OMO SE DEVE ESCREVER A HISTÓRIA DAS PROVÍNCIAS C
2.1 T extos catalisadores: programas para as províncias
A fundação do Instituto Histórico, em 21 de outubro 1838, na sede da Corte, propiciou lugar para reflexões profundas e conjuntas sobre o passado da sociedade brasileira. A publicação periódica da revista, ininterrupta desde 1839, permitiu a circulação permanente e de grande alcance das diretrizes ali discutidas.253 Minha hipótese é a de que esse grande conjunto de textos, com roteiros de pesquisas, levou o jovem cearense Alencar Araripe a descortinar, no início da década de 1860, outros horizontes para seus estudos sobre a
253 O exame dos títulos, epígrafes, vinhetas, periodicidade, numeração, impressoras, circulação, reedições, tiragem, organização interna e seções da Revista do IHGB foi feito detalhadamente por: SANCHEZ, E. C. T. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: um periódico na cidade letrada brasileira do século XIX. 2003. 130 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas, 2003. p. 51-113.
província do Ceará. A Revista do IHGB contempla enorme quantidade de informações. Ao conceber o periódico da Corte como fonte de leituras pelo provinciano, selecionei somente questões discutidas até 1867 e que são pertinentes ao texto de Alencar Araripe. Pelo nome da instituição e pela finalidade apontada no primeiro estatuto, História e Geografia mereceram atenção no IHGB. O objetivo do Instituto era reunir em coleção, sistematizar, publicar e arquivar documentos das duas grandes áreas do conhecimento, contando com o auxílio de sociedades fora do país e agentes ramificados pelas províncias do Império.254 Tristão de Alencar Araripe, estudioso da História e Geografia, seria candidato a um desses agentes.
O afã de despachar para as províncias orientações sobre a ampla empreitada constou na segunda proposta do cônego Januário da Cunha Barbosa (1780-1846) na primeira sessão do Instituto, após a fundação, em 1º de dezembro de 1838. Propôs instruções para os correspondentes enviarem manuscritos, objetos, notícias históricas e geográficas que possam ser úteis à instituição.255 A primeira delas foi elaborada por ele em 17 de dezembro com o título de Lembrança do que devem procurar nas províncias os sócios do Instituto Histórico
Brasileiro, para remeterem à sociedade central do Rio de Janeiro. Foram dez recomendações
divididas em duas partes. Na parte histórica, se solicitou notícias biográficas de brasileiros distintos desde o descobrimento; cópias de documentos; notícias sobre os indígenas; descrição ampla da província quanto ao comércio, indústria, literatura, caminhos, população, localidades, topografia; notícias de fatos extraordinários, que merecessem menção histórica, e notícias amplas sobre os animais, vegetais e minerais da região.256 A parte geográfica repetiu e detalhou informações solicitadas no segmento anterior que pudessem servir à “história geográfica” do país. As petições estavam vinculadas às necessidades da instituição-mãe do IHGB, a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, criada em 1827, responsável pelo fomento da riqueza econômica no país.257
No imbricamento histórico-geográfico, ressalto a segunda recomendação na primeira parte no que concerne ao périplo arquivístico a ser seguido pelos sócios nas secretarias,
254 Extrato dos estatutos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. RIHGB, t. 1, n. 1, p. 22-24, 1839. A relação entre História e Geografia nos primórdios do IHGB foi analisada por: CARLOS, L. B. Uma relação a dois: a História e a Geografia nos primeiros anos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 2008. 81 f. Dissertação (Mestrado em História) - Centro de Ciências Humanas, UNISINOS, São Leopoldo, 2008 e CEZAR, T. A geografia servia, antes de tudo, para unificar o Império. Escrita da história e saber geográfico no Brasil oitocentista. Ágora, Santa Cruz do Sul, v. 11, n. 1, p. 79-99, jan./ jun. 2005.
255
Sessão em 1º de dezembro de 1838. RIHGB, t. 1, p. 57, 1839.
256Na análise que realizou nos primórdios do IHGB, Barbato apontou o papel da “natureza” como patrimônio econômico e formador da identidade nacional. Em que pese a visão ambígua em relação à natureza, a visão positiva se sobrepôs à negativa. BARBATO, L. F. T. Natureza, ciência e progresso: a natureza brasileira no debate letrado do IHGB (1839-1845). Aedos, Porto Alegre, v. 2, n. 3, p. 97-114, 2009.
257 BARBOSA, J. da C. Lembrança do que devem procurar nas províncias os sócios do Instituto Histórico Brasileiro, para remeterem à sociedade central do Rio de Janeiro. RIHGB, t. 1, p. 141-143, 1839b.
arquivos, cartórios civis e eclesiásticos nas províncias.258 A ela se reunia uma série de diretivas nas páginas da Revista do Instituto. Os letrados espalhados pelas distantes regiões recebiam conselhos que, se aceitos, lhes facilitariam o reconhecimento na Corte. O caminho para isso estaria, num primeiro momento, em serem recebidos como sócios correspondentes na associação. Em discurso anterior, na inauguração do IHGB, Barbosa lançou outras tantas recomendações importantes para os obreiros iniciantes.259 Era premente tirar do esquecimento os fatos notáveis do passado acontecidos em diversos pontos do Império. Os elementos espalhados pelas províncias deveriam ser reunidos e organizados. A associação funcionava como o ponto centralizador das informações provinciais e difusor para as nações cultas. Era um trabalho conjunto sobre o tempo e contra o tempo por espaços geográficos distintos. A
reunião das “memórias da pátria” seria facilitada pelos provincianos “atraídos ao nosso
Instituto pela glória nacional”. Eles trariam para um “depósito comum os seus trabalhos e observações, para que sirvam de membros ao corpo de uma história geral e filosófica do Brasil”. Segundo o cônego Januário, essas forças reunidas dariam resultados prodigiosos.260
As histórias particulares das províncias comporiam um todo, o “completo regular dos fatos”.
Januário citou os esforços realizados e que jaziam perdidos pela voracidade dos anos. Ao se preocupar com as cousas passadas, de igual modo, o Instituto Histórico se preocupava com os seus registradores: “seus nomes vagueiam por algum tempo sobre as suas campas, até que de todo se esvaecem, perdendo-se até mesmo dos lugares em que estes escritores nasceram ou honraram por suas gloriosas fadigas.”261 Para evitar a perda deste cabedal
penosamente reunido nas províncias por “incansáveis e distintos literatos”, sábios
investigadores da marcha da nossa civilização, o Instituto se incumbiria de formar, desde as
partes, o “corpo da história geral brasileira”. Na sessão do Instituto de 4 de fevereiro de 1839,
258
Na relação dos documentos enviados ao Instituto, discriminados nas atas das sessões, é considerável o volume de relatórios, leis, almanaques administrativos e periódicos das províncias do Império.
259 BARBOSA, J. da C. Discurso. RIHGB, t. 1, p. 10-21, 1839a. À importância dos trabalhos espalhados pelas províncias se reuniram considerações sobre os fins e os meios dos estudos históricos como: o critério na apuração da verdade, purificação de erros e inexatidões, a grande ignorância então existente, divisão e subdivisões entre história antiga e moderna, as lições a serem oferecidas, o tribunal e a justiça na posteridade, a
biografia dos grandes homens, patriotismo e imparcialidade. Dos assuntos de “maior interesse” apontados pelo secretário, alguns nos são familiares: “intrépidos missionários”, “ações guerreiras”, riqueza, variedade e
benignidade da natureza. Esteve presente a comparação entre o historiador e o juiz, tão utilizada por Alencar Araripe e destacada pelo Barão Homem de Melo. Análise minuciosa desse primeiro ensaio teórico-metodológico sobre a escrita da história publicada na Revista do IHGB: CEZAR, T. Lições sobre a escrita da história: as primeiras escolhas do IHGB. A historiografia brasileira entre os antigos e os modernos. In: NEVES, L. M. B. P. das et. al. (Org.). Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011. p. 93-124.
260 BARBOSA, 1839b, p. 10.
261 Ibid., p. 11. Dos literatos arrolados no discurso, a quem cumpriria honrar, alguns nos são conhecidos, pois já citados, como Berredo, Gaspar Durão, Cairu, São Leopoldo e Aires de Casal. São mencionados também Sebastião da Rocha Pita, Bispo Azeredo (Bispo de Pernambuco D. José Joaquim da Cunha Azeredo?), José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo, Baltazar da Silva Lisboa, Inácio Accioli de Cerqueira e Silva, Bellegarde (Pedro de Alcântara Bellegarde ou Guilherme Cândido Bellegarde) e “outros muitos” não nomeados.
foi sorteado outro programa de estudos sobre a civilização dos indígenas. De acordo com o autor, os índios eram aptos para o trabalho ao contrário do que arvoravam os “patronos da
escravidão africana”. Para remediar a imagem negativa do autóctone, oriunda da insaciável
cobiça e impiedade dos primeiros colonizadores, bem como das tiranias de muitos eclesiásticos, o autor propôs a catequese: a civilização para o indígena pela conversão cristã.262
Diretamente relacionada a esse programa, na sessão de 24 de agosto de 1839, foi sorteada outra questão a ser debatida: qual o melhor sistema de colonizar os indígenas no interior do país. O cônego Januário expôs seus estudos na sessão de 25 de janeiro do ano seguinte. Reforçou o que apontara nos escritos anteriores. Entretanto, podemos observar que, desde o discurso orientador de 1838, o autor passou paulatinamente das diretrizes para os estudiosos do passado da pátria para as governamentais quanto à política indigenista.263 O autor indicou a catequese como o meio mais eficaz, e talvez o único, de conduzir os índios da barbaridade para a sociabilidade. E muitos fatos na história do Brasil, segundo Barbosa, atestavam sua opinião. Os filhos da brenha deveriam ser domesticados antes pela catequese do que pelas armas. Deveriam ser utilizados meios para refutar “as ideias de alguns
escritores” que aconselhavam a total destruição dos aborígenes.
Os feitos no passado da pátria, de acordo com o cônego Januário, atestaram o denodo e a valentia dos naturais. A história do Brasil estava repleta de exemplos da boa fé com que os índios cumpriram seus deveres. Apesar das ambições, perfídias e barbaridades impetradas a eles, nossos índios prestaram grandes serviços à pátria. Com respeito e admiração constavam, nas páginas da História, os nomes de Tibiriça, Araribóia e Camarão.264 Um desses fiéis, briosos e valorosos índios, ensejaria, como mostrarei, intensas discussões historiográficas. E para que eles viessem para os cômodos da civilização, o autor ressaltou as seguintes disposições: incentivar o estudo da língua dos indígenas; incutir o espírito comercial, o amor à propriedade e ao trabalho; e estimular o casamento das índias com os brancos. Ao fazer referência à propriedade, numa nota, o autor melhor explicou a sua utilidade entre os
262 BARBOSA, J. da C. Se a introdução dos escravos africanos no Brasil embaraça a civilização dos nossos indígenas, dispensando-se-lhes o trabalho, que todo foi confiado a escravos negros. Neste caso qual é o prejuízo que sofre a lavoura brasileira? RIHGB, t. 1, n. 3, p. 159-172, 1839c.
263O debate sobre o uso dos termos “indigenismo”, “política indigenista” e “indianismo” foi apresentado em LIMA, A. C. de S. Um grande cerco da paz: poder tutelar, indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 12-18. Designo por política indigenista o conjunto de medidas incidentes sobre os povos indígenas levadas adiante pelo Estado, incluindo o estreito vínculo com o poder eclesiástico.
264
BARBOSA, J. da C. Qual seria o melhor sistema de colonizar os Índios entranhados em nosso sertões; se conviria seguir o sistema dos Jesuítas, fundado principalmente na propagação do Cristianismo, ou se outro do qual se esperam melhores resultados do que os atuais. RIHGB, t. 2, n. 5, p. 3-18, 1840. p. 13-14.
índios.265 O texto do cônego conclamava todos a olharem para os sertões das províncias e a confessarem que os povos do interior careciam de doutrina religiosa.266 Confesso dos erros pretéritos, o registro do passado nas províncias do Império se daria pari passu com a catequização. A civilização viria pela difusão da “moral de Jesus Cristo”. Pelos escritos de Januário da Cunha Barbosa, a questão indígena se apresentava como um problema pendente a exigir soluções do Estado e reformulações por certos escritores. A polêmica nas letras atrairia ou afastaria os pesquisadores.
Ultrapassando rapidamente os limites das páginas do periódico do Instituto Histórico para mostrar a amplitude da polêmica sobre os índios nesse momento, resgato a introdução de Gonçalves Dias, redigida em dezembro de 1848, para a segunda edição dos Anais históricos
do Estado do Maranhão (1849) de Bernardo Pereira de Berredo e Castro. De acordo com
Dias, na história do Brasil, os índios deveriam ser tratados em primeiro plano. E não como fez Berredo, tendo-os como povo bruto e feroz, mas digno, heroico, prodigioso, livre e hospitaleiro. Eles foram os instrumentos de tudo quanto se praticou de útil e grandioso. Eles foram o princípio de todas as coisas e deram a base para o nosso caráter nacional em desenvolvimento. Deveriam ser reabilitados. Não degeneraram pelo contato com a civilização, mas pela servidão forçada. Gonçalves Dias apontou a calamidade da destruição dos indígenas e condenou o grande erro da escravidão. Esse livro foi utilizado por Alencar Araripe na sua história do Ceará e, possivelmente, esta edição.267 Após ler a introdução de Gonçalves Dias aos Anais do Maranhão, Varnhagen escreveu ao Imperador discordando das qualidades da raça tupi e de sua representatividade na formação da nacionalidade brasileira.268
João Francisco Lisboa, igualmente, discordou do “patriotismo caboclo” do conterrâneo
265Disse a nota: “Escreve um célebre Filósofo moderno, que o estado da Sociedade Civil começara no mundo, do momento em que se usaram os termos meu e teu. Os índios, filhos da natureza, ainda não conhecem propriedade; em sua vida nômade todos os bens lhe são comuns; é preciso, com muito jeito e prudência fazê-los entrar na persuasão dos cômodos que resultam do trabalho, e da posse exclusiva de seus frutos. Esta operação mais se consegue pelo exemplo, do que pela doutrina; e se forem aldeados com divisão de famílias e de terras, gozando maiores cômodos à proporção de seus trabalhos, e administradas por uma polícia de boa fé e não
violenta, a propriedade ganhará raízes, e a civilização fará progressos”. BARBOSA, 1840, nota 4, p. 16 (grifo no
original). O cônego Januário pode estar fazendo referência ao parágrafo inicial da segunda parte do livro Discursos sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755) de Jean-Jacques Rousseau ou aos Pensamentos (269/295) de Blaise Pascal.
266 BARBOSA, 1840, p. 18.
267 DIAS, A. G. Introdução. In: BERREDO E CASTRO, B. P. de. Anais históricos do Estado do Maranhão: em que se dá noticia do seu descobrimento, e tudo o mais que nele tem sucedido desde o ano em que foi descoberto até o de 1718 ao Augustíssimo Monarca D. João V, Nosso Senhor. 2. ed. [São Luís do Maranhão]: Tip. Maranhense, 1849 [1749]. p. V-XX. O conteúdo dessa introdução começou a ser publicado em periódico, mas foi interrompido: DIAS, G. Reflexões sobre os Anais Históricos do Maranhão de Bernardo Pereira Berredo. Guanabara, Rio de Janeiro, tomo I, 1º semestre, p. 25 e 58, 1849-1851.
268 VARNHAGEN, F. A. de. Carta a D. Pedro II (18 jul. 1852, Madrid). In: _____. Correspondência ativa coligida e anotada por Clado Ribeiro de Lessa. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1961. p. 188.
maranhense propagado na introdução.269 Em Instinto de nacionalidade, Machado de Assis, de maneira mais comedida, afirmou que a civilização brasileira não estava ligada ao “elemento
indiano” nem dele recebera influxo algum. Seria errôneo excluí-lo em absoluto, como
também, constituí-lo em exclusivo patrimônio da literatura. Nem como faziam os historiadores (citou Varnhagen) nem como os poetas. Os índios deveriam constar como legado em vez de patrimônio.270
Depois da publicação do livro de Araripe em 1867, a questão dos gentios continuava latente como podemos ler em Ubirajara (1874) de José de Alencar. Nesse romance histórico, o primo do Conselheiro Araripe criticou os comentaristas nos quais se ancoravam os estudos sobre os indígenas. Na advertência inicial do texto, o autor fez constar que os historiadores,
cronistas e viajantes do período colonial deveriam ser lidos “à luz de uma crítica severa”.
Duas classes de escritores forneciam informações: os missionários alardeavam a importância da sua catequese e os aventureiros buscavam se justificar ante a crueldade com que trataram os índios. Porém, ambos estavam de acordo num ponto: os selvagens eram feras humanas. Alencar fez tais advertências para que os leitores, ao lerem as palavras dos cronistas, não se impressionassem pelas “apreciações muitas vezes ridículas”. Era indispensável separar o fato dos comentários a fim de se ter a ideia exata dos costumes e da índole dos selvagens.271
Voltando à Casa da História, a análise de Manuel Guimarães aponta que, até o final da década de 1850, trabalhos e fontes relativos à questão indígena “ocupam indiscutivelmente o maior espaço da Revista, abordando os diferentes grupos, seus usos, costumes, sua língua, assim como das diferentes experiências de catequese empreendidas e o aproveitamento do índio como força de trabalho”.272 Tamanha ressonância nas páginas do periódico é explicada pela combinação de interesses históricos, políticos e econômicos.273 Lembro que, conforme examinei no capítulo anterior, a primeira parte da História da província do Ceará se dedicou majoritariamente aos indígenas no Norte do país. Por isso, destaco mais dois textos fundamentais nessa discussão em aberto. Lida na sessão de 1º de agosto de 1840, a Memória
269 LISBOA, 1865, v. 2, p. 202-271. 270
MACHADO DE ASSIS, J. M. Instinto de nacionalidade. In: _____. Crítica. Rio de Janeiro: Garnier, [1940?]. p. 7-28. Publicado, inicialmente, em 1873, na revista O Novo Mundo de Nova Iorque. Se, no começo da década de 1870, começava a se evidenciar as marcas de uma crise que transformaria definitivamente o perfil da literatura brasileira, os principais dilemas de tal crise tiveram excelente diagnóstico nesse artigo de Machado de Assis. PEREIRA, L. A. de M. A realidade como vocação: literatura e experiência nas últimas décadas do Império. In: GRINBERG, K.; SALLES, R. (Org.). O Brasil Imperial (1870-1889). São Paulo: Contexto, 2010. p. 273.
271 ALENCAR, J. de. Ubirajara. Porto Alegre: L&PM, 2006b. p. 14-15. 272
GUIMARÃES, M. L. S. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 5-27, 1988. p. 20.
sobre a necessidade do estudo e ensino das línguas indígenas do Brasil foi anterior à
divulgação do premiado texto do bávaro von Martius e contemporânea aos de Januário da Cunha Barbosa. Por ela, Varnhagen propôs que o IHGB solicitasse ao governo providências,
“com toda instância e urgência”, para a instalação nas províncias de escolas das diversas
línguas indígenas. Além disso, ele sugeriu a impressão de dicionários sobre as línguas indígenas e a criação, no Instituto, de seção específica de Etnografia a fim de tratar dos nomes das nações, línguas e dialetos, localidades, emigrações, crenças, arqueologia, usos e costumes, os meios de civilizá-los.274 Tal preocupação estava longe de mostrar a maneira como o prestigiado historiador considerava os indígenas.275
Com o intuito de mostrar a pertinência e o imbróglio dos debates na década de 1860, aponto o artigo de José Gonçalves de Magalhães, Os indígenas do Brasil perante a
história.276 Da preocupação não uniforme para com os indígenas demonstrada pelo cônego Januário, Dias, Lisboa, Machado de Assis, Alencar e Varnhagen, chegamos ao prestigiado autor de Suspiros poéticos e saudades (1836) e Confederação dos Tamoios (1856). Dos catorze pontos arrolados por Gonçalves de Magalhães, a narrativa iniciou advertindo que os documentos escritos sobre os indígenas do Brasil deveriam ser julgados pela crítica e não aceitos cegamente. O artigo teve por finalidade reabilitar os indígenas depreciados na História
Geral do Brasil (1854-1857) do consócio Varnhagen. Das sugestões arroladas por Gonçalves
de Magalhães, incluindo revisões historiográficas, uma me parece pertinente sobre a história da província do Ceará: destacar os grandes serviços prestados ao Brasil pelos naturais. Conforme o livro de Araripe, o índio Poti foi um deles. Se os ânimos estavam acirrados na reabilitação ou condenação dos indígenas, a solução encontrada por Araripe esteve em enaltecê-los no passado, pelo herói convertido à fé cristã, e dar o caso como resolvido, isento de discussões contemporâneas, pela pretensa incorporação deles à população atual.277
274 VARNHAGEN, F. A. de. Memória sobre a necessidade do estudo e ensino das línguas indígenas do Brasil. RIHGB, t. 3, p. 53-63, 1841. Na ata da sessão em 27 de fevereiro de 1841 consta o parecer da Comissão de História, composta por Rodrigo de Souza da Silva Pontes, Cândido José de Araújo Viana e T. J. P. de Serqueira, datado de 14 de novembro de 1840. Sessão em 27 de fevereiro de 1841. RIHGB, t. 3, p. 138-140, 1841.
275 Quanto às polêmicas sobre a representação e políticas de Estado para com os indígenas no interior do IHGB, considerando os trabalhos de Varnhagen, cito: OLIVEIRA, L. N. Os índios bravos e os Sr. Visconde: os indígenas brasileiros na obra de Francisco Adolfo de Varnhagen. 2000. 186 f. Dissertação (Mestrado em