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PANORÂMA TEÓRICO DA IDENTIDADE NO CONTEXTO MIGRATÓRIO

O RÁDIO E AS MANIFESTAÇÕES CULTURAIS 4.1 O RÁDIO COMO UMA EXPRESSÃO DE COSTUMES ORAIS

5.1 PANORÂMA TEÓRICO DA IDENTIDADE NO CONTEXTO MIGRATÓRIO

Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas. Se sentirmos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda estória sobre nós mesmos ou uma confortadora narrativa do eu. Identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. (BAUMAN, 2005. p.13)

Kellner (2001), Hall (2006, 1992), Garcia-Canclini (2008, 2007, 1997), Bauman (2008, 2005), Barth (1988), Appadurai (2008), Grimson (1999), Hobsbawm e Ranger (1997), Oliveira (1976), Elhajji (2005), entre outros, trabalham a noção de identidade dentro das ciências sociais de maneira mais ampla e, ainda, com um recorte mais específico dentro da comunicação. A perspectiva identitária, dentro do campo migratório, vai ao encontro da maneira como os referidos autores pensam acerca do tema. Ou seja, a identidade é tratada de forma muito mais ampla e abrangente do que o “teto político” pode sinalizar, tendo como pano de fundo a cultura no papel de agente vinculante e mediador das relações sociais (SANTOS, 2010). A identidade nacional é uma identidade construída e organizada por um coletivo circunscrito, a priori, em uma determinada

área geográfica, formando uma ideia de pertencimento, à primeira vista, natural ao senso comum. Ao falar de identidade com base na nacionalidade, Hall (2006) destaca que as culturas nacionais não passam de “comunidades imaginadas” e que, em tempos pós-modernos, elas sofrem um processo de plena desconstrução e fragmentação da(s) identidade(s) dos sujeitos, deslocando-os no tempo e espaço. Hall (1992) argumenta ainda que a identidade nacional não é algo com o qual a pessoa nasça, mas que é formada no interior da “representação” que construímos das nacionalidades.120 Goffman (1959 apud. SANTOS, id.) ressalta que a identidade se constrói dentro das interações sociais e as formulações identitárias são frutos de um primeiro processo denominado “interação”. Com isso, o autor afirma que os indivíduos constroem suas identidades, que a negociação destas depende do resultado das interações mantidas por esses indivíduos com os seus pares e da compreensão que têm de si mesmos e de suas intervenções na realidade (SANTOS, 2010 p.29).

Bauman (2005) afirma que a busca por uma única identidade é invariavelmente uma tarefa muito complexa, uma tentativa de “alcançar o impossível”. Para ele, nos tempos atuais, os sentimentos de pertencimento exclusivo e de identidade única não têm a “solidez de uma rocha”, não maiores garantias para toda uma vida, pois as identidades são “negociáveis”, “renegociáveis”, “impostos muitas vezes”, e as decisões que os indivíduos tomam, os caminhos que percorrem, a forma como agem, vão delimitando esses processos formadores das identidades do sujeito atual. Hall (1998) em algumas ocasiões chega a descartar o uso do termo “Identidade”, substituindo-o por “Identificação”, pois assim infere-se o sentido de algo que está em andamento, em formação, em mutação, algo não acabado, definido ou estático. O mesmo autor (2006) ainda destaca que ninguém nasce com uma identidade, ela vai sendo constituídas no correr da vida e da trajetória dos indivíduos, pois o termo “Identidade Cultural” passa por graves impactos nos processos vividos no mundo contemporâneo. A ideia do autor é destacar que a essência do sujeito sócio-

120 A ilustração dessa fala passa pelos estereótipos lançados sobre os cidadãos de um país, por exemplo. Ou, ainda, sobre os traços físicos e sociais exclusivos daquele “povo”.

cultural é plural e não composta por uma única perspectiva identitária monolítica, fragmentando e abrangendo perspectivas diversas que, em alguns casos, podem ser contraditórias e até não-resolvidas, fazendo desta uma questão não fixa, não essencial e não permanente, mas móvel, formada e transformada continuamente nas relações sociais em que estes mesmos sujeitos estão imersos cotidianamente. Elhajji (2005, p.193) assinala que:

A identidade étnico-cultural se revelou um poderoso catalisador ideológico, capaz de secretar complexos mecanismos de estruturação da vida social sob todas as formas, funcionando notadamente como molde dos quadros simbólicos que estabelecem os critérios de reconhecimento e as regras de conduta dentro do próprio grupo e nas relações com o resto da sociedade.

São esses mecanismos de estruturação que se desenvolvem no interior das comunidades que potencializam a formação e composição identitária dos imigrantes bolivianos. Appadurai (2009) destaca o termo “Identidades Predatórias” para assinalar aquelas identidades cuja mobilização e construção social dependem e exigem a extinção de outras categorias sociais próximas, definidas como ameaças à própria existência de um grupo definido como “nós”. O autor afirma que a definição do “nós” é sempre situada pela existência de “eles” ou dos “outros”, tornado o fator nacionalidade, neste caso, já não suficiente para a explicação das formações identitárias do sujeito pós-moderno que, no caso do migrante, pode considerar uma ancestralidade étnica muito mais relevante para a consolidação de uma comunidade do que o fator nacional. Uma vez mais resgatamos o exemplo das relações entre Collas e Cambas que têm como princípio a diferença de origem étnica de ambos os povos, apesar de estarem sob a perspectiva geográfica e política, mas que não se consideram pertencentes a uma mesma realidade, pois seus processos de formação identitárias seguiram cursos distintos. Ou seja, nesse caso, a identidade étnica Colla ou Camba torna- se “predadora”, na perspectiva esboçada por Appadurai (op. cit.), da identidade nacional boliviana, por exemplo.121 Hall (op. cit.) destacou que as diferenças regionais e étnicas foram gradualmente sendo colocadas de forma subordinada ao

escopo do nacional, pois a criação de uma “cultura nacional” contribui na criação padronizada de “alfabetização universal”, generalizando, inclusive, o meio de comunicação de maior domínio e abrangência dentro de uma civilização: a língua.

Seguindo por esse caminho, podemos perceber que o “tempo” da geografia étnica não é o mesmo “tempo” da geografia nacional. A segunda é composta por um território sócio-político bem delimitado, já a primeira não. A geografia étnica é bem exemplificada por Augé (2008) quando destaca nela a existência de um “espaço antropológico” que é muito mais amplo, complexo e multifacetado do que o “espaço geométrico” da geografia nacional. No espaço antropológico há existencialmente um sentimento de pertença muito mais antigo do que o traço retilíneo que forma os países. Em muitas ocasiões, grupos étnicos podem viver sob o mesmo “teto-político” mas fazendo deste um “não-lugar” que Certeau (1990, apud. AUGÉ, 2008) define como “uma espécie de qualidade negativa do lugar, de uma ausência do lugar em si mesmo que lhe impõe o nome do que lhe é dado”.122 Augé (id.) ainda define o não-lugar como sendo:

Um espaço que nem pode se definir como identitário, nem como relacional, nem como histórico para o sujeito imerso nele. A supermodernidade é produtora de não-lugares, isto é, de espaços que não são em si antropológicos e que não integram os lugares antigos: estes repertoriados, classificados e promovidos a lugares de memória, ocupando aí um lugar circunscrito e específico, como os acampamentos de refugiados...”

Os não-lugares são permeados pela (falta) questão identitária, local onde o indivíduo “supermoderno” não se encontre, possivelmente estará em um não lugar. Alguns tipos de imigrantes podem ser personagens ideais para estarem em um não-lugar, uma vez que o novo é a constância no movimento que a vida emprega a sua caminhada, dificultando o cultivo de raiz em um “lugar” e não somente um “espaço”, pois o “lugar” é marcado pelo sentimento de pertença e reconhecimento, diferentemente do “espaço”. Sayad (1998) ressalta que o imigrante sofre uma contradição dupla, porque sofre um estado provisório que pode se prolongar indefinidamente, ao mesmo tempo em que torna um estado

122 A expressão “teto-político” foi criada por Ernest Gellner (1925-1995) para designar a idéia de pertencimento quase que natural que se tem de se atrelar a identidade do sujeito com a sua nacionalidade.