.com/docs/answer/87809?hl=pt-BR&ref_topic=6063584. O questionário online pode ser visitado neste endereço: http://bit.ly/perfilProfessores.

A seguir são apresentadas algumas das características dos professores que frequentaram a formação por mais de dois encontros desta pesquisa-ação-formação. Para preservar a identidade dos participantes, cada professor foi identificado por um código, em substituição aos seus nomes. Esse código é formado pela letra P que significa “professor” ou “professora”, seguido da letra C (Ciências) ou M (Matemática), que representa o grupo ao qual o professor pertence, e um número atribuído, de modo aleatório, a cada professor de cada grupo. Assim, o código PC1 deve ser lido como “professor(a) 1 do grupo de Ciências”; e o código PCM1 representa um(a) professor(a) que participou dos encontros formativos dos dois grupos. Esse(a) profissional lecionava as disciplinas de Ciências e Matemática e decidiu participar dos encontros dos dois grupos. No Quadro 9 constam algumas informações dos professores que frequentaram a formação continuada:

Quadro 9 – Dados gerais dos professores que frequentaram os encontros formativos

Professor Ano40 Sexo Idade Graduação

Experiência Docente (x) em anos41 Carga horária semanal (horas/aula42) PC1 2013 M 29 LCB 1 ≤ x < 5 42 PC2 2013 F 48 BD e CP 15 ≤ x 49 PC3 2013 F 39 LCB 15 ≤ x 25 PC4 2013 M 35 LEF 5 ≤ x < 10 42 PC5 2013 F 39 LCB 5 ≤ x < 10 40 PC6 2013 F 29 LEF 1 ≤ x < 5 20 PM1 2013 M 40 LM 15 ≤ x 48 PM2 2013 F 35 LM 5 ≤ x < 10 58 PM3 2013 M 40 Magistério 15 ≤ x 30 PM4 2013 F 33 LM 1 ≤ x < 5 24 PM5 2013 F 37 LM 10 ≤ x < 15 54 PM6 2014 F 25 LM x < 1 40 PM7 2013 F 40 LM 1 ≤ x < 5 40 PM8 2014 F 35 LM e LP 10 ≤ x < 15 40 PM9 2014 M 47 LM 15 ≤ x 60 PM10 2013 F 53 LM 15 ≤ x 40

40 A coluna Ano indica o ano em que o professor respondeu ao questionário inicial. 41

A indicação da experiência docente foi feita com o uso da notação matemática de intervalos numéricos.

42 O termo horas/aula é utilizado pelos professores participantes da pesquisa-formação e pode ser interpretado

Professor Ano40 Sexo Idade Graduação Experiência Docente (x) em anos41 Carga horária semanal (horas/aula42) PM11 2013 M 55 LM 15 ≤ x 40 PM12 2013 F 36 LP 10 ≤ x < 15 40 PCM1 2014 F 23 LF 10 ≤ x < 15 40

Legendas: F = feminino; M = masculino; LCB = Licenciatura em Ciências Biológicas; LM = Licenciatura em Matemática; LEF = Licenciatura em Educação Física; LP = Licenciatura em Pedagogia; LF = Licenciatura em Física; BD = Bacharelado em Direito; CP = Complementação em Pedagogia.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados coletados por meio do questionário exploratório.

É possível observar, a partir dos dados apresentados no Quadro 9, que a maioria dos docentes era do sexo feminino. No grupo de Ciências eram quatro professoras de um total de seis e, no grupo de Matemática, dos 13 respondentes, 10 eram do sexo feminino. Essa preponderância do sexo feminino entre os docentes da educação básica não constitui um fenômeno local e é apontada por Gatti (2010) como uma característica histórica da educação brasileira.

No que se refere à relação entre a formação e a área de atuação, os grupos de professores de Ciências e de Matemática apresentavam perfis diferentes. Enquanto a maioria dos docentes de Matemática (10 de 13) era licenciada para lecionar essa disciplina, o grupo de Ciências possuía uma configuração peculiar: três professores graduados em licenciatura plena em Ciências Biológicas, dois docentes formados em licenciatura em Educação Física e uma professora graduada em direito. Dessa forma, a metade dos professores de Ciências que participaram da pesquisa não são licenciados em cursos da área de Ciências Naturais.

Sabe-se que, no Brasil, não há uma legislação que regulamente a formação de professores de Ciências e são poucos os cursos de graduação destinados a formar esse tipo de profissional (GARCIA; FAZIO; PANIZZON, 2011). Portanto, é esperado que professores de diferentes áreas do conhecimento acabem assumindo essas aulas, como de fato ocorre na rede pública municipal de Jataí. É preciso, contudo, questionar se o conhecimento profissional desses docentes, principalmente no que se refere ao conhecimento do conteúdo e ao conhecimento didático do conteúdo (GARCÍA, 1999), é adequado para lecionarem a disciplina de Ciências. No caso da pesquisa-ação-formação aqui descrita, o percurso formativo permitiu identificar a fragilidade desses conhecimentos nos professores PC2, PC4, PC5, PC6 e PM8. Em diversos momentos dos encontros nos quais buscou-se discutir determinados conhecimentos científicos ou vivenciar alguma tarefa de aprendizagem, esses

professores apresentaram algumas dificuldades tanto no que se refere ao conhecimento do conteúdo da disciplina quanto aos saberes envolvidos com o ensino desse conteúdo.

Além da relação entre formação inicial e atuação profissional, a experiência docente é outro aspecto que diferencia os dois grupos de respondentes. No grupo de Matemática, havia mais professores com experiência docente superior a 10 anos – são oito docentes (61,5%) − do que no grupo de Ciências, com professores (33,3%) com essa experiência. Nas demais “faixas” de cinco anos (PC1, PC6, PCM1, PM4, PM6 e PM7) e o grupo de Ciências contava, proporcionalmente, com mais docentes com experiência maior ou igual a cinco e menor que dez anos (PC5, PC4 e PM2). Assim, cada grupo possui docentes com trajetórias profissionais mais ou menos longas, e que estão em diferentes etapas do ciclo de vida profissional (GARCÍA, 1999) o que possibilitaria, ao menos em tese, o compartilhamento de saberes e experiências durante a formação continuada. Vale relembrar que, no grupo dos professores de Ciências, apenas três têm formação específica.

Outro ponto que distinguia os dois grupos era quanto ao regime de contratação dos docentes. No grupo de Ciências, apenas PC2 e PC3 eram servidoras concursadas, já o grupo de Matemática contava com 10 professores efetivos (PM1, PM2, PM3, PM4, PM5, PM8, PM9, PM10, PM11 e PM12), dois docentes “temporários”43

(PM7 e PCM1) e uma servidora técnico-administrativa que se encontrava em desvio de função (PM6). É necessário destacar que, até o ano de 2014, a docente PM6 ainda não havia iniciado sua experiência profissional como docente, atuando como servidora técnico-administrativa da prefeitura municipal de Jataí.

A carga horária semanal dos docentes se constituiu em um aspecto importante no contexto da intervenção formativa. Quando os professores responderam ao questionário, foram orientados a informar a carga horária total de suas atividades em sala de aula. Desse modo, se um professor atuasse em diferentes escolas ou redes de educação, deveria indicar o total de horas em que está lecionando. Por exemplo, PM9 atuava em instituições públicas municipais e estaduais, perfazendo, ao longo da semana, um total de 60 horas em sala de aula. Conforme pode ser observado na Tabela 2, além de PM9, havia mais dois professores com carga horária superior a 50 horas/aula e que, portanto, atuavam nos três44 períodos de funcionamento escolar por, pelo menos, um dia da semana.

43 Os docentes denominados temporários são aqueles contratados por meio de um contrato por período

determinado.

44 Esse cálculo foi feito com base na informação fornecida pelos professores participantes de que, em cada turno

Tabela 2 - Número e percentual de professores nas faixas de carga horária semanal

Carga horária semanal (horas/aula) Número de professores Percentual45

Até 25 3 15,8% Entre 26 e 30 1 5,3% Entre 36 e 40 8 42,1% Entre 41 e 50 4 21% Superior a 50 3 15,8% Total 19 100%

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados coletados por meio do questionário exploratório.

Apenas três professores trabalhavam em um único turno, com uma carga horária de até 25 horas/aula. A faixa de carga horária mais frequente – entre 36 e 40 horas/aula − corresponde a uma jornada de trabalho na qual o professor precisaria estar presente, em sala de aula, em dois períodos por, no mínimo, uma vez durante a semana. Tendo em vista que o professor realiza outras tarefas relacionadas à atividade docente, configurava-se, para boa parte dos participantes da pesquisa, um problema relacionado ao tempo e à remuneração:

Todos os professores sabem que suas obrigações docentes se estendem a tempos que vão muito além do exercício em aula e mesmo das suas obrigações de presença nas escolas.

As horas dedicadas ao estudo, à pesquisa, ao planejamento pedagógico, ao preparo das aulas, à produção de materiais didáticos e às correções das atividades dos alunos – normalmente realizadas fora do ambiente escolar – não são, em geral, computadas na jornada semanal de dedicação do docente. (KENSKI, 2013, p. 57).

As condições históricas concretas da realidade profissional do docente determinarão a sua atividade de ensinar certo conteúdo aos seus alunos. De acordo com Moretti (2007), o professor fará a seleção dos instrumentos (recursos didáticos), escolherá as estratégias didáticas e planejará a sequência de ações que os alunos devem realizar, a partir das condições objetivas nas quais a atividade de ensino acontece. Os professores agem, portanto, de acordo com as condições das operações que realizam (LEONTIEV, 2014). Torna-se, então, fundamental ponderar se professores que lecionam em dois ou três turnos, ou que estão sujeitos a um contrato temporário, têm condições de concretizarem o significado social da

45 O percentual foi calculado com o objetivo de indicar a proporção de professores, dentre os respondentes, que

se enquadram em determinada faixa de trabalho semanal em sala de aula. Apesar de não ter a pretensão de generalizar, acredita-se que a situação geral dos professores de Ciências e Matemática da rede municipal de educação não seja muito distinta da realidade apresentada.

atividade docente: organizar e desencadear situações que levem os alunos à aprendizagem dos conhecimentos historicamente elaborados (ASBAHR, 2005; BASSO, 1998). Em que tempo e com qual qualidade esses professores realizam as demais tarefas docentes, tais como a preparação de aulas, a correção de exercícios, a avaliação das tarefas discentes e a própria formação? Com a incerteza do vínculo empregatício, como fazer um alto investimento nas tarefas docentes?

Uma possível estratégia de sobrevivência para esses professores, muito recorrente nesses casos, é a realização de uma docência pautada na repetição de aulas e do conteúdo dos livros. Nesses casos, em virtude das condições históricas concretas a que esses professores estão sujeitos, é grande a possibilidade de que eles estejam realizando uma prática alienante, visto que

[...] o trabalho resumido a repetir conteúdos imutáveis embota o professor. A reprodução mecânica da atividade docente não permite a ampliação das possibilidades de crescer como professor e ser humano. Alienante porque o motivo pelo qual o professor realiza aquelas operações mecânicas tem sido, apenas, o de garantir a sobrevivência, não correspondendo ao significado fixado socialmente. Temos, então, a ruptura entre significado e sentido do trabalho docente (BASSO, 1998).

No caso dos docentes que frequentaram o curso da intervenção formativa, a carga horária de atividades relacionadas com o exercício da docência nas semanas nas quais ocorreram os encontros formativos era aumentada em mais três horas a cada quinze dias. Tem-se, então, que a jornada docente para esses professores foi, mesmo para os que lecionam até 30 horas/aula por semana, extensa e, no mínimo, cansativa.

Outro aspecto fundamental para a formação continuada é o conjunto de conhecimentos, experiências e apropriações que os professores possuem sobre informática e o uso da informática na educação. Na Tabela 3 estão dispostos os dados referentes à autoavaliação sobre o conhecimento técnico em informática, obtidos por meio da décima pergunta do questionário exploratório:

Tabela 3 – Distribuição de frequência da autoavaliação sobre conhecimento técnico em informática

Nível do conhecimento técnico em informática Número de

professores Percentual

Não possuo conhecimento técnico em informática 1 5,3%

Fraco 4 21,1%

Nível do conhecimento técnico em informática Número de

professores Percentual

Bom 7 36,8%

Muito bom 1 5,3%

Total 19 100%

Fonte: Organizado pelo autor a partir dos dados coletados por meio do questionário exploratório.

Ainda que oito (8) professores se considerassem com conhecimentos bons ou muito bons em informática, 11 docentes afirmaram ter um nível de conhecimento igual ou inferior a regular. Para o caso desses professores e, em especial, dos que se avaliaram como não tendo nenhum conhecimento técnico em informática, pode ser mais difícil o enfrentamento das condições objetivas para a realização de atividades de ensino e de aprendizagem mediadas pelas TIC. A disposição para o enfrentamento e para a eventual superação das condições objetivas das atividades de ensino utilizando as TIC depende, também, do conhecimento sobre como utilizar as TIC na educação.

A Tabela 4 foi elaborada a partir das respostas fornecidas às questões 11 e 12, que buscaram levantar a percepção do próprio conhecimento em informática educativa dos docentes:

Tabela 4 – Distribuição de frequência da percepção sobre o próprio conhecimento em informática educativa

Percepção sobre o conhecimento em informática educativa

Número de

professores Percentual

Não possuo conhecimentos sobre informática

educativa 4 21,1% Fraco 5 26,3% Regular 5 26,3% Bom 5 26,3% Muito bom 0 0% Ótimo 0 0% Total 19 100%

Fonte: Organizado pelo pesquisador a partir dos dados coletados por meio do questionário exploratório.

Apenas cinco (5) professores (PC1, PCM1, PM3, PM11, PM12) se consideraram como portadores de um bom conhecimento em informática educativa. Entretanto, apesar dessa percepção positiva, os professores PCM1, PM11 e PM12 apresentaram inúmeras

dificuldades quando foram solicitados a utilizar ou a planejar atividades de ensino mediadas pelas TIC.

As características das escolas e dos professores que foram aqui apresentadas compuseram o quadro não apenas das condições históricas concretas da atividade docente dos participantes, mas também das atividades de formação continuada e de pesquisa realizadas pelo autor desse relatório. Em outras palavras, a pesquisa e a formação, entendidas como atividades, foram determinadas pelas condições históricas concretas nas quais foram desenvolvidas. Condições estas que incluem, entre outros elementos, o perfil dos professores, as condições materiais das escolas nas quais os docentes atuam e, também, as atividades da gestão da educação pública municipal de Jataí e das coordenações e direções de cada unidade escolar.

4 ANÁLISES E REFLEXÕES

As análises e reflexões presentes neste capítulo buscaram, a partir do referencial teórico, desvelar o processo formativo dos professores. Para isso os dados coletados durante toda a formação continuada foram organizados e submetidos a uma análise inicial que possibilitou a seleção das ações e produtos das atividades de formação e de pesquisa que permitissem a reconstrução e a compreensão do processo formativo dos professores. A partir dessas análises foram feitar inferências sobre a apropriação de conhecimentos e sobre o processo formativo dos professores. Contudo, é necessário destacar que a análise não ocorreu de forma linear, mas que houve um movimento de idas e vindas, entre as inferências, a compreensão do percurso formativo e os dados empíricos. Esse movimento encontra-se representado na Figura 20:

Figura 20 - Representação do movimento de análise do processo formativo

Fonte: Elaborado pelo autor.

O capítulo inicia-se pela apresentação da forma de seleção dos professores cujo percurso formativo é o objeto de pesquisa dessa investigação. Também é apresentado o perfil desses docentes. Em seguida são apresentadas as análises de algumas das ações das atividades de pesquisa e de formação que foram desenvolvidas durante a realização da formação continuada, tendo como base o referencial teórico adotado.