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P REFÁCIO DA E DIÇÃO I NGLESA

No documento O Capital - Volume I (páginas 142-146)

A

publicação de uma edição inglesa de O Capital não precisa

ser justificada. Pelo contrário, pode-se esperar uma explicação do por- quê foi retardada até agora esta edição inglesa, quando há vários anos as teorias deste livro têm sido constantemente citadas, atacadas e de- fendidas, explicadas e distorcidas, tanto na imprensa periódica e coti- diana da Inglaterra quanto da América.

Quando, pouco após a morte do autor em 1883, se tornou claro que se tornava realmente necessária uma edição inglesa da obra, o sr. Samuel Moore, velho amigo de Marx e do autor destas linhas, pessoa talvez a mais familiarizada com o livro do que qualquer outra, pron- tificou-se a fazer a tradução que os testamenteiros literários de Marx instavam que fosse publicada. Ficou acertado que eu deveria comparar o manuscrito com o original e propor as modificações que me parecessem aconselháveis. Quando pouco a pouco se mostrou que as ocupações profissionais impediam o sr. Moore de concluir a tradução tão rapida- mente quanto todos nós desejávamos, aceitamos com alegria a oferta do dr. Aveling de incumbir-se de parte do trabalho. Ao mesmo tempo, a sra. Aveling, a filha mais jovem de Marx, ofereceu-se para conferir as citações e recuperar o texto original das numerosas passagens de autores ingleses e dos Livros Azuis traduzidas por Marx para o alemão. Foram traduzidas pelo dr. Aveling as seguintes partes do livro: 1) os capítulos X ("A Jornada de Trabalho") e XI ("Taxa e Massa de Mais-valia"); 2) a Seção VI ("O Salário"), compreendendo os capítulos XIX a XXII; 3) do capítulo XXIV, Seção IV ("Circunstâncias que" etc.) até o final do livro, abrangendo a última parte do capítulo XXIV, ca- pítulo XXV e toda a Seção VIII (os capítulos XXVI até XXXIII); 4) os dois prefácios do autor. Todo o resto do livro foi traduzido pelo sr. Moore.61 Enquanto cada tradutor é responsável apenas por sua parte,

cabe-me responsabilidade geral pelo todo.

61 A numeração dos capítulos da edição inglesa do volume I de O Capital não coincide com a numeração das edições alemãs. (N. da E. Alemã.)

A terceira edição alemã, na qual se baseou inteiramente o nosso trabalho, foi preparada por mim em 1883, levando em consideração as notas deixadas pelo autor, que indicam as passagens da segunda edição que deveriam ser substituídas por passagens correspondentes do texto francês publicado em 1873.62 As modificações assim introdu-

zidas no texto da segunda edição coincidiam, geralmente, com as al- terações que Marx recomendara numa série de instruções do próprio punho para uma versão para o inglês que havia sido planejada nos Estados Unidos há dez anos, mas da qual se desistiu principalmente por falta de um tradutor capaz e adequado. Esse manuscrito foi colocado à nossa disposição por nosso velho amigo, o sr. F. A. Sorge, de Hoboken, New Jersey. Continha ainda a indicação de inserir alguns outros trechos da edição francesa; mas, como ele era vários anos mais antigo do que as últimas instruções para a terceira edição, não me considerei auto- rizado a fazer uso delas a não ser em casos excepcionais e especialmente quando nos ajudavam a superar dificuldades. Igualmente o texto fran- cês foi usado, na maioria das passagens difíceis, para indicar o que o próprio autor estava preparado para sacrificar, sempre que algo do sentido integral do original tivesse que ser sacrificado na tradução.

Uma dificuldade persiste, no entanto, e dela não podemos poupar o leitor: o emprego de certas expressões em sentido diferente não só do uso na linguagem cotidiana, mas também na Economia Política usual. Isso era, porém, inevitável. Cada concepção nova de uma ciência implica uma revolução nos termos técnicos dessa ciência. Isso se evi- dencia melhor na Química, cuja terminologia toda está sendo radical- mente alterada a cada vinte anos mais ou menos e na qual dificilmente se pode encontrar um composto orgânico que não tenha tido toda uma série de nomes diferentes. A Economia Política geralmente tem-se con- tentado em tomar, tal como se encontram, as expressões da vida co- mercial e industrial e operar com elas sem se dar em absoluto conta de que ela, com isso, se restringe ao círculo estreito das idéias que essas palavras exprimem. Assim, a própria Economia Política clássica — embora tivesse consciência plena de que tanto o lucro quanto a renda são apenas subdivisões, parcelas daquela parte não paga do produto que o trabalhador tem de fornecer ao patrão (o primeiro que dela se apropria, ainda que não seja seu último nem único dono) — jamais ultrapassou os conceitos usuais de lucro e renda, jamais exa- minou em seu conjunto, como um todo, essa parte não paga do produto (que Marx chamou de mais-valia) e, por isso, ela jamais atingiu uma compreensão clara, seja de sua origem e de sua natureza, seja também das leis que regulam a posterior repartição do seu valor. De modo

62 Le Capital. Par Karl Marx. Tradução de M. J. Roy, totalmente revista pelo autor, Paris,

Lachâtre. Essa tradução contém, especialmente na última parte do livro, consideráveis mudanças e complementações em relação ao texto da 2ª edição alemã.

semelhante, toda a indústria, excetuando-se a agricultura e o artesa- nato, é subsumida, sem nenhuma diferenciação, no termo “manufatura” e, com isso, apaga-se a diferença entre dois períodos importantes e essencialmente diversos: o período da manufatura propriamente dita, baseado na divisão do trabalho manual, e o período da indústria mo- derna, baseado na maquinaria. É no entanto evidente que uma teoria que considera a moderna produção capitalista mera etapa de evolução da história econômica da humanidade tenha de empregar outras ex- pressões do que aqueles autores que encaram essa forma de produção como imperecível e definitiva.

Talvez não seja inoportuna uma palavra quanto ao método de citar empregado pelo autor. Na maioria dos casos, as citações servem, como é usual, para documentar asserções feitas no texto. Mas, em muitos casos, são transcritas passagens de economistas para mostrar quando, onde e por quem determinado ponto de vista foi pela primeira vez claramente expresso. Isso ocorre nos casos em que a opinião trans- crita é importante como expressão mais ou menos adequada das con- dições sociais de produção e de troca dominantes em determinada época, independentemente do fato de Marx a aceitar ou se ela tinha validade geral. Essas citações enriquecem, portanto, o texto com um comentário corrente extraído da história da ciência.

A nossa tradução compreende apenas o Livro Primeiro da obra. Mas esse livro é em grande medida um todo em si mesmo e, por vinte anos, passou por obra autônoma. O Livro Segundo, que editei em alemão em 1885, fica decididamente incompleto sem o Livro Terceiro, que não poderá ser publicado antes do final de 1887. Quando sair à luz, no original alemão, o Livro Terceiro, haverá bastante tempo para pensar em preparar uma edição inglesa de ambos.

O Capital, no continente europeu, é chamado freqüentemente de

“Bíblia da classe operária”. Que as conclusões sustentadas nesta obra se tornam cada dia mais os princípios fundamentais do grande movi- mento da classe operária, não só na Alemanha e na Suíça, mas também na França, na Holanda e na Bélgica, na América e até mesmo na Itália e na Espanha; que, por toda parte, a classe operária reconheça cada vez mais nessas conclusões a expressão mais adequada da sua situação e dos seus anseios, isso ninguém que esteja a par desse mo- vimento há de negar. E, neste instante, também na Inglaterra as teorias de Marx exercem influência poderosa sobre o movimento socialista, que se expande nas fileiras das “pessoas cultas” não menos que nas fileiras da classe operária. Mas isso não é tudo. Depressa se aproxima o tempo em que há de se impor uma investigação profunda da situação econômica da Inglaterra como uma irresistível necessidade nacional. A marcha do sistema industrial da Inglaterra, que é impossível sem uma expansão rápida e permanente da produção e, portanto, dos mer- cados, está emperrada. O livre-cambismo esgotou seus recursos; até

mesmo Manchester perdeu a fé nesse seu antigo evangelho econômico.63

A indústria estrangeira, que se desenvolve rapidamente, desafia a pro- dução inglesa por toda parte, não só em mercados defendidos por tarifas aduaneiras, mas também em mercados neutros, até mesmo deste lado do canal. Enquanto a força produtiva cresce em progressão geométrica, a expansão dos mercados cresce, na melhor das hipóteses, em progres- são aritmética. O ciclo decenal de estagnação, prosperidade, superpro- dução e crise, que se repetiu sempre de 1825 a 1867, parece ter-se esgotado; mas só para deixar-nos aterrissar no lodaçal desesperador de uma depressão crônica e duradoura. O almejado período de pros- peridade reluta em voltar; toda vez que acreditamos divisar os sintomas que a anunciam, eles desaparecem novamente no ar. Entrementes, cada novo inverno recoloca a questão: “O que fazer com os desempre- gados?” Mas enquanto se avoluma, a cada ano, o número de desem- pregados, não há ninguém para responder a essa pergunta; e quase podemos calcular o momento em que os desempregados vão perder a paciência e tomar o seu destino em suas próprias mãos. Em tal mo- mento, deveria certamente ser ouvida a voz de um homem cuja teoria é, toda ela, o resultado de uma vida inteira de estudos da história e da situação econômica da Inglaterra, levando-o à conclusão de que, ao menos na Europa, a Inglaterra é o único país onde a inevitável revolução social poderia realizar-se inteiramente por meios pacíficos e legais. Certamente ele nunca se esqueceu de acrescentar que não esperava que as classes dominantes da Inglaterra se submetessem a essa revo- lução pacífica e legal sem tentar uma proslavery rebellion.64

5 de novembro de 1886

Friedrich Engels

63 Na reunião trimestral da Câmara de Comércio de Manchester, efetuada hoje à tarde, ocorreu um animado debate sobre a questão do livre-cambismo. Foi apresentada uma re- solução declarando que “por quarenta anos se tinha esperado em vão que outras nações seguissem o exemplo inglês do livre-cambismo e que a Câmara considera ter chegado a hora de mudar esse ponto de vista”. A resolução foi rejeitada por uma maioria de apenas um voto, havendo 21 a favor e 22 contra. (Evening Standard, 1º de novembro de 1886.) 64 Rebelião em prol da escravatura. Levante que os donos de escravos do sul dos Estados

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