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P rovocando controvérsias: itinerários da memória pelos textos

PRIMEIRA MEMÓRIA DA REVOLUÇÃO RIO-GRANDENSE A

3.2 P rovocando controvérsias: itinerários da memória pelos textos

De acordo com as palavras de Araripe, proferidas na sala de reuniões do Instituto

Histórico, “o mérito do trabalho não está no que escrevi, e sim na coleção dos documentos que formam a parte principal dele”.539

O historiador cearense disse cumprir com a obrigação

de sócio da Casa ao contribuir para o “aumento do cabedal” dos futuros escritores. Interessa-

me, sobretudo, nessa explanação, a explicação aos presentes do motivo da escrita do ensaio: quando encontrou na secretaria da Presidência, ao governar a província de São Pedro, um livro contendo o registro das correspondências de Caxias.540 Alguns anos depois, enquanto o colega Pereira Coruja lia no Instituto documentos sobre a revolução rio-grandense, o historiador cearense disse ter sido despertado pelo desejo de coordenar as suas cópias e anotações sobre o livro encontrado no Sul.541

537 COSTA, 1997, p. 149.

538

RIHGB, t. 47, parte 2, p. 238, 1884. 539

Sessão em 22 de agosto de 1879. RIHGB, t. 42, parte 2, p. 242, 1879.

540 Possivelmente esteja se referindo a CÂMARA, A. M. C. da. Reflexões sobre o Generalato do Conde de Caxias, sobre seu sistema militar e político; paralelo entre o nobre Conde e os diversos generais, seus predecessores. Porto Alegre: Tipografia de Isidoro José Lopes, 1846.

541 Sessão em 27 de setembro de 1878. RIHGB, t. 41, parte 2, p. 732, 1878. Coruja leu “alguns documentos

Não creio que, em tão pouco tempo, o Conselheiro Araripe conseguisse organizar e escrever a memória. A leitura por Coruja apressou um trabalho que já estava em andamento. Talvez, 1878 teve outro significado ao incentivar Alencar Araripe nas pesquisas. De 1878 a 1885, os ministérios permaneceram com os liberais. Iniciou com o gabinete Sinimbu (5 de janeiro de 1878) e perdurou até o gabinete Dantas (6 de maio de 1885). E com os liberais no poder, em especial na província de São Pedro, determinada visão do passado veio alimentar pretensões e rearranjos políticos. Em tempos liberais, Alencar Araripe, com a permissão do governo imperial e o auxílio do consócio pernambucano Joaquim Pires Machado Portela (1827-1908), diretor do Arquivo Público na Corte (gestão 1873-1896), se pôs a consultar os documentos ali depositados.542 De agosto a dezembro de 1879, os sócios do Instituto Histórico, incluindo o Imperador, escutaram a narrativa do historiador do Norte sobre os episódios de rebeldia no Sul.

No relatório das atividades do Instituto Histórico, ao final de 1879, lido pelo secretário

da instituição em sessão magna, José Ribeiro de Sousa Fontes, o “judicioso e imparcial”

trabalho de Alencar Araripe foi elogiado.543 Afonso Celso, colega do historiador cearense na instituição, caracterizou-o como “livro de fôlego, rico de informes e apreciações originais”.544 Entretanto, as leituras fora da Casa da História não foram tão laudatórias. A partir de 4 de junho de 1881, na Gazeta de Porto Alegre, Karl von Koseritz (1830-1890)545 passou a escrever a série de artigos intitulada O livro do Sr. Conselheiro Araripe.546 Koseritz, como redator, disse que o jornal rebateria os “falsos juízos” sobre o caráter do movimento rio- grandense e sobre a honra e o patriotismo dos chefes. Deixaria, no entanto, para outros

contrariarem as “questões de fato” apresentadas naquela que considerou a “primeira obra sobre a revolução”. Aos pósteros caberiam retificar os inúmeros erros e enganos, como

também preencher as numerosas lacunas no livro. O redator não deixou, igualmente, de culpar os literatos da província pelo descuido no trato do assunto de tamanha importância. Acusou os

542

Somente a partir de 1876, teve início uma tímida política de consulta no Arquivo Imperial, mediante permissão do Diretor. COSTA, 1997, p. 23.

543 Relatório do Secretário. Sessão em 15 de dezembro de 1879. RIHGB, t. 42, parte 2, p. 302-303, 1879. 544 Sessão em 21 de outubro de 1908. RIHGB, t. 71, parte 2, p. 607, 1909.

545 Koseritz nasceu em Dassau, capital do ducado de Anhalt (na futura Alemanha) em 7 de junho de 1830. Chegou ao Rio de Janeiro em 1851 e no Rio Grande do Sul (Rio Grande e Pelotas) em 1852. Mudou-se para Porto Alegre em 1864.

546 Os artigos foram publicados em 12 partes nos seguintes exemplares: nº 125 (4 de junho de 1881), nº 127 (7 de junho de 1881), nº 132 (13 de junho de 1881), nº 135 (17 de junho de 1881), nº 139 (22 de junho de 1881), nº 142 (27 de junho de 1881), nº 143 (28 de junho de 1881), nº 146 (2 de julho de 1881), nº 150 (7 de julho de 1881), nº 153 (10 de julho de 1881), nº 157 (15 de julho de 1881), nº 160 (19 de julho de 1881). Estão disponíveis em: IHGB. Arquivo e coleções particulares. Acervo Alencar Araripe (ACP09). Lata 820, pasta 7. Seria extremamente importante acompanharmos as informações publicadas nos números seguintes desse periódico. Infelizmente não está disponível em arquivos no município de Porto Alegre e no Estado (RS) tampouco na Biblioteca Nacional (RJ). O jornal circulou de 1879 a 1884.

filhos do Rio-Grande pelo valioso tempo desperdiçado em estéreis lutas da “política de

campanário”, palestras e polêmicas em efêmeras páginas da imprensa diária.

Da leitura que fiz dos artigos do publicista, quatro pontos são significativos para alcançar o objetivo da minha tese. A primeira questão está na crítica que Koseritz fez ao autor do livro como político, ex-presidente da Província, magistrado, filho do Norte e de revolucionário. Koseritz apresentou Araripe como não rio-grandense, monarquista de velha

rocha, nortista enragé (raivoso, fanático), homem da lei, velho magistrado, conservador de papo amarelo, homem pertencente à escola autoritária, juiz parcial e apaixonado, espírito

prevenido, acusador, possuidor de horror a tudo quanto era revolução ou a ela se prendia, estranho a tudo quanto escapasse aos estreitos limites dos códigos e bom filho cristão por respeitar as cinzas do pai. Nessa (des)caracterização, Koseritz rotulou o autor do livro para explicar os motivos das apreciações injustas ao movimento no Sul. E o crítico não se contentou em situá-lo de maneira distante e estranha aos acontecimentos provinciais. O que me leva à segunda questão.

Apesar de tê-lo como homem metódico e possuidor de amor aos estudos das “cousas

pátrias”, Koseritz reforçou que a posição de Araripe na burocracia monárquica e como natural

de longínqua região lhe embaçou a visão, afetou-lhe a voz, perturbou-lhe a audição, atrapalhou-lhe a argumentação e impossibilitou-lhe a compreensão como pesquisador. Para Koseritz, Araripe só ouviu a voz da legalidade e só enxergou os acontecimentos pelo prisma do governo legal; foi unilateral em todas as apreciações e críticas; teve golpe de vista restrito (acanhado prisma) aos termos do Código Criminal; teceu enganosa argumentação em prol do Império; não conheceu as tradições da província, pois nunca se sentara ao lar do povo rio- grandense, vivendo somente na atmosfera palaciana; desconheceu o caráter do povo rio- grandense; e, por ter consciência de magistrado habituado a julgar criminosos vulgares, não conseguiu compreender os sentimentos da república. Koseritz levantou a hipótese de que o

Conselheiro “levou ressentimentos do Rio Grande e que estes influíram sobre seu pensamento”. Ao investigar a gestão de Araripe, não se pode relegar a forte oposição liberal

que o então Presidente da província de São Pedro sofreu da Assembleia provincial. Nesse momento, os republicanos rio-grandenses ainda usavam o Partido Liberal para suas reivindicações. O lema partidário era: “A continuidade da legenda de 35”. Ao aludir aos farrapos, os liberais se identificavam com eles nas reivindicações. Após a saída de Araripe do

governo provincial e com a volta dos gabinetes liberais, terminou o domínio conservador no Rio Grande do Sul.547

Do contexto, volto ao texto. Os termos “não conheceu” e “não compreendeu” foram recorrentes nos artigos de Koseritz para declarar a incompetência do Conselheiro Araripe em levar em frente a essa tarefa historiográfica: “[o autor] que mede os sucessos da história dos povos pela estreita bitola da jurisprudência criminal não é por certo competente para semelhante tarefa.”548 Desmerecidos o autor e o pesquisador, chego ao terceiro ponto: a verdade histórica. Koseritz, no primeiro artigo da série, disse que trataria dos juízos do autor da Guerra civil do Rio Grande do Sul e não dos fatos ocorridos. Ele se permitiu a diferenciação da verdade dos fatos e da verdade dos juízos que, contudo, estiveram juntas na sua argumentação. Utilizou o termo “magistrado historiador” para mostrar o imbricamento das atividades de Alencar Araripe na busca da verdade. Com o resultado dessas práticas

reunidas, “fez o Sr. Araripe um apanhado de dados parciais, tomados dos arquivos da

legalidade; coordenou esses dados, esses capítulos e parágrafos com a metodicidade das obras de jurisprudência; encarou estes grandes feitos, filhos do entusiasmo e do amor à terra do Rio Grande, com o criterium do legista”.549 Koseritz sugeriu a Alencar Araripe consultar, além

dos “arquivos da legalidade”, os decretos e comunicações oficiais no jornal oficial da

República, O Povo, pois ali encontraria outras provas. Para auxiliá-lo a rever tais juízos, o publicista transcreveu documentos dos “arquivos republicanos” que o Conselheiro não encontraria nos “arquivos imperiais”. Araripe foi criticado pela unilateralidade arquivística. Tratou-se de uma crítica apressada de Koseritz, pois somente em 1882, 1883 e 1884 seriam publicados os documentos sobre a Guerra civil do Rio Grande do Sul na Revista do Instituto. O jornal O Povo foi utilizado por Araripe. Koseritz, desse modo, desmereceu o autor por estar preso ao julgamento da legalidade da época. Para o publicista alemão, o verdadeiro historiador não poderia, pela imparcialidade (estar longe das “paixões do momento”),

desconhecer o “caráter ideal e principista” do movimento republicano no Rio Grande do Sul.

547 PICCOLO, H. I. L. A política rio-grandense no II Império (1868-1882). Porto Alegre: Gabinete de Pesquisa de História do Rio Grande do Sul, 1974. p. 77-96; Id. A política rio-grandense no Império. In: DACANAL, J. H.; GONZAGA, S. (Org.). RS: economia & política. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993. p. 112 e Id. Vida política no século 19, da descolonização ao movimento republicano. 3. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1998. p. 60. A violência política liberal sofrida por Tristão de Alencar Araripe, quando Presidente da província de São Pedro, é apontada em: CARNEIRO, N. L. G. A identidade inacabada: o regionalismo político no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. p. 191-194, 199, 202, 205-208. 548 KOSERITZ, K. von. O livro do Sr. Conselheiro Araripe, parte X. Gazeta de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 153, 10 jul. 1881.

549 Id. O livro do Sr. Conselheiro Araripe, parte I. Gazeta de Porto Alegre, Porto Alegre, n. 125, 4 jun. 1881 (grifo no original).

Perguntou indignado: “E se [Araripe] reconhece que lhe faltavam elementos de

imparcialidade, porque não se limitou a narrar fatos e a apresentar datas?”550

A relação do todo com as parte é o quarto ponto na argumentação de Koseritz que destaco. O publicista asseverou reiteradamente o caráter brasileiro dos republicanos rio- grandenses. Os rio-grandenses não fizeram guerra à Nação brasileira, mas ao governo desta.

Combateram a monarquia, mas não renegaram os vínculos que os prendiam à “nacionalidade brasileira”. Os rio-grandenses nunca deixaram de se considerar brasileiros. Eles estavam

prontos a voltar à comunhão brasileira, assim que o governo atendesse as reivindicações. Eles lutaram contra uma política injusta, desleal, retrógrada e perseguidora da Corte. A culpa pela revolução foi do governo imperial. Porém, ao passo que reiterou a não contradição entre a Nação e a província, Koseritz assegurou a esta última a peculiaridade do povo do Rio Grande

de pelear durante cem anos sozinho contra os “inquietos vizinhos” do Prata. Um passado de

lutas impregnara no “espírito do povo” pela tradição. Afora essa questão entre o local e o nacional, há similaridades e diferenças entre as partes. Koseritz, não desmerecendo os brios

da “indômita coragem dos leões do Norte que valorosamente pelejaram contra a tirania”,

apontou que existiram diferenças entre os movimentos de 1817/1824 no Norte e o de 1835 no Sul, mas não a ponto deste ser desmerecido em detrimento daquele. A análise do Conselheiro Araripe se deveu principalmente ao fato do pai do autor ter sido um dos chefes revolucionários no Norte. O direito às revoluções, o caráter heroico e democrático dos povos, a república com ideais, a não inferioridade das forças rebeldes diante das imperiais, o patriotismo e desinteresse dos chefes revolucionários deveriam ser reconhecidos, conforme Koseritz, tanto no Norte quanto no Sul. Koseritz, ao contrário de Araripe, aproximou os movimentos do Norte e do Sul.

A série de artigos de Koseritz auxiliou a divulgação do livro de Tristão de Alencar Araripe pela província de São Pedro. Divulgação que engendrou indignadas reações dos leitores. O advogado Trajano Viriato de Medeiros (1837 -?), também cearense e integrante do Partido Conservador, foi o intermediador do Conselheiro com o público sulino. Pelas informações constantes no acervo pessoal de Alencar Araripe, no IHGB, Medeiros foi o responsável pela venda do livro (100 exemplares) em Porto Alegre e encaminhou à Corte os recortes de artigos publicados nos jornais da província e as cartas endereçadas ao historiador do Norte. Conforme pude apurar no Jornal do Comércio (Porto Alegre), o livro do Conselheiro Araripe foi anunciado na imprensa local com uma peculiaridade: o título alterado. Em vez de Guerra civil no Rio Grande do Sul, a publicação foi anunciada como A

República rio-grandense, memórias sobre a revolução rio-grandense. Um anúncio menos

ofensivo e mais enobrecedor, apesar do Conselheiro desconstruir o aspecto republicano do movimento.551

Na troca de correspondências, Medeiros explicou a Araripe as intenções por trás das críticas do publicista alemão: “Os habitantes desta província gostam muito que as suas más paixões sejam louvadas; e daí [ilegível] originou-se a especulação do Koseritz julgando

ganhar terreno na próxima eleição.”552

Acredito, sim, que o efusivo discurso do redator do jornal contra o livro de Alencar Araripe integrou ações de divulgação política e, nesse caso, partidária. Muitos leitores na província de São Pedro tiveram acesso ao trabalho de Araripe somente pela leitura dos artigos na Gazeta de Porto Alegre. Ardoroso e polêmico liberal, Koseritz manteve estreitas ligações com o líder do Partido Liberal na província, Gaspar Silveira Martins (1835-1901), pelo jornal A Reforma e da bancada na Assembleia provincial. Koseritz foi eleito, posteriormente, para as legislaturas 1883-1885 e 1887-1888. Se a defesa dos valores democráticos da república do Piratini por Koseritz nos induz a acreditar que defendeu um regime de governo republicano, ledo engado. Ele foi defensor da organização monárquica. Seus artigos integraram a não-monolítica cultura histórica rio-grandense preocupada em dar destaque aos heróis de 1835. Tanto os republicanos gaúchos do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) como os liberais em torno de Silveira Martins procuraram raízes na Revolução Farroupilha e se disseram herdeiros de tais tradições. O movimento de 1835-1845 foi “instrumentalizado, mais tarde, a partir do seu discurso, para justificar os fins políticos perseguidos tanto por republicanos como por liberais.”.553

Enquanto aguardamos uma biografia de maior fôlego a ser escrita sobre Koseritz,554 creio que, afora esse oportunismo político, havia outra intenção. Juntarei e cruzarei indícios. De 14 de abril a 4 de novembro de 1883, Koseritz esteve na Corte. No seu diário de viagem, não consta que tenha visitado o IHGB, apesar das seguidas e constantes visitas a outras

551Pequeno anúncio foi publicado na sessão “crônica geral”, fazendo alusão a Araripe como ex-Presidente da província: Jornal do Comércio, Porto Alegre, ano 17, n. 155, p. 2, 14 jul. 1881. Até o final do mês, esporadicamente, apareceria a divulgação em grandes anúncios (10 por 14 cm), informando que se encontrava à venda na Livraria Americana, nas cidades de Porto Alegre e Pelotas, por 3$000. Foram publicados em 15, 16,

19, 20, 21, 23, 29 e 30 de julho na sessão “anúncios repetidos”. Ao lado do anúncio do livro, constava a

divulgação dos serviços advocatícios de Viriato de Medeiros.

552 MEDEIROS, T. V. de. Carta a Tristão de Alencar Araripe, Porto Alegre, 3 ago. 1881. IHGB. Arquivo e coleções particulares. Acervo Alencar Araripe (ACP09). Lata 820, pasta 8.

553

PICCOLO, H. I. L. A guerra dos farrapos e a construção do Estado Nacional. In: PESAVENTO, S. J. (Org.). A Revolução Farroupilha: história & interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997. p. 60.

554De acordo com o Prof. René Gertz, “uma biografia de Karl von Koseritz ainda está por ser escrita”. Nos

escritos sobre Koseritz, há uma “preocupação básica com o ‛alemão’ Koseritz”. GERTZ, R. E. (Org.). Karl von

Koseritz: seleção de textos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. p. 7 e 10. Em julho de 2010, o Prof. René assegurou-me que a biografia ainda não fora escrita. O acervo Benno Mentz, em Porto Alegre, tem todos os jornais em língua alemã e também uma coleção de almanaques de Koseritz.

entidades culturais.555 Contudo, não descarto tal presença e o contato com os sócios. No tomo 47 da Revista do IHGB (1884), o publicista alemão teve publicado o trabalho Sambaquis da

Conceição do Arroio.556 Na sessão do Instituto de 11 de julho de 1884, houve o envio por Koseritz do trabalho Bosquejos etnológicos.557 Dois anos depois, o atuante sócio Alfredo

d’Escragnolle Taunay distribuiu aos colegas presentes à sessão de 18 de junho de 1886 a

biografia que von Koseritz lhe escrevera.558 Taunay foi apontado por Koseritz como “um dos

melhores talentos do país”, “uma das mais brilhantes personalidades do grand mond brasileiro”, “um dos mais eminentes espíritos da nossa época”, “enciclopédico amigo”, “o maior escritor do Brasil”. Vejo que, pelos escritos apressados em 1881 e do laudatório de

1886, as pretensões letradas de Koseritz ultrapassavam os limites provinciais. Porém, pelas críticas contundentes a um dos sócios ou pela bajulação a outro, o publicista alemão não conseguiu passar pelos muros da cidade letrada. Não há como desconsiderar a forte atuação de Araripe no IHGB, nesse momento. O Conselheiro barrou as pretensões do candidato?

Voltando às correspondências arquivadas por Araripe, duas questões são relevantes. A primeira foi o embate entre a narrativa do Conselheiro e as testemunhas da guerra civil (1835- 1845). Em carta assinada por “índio velho” e dirigida à redação da Gazeta de Porto Alegre, o remetente se apresentou como porta-voz dos veteranos da república rio-grandense. Protestou contra as falsidades publicadas pelo “estranho e apaixonado historiador”, mesmo sem ter lido o livro. Tomara conhecimento do trabalho pelo jornal e concordou com a “verídica

contestação” de Koseritz ao defender “a causa dos filhos bastardos do extremo Sul do Império”. Outro exemplo do embate entre o historiador e as testemunhas dos episódios foi o

caso de José Gomes Portinho (1814-1886) que terminou a guerra, em 1845, ao lado dos revoltosos, no posto de tenente-coronel. O livro lhe foi enviado por Viriato de Medeiros.

555 As cartas da viagem foram traduzidas por Afonso Arinos de Melo Franco e publicadas em 1941. Consultei: KOSERITZ, K. von. Imagens do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1972. Em recente trabalho, Neves analisou a permanência de Koseritz no Rio de Janeiro, seus contatos e impressões. Não há referências a contatos com o IHGB ou sócios. NEVES, M. de S. Uma cidade entre dois mundos - o Rio de Janeiro no final do século XIX. In: GRINBERG, K.; SALLES, R.(Org.). O Brasil Imperial (1870-1889). São Paulo: Contexto, 2010. p. 119-153.

556 KOSERITZ, K. von. Sambaquis da Conceição do Arroio. RIHGB, t. 47, parte 1, p. 179-182, 1884a. Artigo publicado anteriormente no jornal Gazeta de Porto Alegre.

557

Sessão em 11 de julho de 1884. RIHGB, t. 47, parte 2, p. 567, 1884. O livro havia sido recentemente publicado: KOSERITZ, K. von. Bosquejos etnológicos. Porto Alegre: Gundlach, 1884b.

558 Sessão em 18 de junho de 1886. RIHGB, t. 49, parte 2, p. 433, 1886. Trata-se de KOSERITZ, K. von. Alfredo

d’Escragnolle Taunay, esboço característico. 2. ed. Rio de Janeiro: Leuzinger & Filhos, 1886. Traduzido do

alemão por Rodolfo Pau Brasil. Escrito em 1884 e publicado inicialmente no almanaque Koseritz’s Deutscher Volkskalender (1885).

Portinho não demorou em responder ao autor, dizendo-se magoado, após leitura atenta da memória, por encontrar fatos alterados e apreciações injustas.559

A segunda questão que a leitura das correspondências suscita é a rápida resposta dos homens de letras na província ao historiador cearense. Trajano de Medeiros, em carta a Aquiles Porto Alegre (1848-1926) de julho de 1881, possivelmente provocada por artigo ou carta anterior, ressaltou o grande serviço prestado pelo livro de Araripe “à história pátria e

sobretudo a desta heroica província”. E, em nome de Araripe, apontou que, com crítica justa e

imparcial, ninguém lhe roubaria a “glória da iniciativa” ao escrever sobre a guerra civil do Rio Grande do Sul, “apesar de ser filho do Norte – como se isso fosse defeito que pudesse obscurecer o seu preclaro talento, como levianamente se tem dito”.560 Medeiros não isentou o livro de possíveis “erros de fato” e de “apreciação” e aguardaria a publicação de monografias

e documentos “que restabeleçam os fatos e a verdade histórica”, caso tivessem sido alterados.

Houve uma carta no jornal Mercantil de agosto desse ano no qual, sem citar o trabalho do Conselheiro Alencar, Apolinário Porto Alegre (1844-1904) disse que escreveria um livro sobre a revolução “sob o ponto de vista democrático, sem excluir a verdade e a justiça para com os adversários”. Apolinário aproveitou para solicitar “toda a sorte de documentos às pessoas que os possuam e queiram auxiliar-me neste empreendimento”.561

Outro literato em ascensão na província, Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857- 1938), obteve o livro do Conselheiro por Capistrano de Abreu que, por sua vez, não perdeu a