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Capítulo III. Metodologias e Contextos de Investigação

S EGUNDA P ARTE

4.4. As relações entre o espacial e o social

4.4.1. Os transportes na Lisboa oitocentista

A geografia física da cidade de Lisboa justifica o seu epíteto de cidade das sete

colinas, sendo descrita pelos seus enormes declives, muitas escadas, ruas e becos. Esta

situação influenciou sempre a quantidade e qualidade dos transportes da cidade. Os sucessos dos veículos de tracção humana e animal dependeram sempre das características físicas da cidade de Lisboa. Nas suas ligações ao exterior foi sempre provida de barcos que atravessavam o Tejo. Os navios de grande porte tinham, no entanto, de ficar afastados da margem ou ribeira por inexistência de cais com dimensões para poderem atracar. O transporte fluvial antes do aparecimento dos caminhos-de-ferro – o primeiro troço da via-férrea foi terminado em 1856 e ligava Lisboa ao Carregado ao longo de 36 km – e das boas estradas – em 1848 inicia-se a construção do eixo Lisboa-Porto – eram de grande importância (Ferreira, 2004, p. 7). O rio Tejo em vez de separar as pessoas das duas margens unia-as e assegurava-lhes um meio de transporte (fluvial) excelente. Nos transportes interessa-nos, em especial, os utilizados no interior da cidade e as suas ligações entre os vários pontos da capital. Segundo Marques & Serrão, a “Gente de condição tinha o seu meio de transporte próprio: um ou mais cavalos e, frequentemente, carruagem” (2002, p. 514). É o cavalo, preparado com a sela, os arreios e o estribilho, que se converte no meio de transporte escolhido pelas classes privilegiadas. Por isso, as cocheiras e cavalariças para albergar os veículos e os animais eram imprescindíveis na velha cidade oitocentista. O burro foi muito usado pelas classes populares para transportar pessoas e, mais assiduamente, mercadorias. No século XIX, ainda existiam praças onde se poderiam alugar os pachorrentos jumentos, como era o caso das Ruas da Betesga e do Campo de Sant´Ana. Mas é importante referir que às damas doentes e velhos eram reservados transportes de suspensão que se faziam em cadeirinhas. As

lisboeta oitocentista. A fada electricidade chegou somente em 1878: foram inaugurados, em pleno Chiado, os primeiros seis candeeiros eléctricos (cf. Serrão, vol. I , 1980; Santana & Sucena, 1994). “Em 1886 o Teatro de S. Carlos era já iluminado por meio da electricidade, embora a energia fosse produzida por central privativa” (Serrão, vol. II, s.d., p. 55).

Fig. nº 2 Galegos8 conduzindo numa cadeirinha

Relações Interétnicas, Dinâmicas Sociais e Estratégias Identitárias de uma Família Cigana Portuguesa - 1827 – 1957 Capítulo IV– Lisboa Oitocentista: o espaço e as relações sociais

cadeirinhas eram constituídas por uma “caixa rectangular, forrada de couro, atravessada

por dois varais e transportadas por dois homens” (Moita, 1979, p. 41).

Fig. nº 3 - Liteira1 em viagem Fig. nº 4 - Sege1 numa rua de Lisboa Fig. nº 5 - Omnibus na Pç. do Município

As ruas de Lisboa eram percorridas por diferentes tipos de transportes9: as célebres liteiras, uma espécie de caixa com tejadilho abaulado e com duas portas laterais, eram transportadas por dois muares, um à frente e outro atrás; a sege, muito usada no século XVIII, com duas grandes rodas, era puxada por dois cavalos; a caleche, preferida pelas classes populares, tal como a traquitana, era uma espécie de sege com maiores dimensões e com quatro rodas. Os animais, com predominância dos cavalos, eram, por isso, fundamentais na rede pública de transportes da cidade de Lisboa oitocentista.

9 A capital foi entretanto servida com as carreiras de seges que ligavam lugares afastados da cidade. Mas a sege foi cedendo o seu lugar ao coupé; ao maylord; à vitória e à caleche; ao landau (carruagem de luxo, descapotável); à aranha (carro de recreio, muito leve, de rodas altas, puxado por um só cavalo); ao breck; ao char-à-bancs (puxado por dois bois); ao mail-coache, que percorria longas distâncias; ao trem e à tipóia (dos finais do século XIX e início do século XX). O serviço público de transporte é servido pelo omnibus (do latim omnes = todas as pessoas, toda a gente); pelo americano, que transportava cerca de trinta passageiros; pelo chora, que foi, possivelmente, o carro mais popular da cidade de Lisboa e que percorreu a cidade por mais de trinta anos; e, finalmente,

Alguns meios de transporte e imagens do quotidiano da Lisboa oitocentistas10

Fig. 6 Fig. 7 Fig. 8

Carros do Chora11 durante uma greve, fotos de Benoliel, Joshua, 1912

Fig. nº 9 - Trem de aluguer da empresa de Eduardo Augusto de Oliveira Início séc.

XX, foto de Benoliel, Joshua

Fig. nº 10 - Carro de Limpeza, inicio do sec. XX, Foto de Benoliel, Joshua

Fig. nº 11 - Carro Americano12, Final séc.

XIX

10 Fotos da Hemeroteca da Câmara Municipal de Lisboa. http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt

11Artigos na Ilustração Portuguesa, 1912, 10, 17 e 24 de Junho. Os transportes públicos de tracção animal, mais utilizados no século XIX e que sobreviveram até ao século XX, foram os Choras das empresas Eduardo Jorge, Salazar e Jacinto. Eram mais concorridos que os carros Americanos por praticarem preços mais económicos e assegurarem as viagens entre a Mouraria, o Intendente e Belém.

In Hemeroteca da C.M.L.

12 Dias, Marina Tavares - Lisboa desaparecida 3. Lisboa: Quimera, 1992. Os americanos, como os lisboetas os apelidaram, nasceram no Rio de Janeiro, em 1870, transporte colectivo movido por força animal e deslocando-se sobre carris de ferro. A 18 de Novembro de 1873, este novo sistema de viação começou a prestar os seus serviços à cidade. Tinham assentos para 22 pessoas e outros tantos lugares de pé junto do condutor ou nas plataformas laterais. A primeira linha inaugurada foi a de Santa Apolónia -

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Fig.12 - Trem de aluguer na Pç. do Pelourinho, 1832

Fig. nº 13 - Omnibus13, carro da empresa Joaquim Simplício, data 1912, foto de

Benoliel, Joshua.

Fig. nº 14 - Tipóias14 na Pç. dos Restauradores e Av. da Liberdade

Fig. nº 15 - Rossio e teatro Nacional Dona Maria II15, carro Americano, data 1897

Fig. nº 16 - Char-à-bancs, viatura do século XIX

Fig, nº 17 - Rei Alberto I da Bélgica, a rainha e o príncipe Leopoldo, no landau16 da presidência da República, após a sua chegada a Lisboa.

Fig. nº 18 - Caleche O rei D. Carlos, a rainha o infante D. Manuel, data ant. 1908, foto de Lima, Alberto Carlos.

Fig. nº 19 - Traquitana, viatura do século XIX.

Fig. nº 20 - Coupé e eléctrico, Palácio Sabrosa, foto de Guedes, Paulo.

13

Artigos na Ilustração Portuguesa, 1912, 10, 17 e 24 de Junho. "Uma das quinze companhias de "Omnibus" que, entre 1870 e 1890, se implantaram em Lisboa. Serviam áreas restritas de Lisboa e a incomodidade prestada pelos seus serviços só lhes permitia sobreviver em áreas onde a Carris ainda não se tinha implantado" in Rocio/Rossio. Terreiro da Cidade. in Hemeroteca, C.M.L. 14 Semelhante à imagem publicada na Ilustração Portuguesa, n.º 243, 17.10.1910, p., in Hemeroteca da C.M.L.

15 Lisboa. Câmara Municipal. Arquivo Municipal - Rocio-Rossio: terreiro da cidade. Porto: Edições Asa, 1990. in Hemeroteca da C.M.L.