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Mídia, imigração e identidade(s) : as rádios bolivianas de São Paulo

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Academic year: 2017

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I

Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu em Comunicação Social

MÍDIA, IMIGRAÇÃO E IDENTIDADE(S):

AS RÁDIOS BOLIVIANAS DE SÃO PAULO

Brasília - DF

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II

DANILO BORGES DIAS

MÍDIA, IMIGRAÇÃO E IDENTIDADE(S): AS RÁDIOS BOLIVIANAS DE SÃO PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Processos Comunicacionais na Cultura Mediática.

Orientadora: Doutora Florence Marie Dravet

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III

D541m Dias, Danilo Borges

Mídia, imigração e identidade(s): as rádios Bolivianas de São Paulo. / Danilo Borges Dias – 2010.

265f.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2010.

Orientação: Florence Marie Dravet

1. Rádio Transmissão. 2. Comunicação de massa e cultura. 3. Imigração. 4. Identidade. I. Dravet, Florence Marie, orient. II.Título.

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IV

Dissertação de autoria de Danilo Borges Dias, intitulada “MÍDIA,

IMIGRAÇÃO E IDENTIDADE(S): AS RÁDIOS BOLIVIANAS DE SÃO PAULO”,

apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação Social, da Universidade Católica de Brasília, em 09/12/2010, defendida e aprovada pela Banca Examinadora abaixo assinada:

_____________________________________

Profa. Dra. Florence Marie Dravet Orientadora

Comunicação Social (UCB)

______________________________________

Prof. Dr. João José Azevedo Curvello Avaliador Interno

Comunicação Social (UCB)

________________________________

Prof. Dr. Mohammed Elhajii Avaliador Externo Comunicação Social (UFRJ)

_______________________________________

Profa. Dra. Liliane Maria Macedo Machado Avaliadora Suplente

Comunicação Social (UCB)

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V

Para:

Maria (In memorian) e Martinho, meus

avós. Sebastião (In memorian) e Rita, meus

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VI

AGRADECIMENTOS

No Distrito Federal:

Em primeiro lugar a minha família que contribuiu de uma maneira própria e particular a esse estudo. Obrigado pela ajuda, pelas preces e, mesmo a distância, pelo amor manifesto, também, por meio do silêncio.

Obrigado a Professora Florence Dravet, minha orientadora, pelas partilhas, incentivos, sugestões, indicações, correções, paciência, credibilidade depositada, liberdade no processo de criação e, principalmente, pelas boas energias transmitidas durante essa caminhada.

Guadalupe, Simon, Mikhail e Cristiano, por sinalizarem-me ainda em Brasília o que é ser boliviano no exterior. Obrigado pelos contatos no Bom Retiro e em Osasco.

Em São Paulo:

Sílvia, Orlando, Vânia e Edson. Obrigado pela confiança. Conviver na oficina de vocês por algum tempo foi algo que marcará para sempre a minha vida. Ricardo (Índio), Tia Rosa e Guillermo “Kantinflas”, obrigado pela acolhida e noites de conversas em Osasco. Obrigado aos radialistas que contribuíram com as entrevistas, é uma pena eu não citar o nome de vocês nessa ocasião. Obrigado ao Pe. Mário Geremia pelas conversas, acolhida, pela sinalização das dificuldades que poderiam surgir no correr do processo e por ter deixado “as portas abertas” da Pastoral para o nosso estudo. Aos colombianos Silvestre e Carlos pelas interlocuções e por me situar o que é ter uma identidade Boyacá-Chicó. Rúben e Rosa

pela recepção no Brás. Ruth Camacho, Fred Vargas, Marcos Canaviri e Carlos Soto, das associações. Pe. Oswaldo por me apresentar a uma parte da Coletividade Paraguaia e Guarani que formam as Comunidades do Cerrito e do Olímpia em São Paulo. Obrigado a

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VII

...a ausência da rádio no ar só traz à tona a dureza de vidas marcadas pelo trabalho e o quanto a realidade é dura para os imigrantes bolivianos em São Paulo. A rádio serve para esquecer um pouco as dificuldades e, também, para sonhar.

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VIII

RESUMO

DIAS, Danilo Borges. Mídia, Imigração e Identidade(s): As Rádios Bolivianas de São Paulo. 255 folhas. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Comunicação). Universidade Católica de Brasília, Taguatinga – DF, 2010.

O presente estudo averigua as interfaces existentes entre mídia, imigração e identidade, tendo como agente dessas relações as rádios bolivianas de São Paulo. Os objetivos específicos são conhecer como essas rádios atuam no processo de (re)criação de identidades e nas manifestações culturais dos imigrantes radicados no mercado de confecção e costura da capital paulista. A primeira hipótese atua no sentido de afirmar que as rádios têm um papel importante na questão cultural e identitária, promovendo programações específicas e tematizadas para os seus ouvintes. A segunda hipótese afirma que essas programações e tematização das rádios formam comunidades bolivianas específicas que, por sua vez, estão dentro de uma coletividade boliviana mais ampla que tem, nesta última, somente o quesito nacionalidade como fator comum a todos os componentes desse grupo de imigrantes. O Método Etnográfico em Comunicação compôs a parte metodológica, contando com a Observação Participante como sua principal técnica de pesquisa. A parte teórica foi apoiada, principalmente, nos Estudos Culturais e com de autores como Hall e Kellner, contando, ainda, com as colaborações de pensadores Latino-Americanos como Garcia-Canclini e Martin-Barbero. As conclusões as quais chegamos são de que o papel das rádios nas comunidades é variado, atuando na produção de sentidos diversos para os participantes das realidades bolivianas, mas que independente de quais sejam esses sentidos, elas representam a voz de pessoas que não encontram espaço nas mídias convencionais para as suas reivindicações, interesses, sejam eles quais forem, e no auxílio ao enfretamento da vida no exterior.

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IX

ABSTRACT

This study aims to know the relations between media, immigration and identity with the bolivians radios of São Paulo. The specific objectives are to know how these radios work in the (re) creation of identities and cultural expressions of the immigrants settled in market making and sewing of the downtown. The first hypothesis acts to assert that the radios have an important role in cultural issues and identity, promoting specific and themed programming for their listeners. The second hypothesis states that these schedules of radios and theming specific form bolivian communities that, in turn, are contained within a broader bolivian community that has, in the latter, only the item nationality as a factor common to all components of this group of immigrants . The Ethnographic Method in Communication wrote the theoretical part, with the participant observation as their main research technique. The theoretical part was supported mainly by Cultural Studies and of authors such as Hall and Kellner, counting also with the collaborations of Latin American thinkers such as Garcia-Canclini and Martin-Barbero. The conclusions which we are that the role of radio in communities is varied, working on the production of different meanings for the participants of the realities of Bolivia, but which are independent of these senses, they represent the voice of people who find no room in conventional media for its claims, interests, whatever they are, and to aid in the coping of life abroad.

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SUMÁRIO

1 Introdução 3

1.1 Apresentação 3

1.2 Justificativa 8

1.3 Referencial teórico 15

1.4 Metodologia 31

2 Breve panorama da migração boliviana na América do Sul 43

2.1 A Bolívia e seu contexto interno 43

2.2 Da Bolívia para países vizinhos 59

2.3 Bolivianos em São Paulo 65

2.4 Os ouvintes e seu perfil 78

3 O rádio entre as comunidades e a coletividade boliviana 87

3.1 O comunitário como uma instância do coletivo 87

3.2 As rádios bolivianas e suas programações 93

3.3 As relações entre as rádios e as associações ligadas à vida boliviana em São Paulo 121

3.4 Como os ouvintes percebem o papel das rádios na formação das comunidades 129

4 O rádio e as manifestações culturais 139

4.1 O rádio como uma expressão de costumes orais 139

4.2 As festividades religiosas bolivianas de São Paulo 155

4.3 O papel do rádio nas festividades religiosas 169

4.4 Como os ouvintes percebem o papel das rádios acerca das manifestações culturais 180

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5.1 Panorama teórico da identidade no contexto migratório 188

5.2 O rádio e as minorias identitárias 198

5.3 Rádio e comunidades consumidoras de produtos simbólicos 209

5.4 Como os ouvintes percebem o papel das rádios acerca da(s) identidade(s) boliviana(s) 221

6 Considerações finais 230

7 Referências bibliográficas 240

8 Anexos 251

8.1 Questionário ouvintes 251

8.2 Roteiro das entrevistas feitas aos radialistas 261

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

1.1 APRESENTAÇÃO

Imagine uma oficina de costura em São Paulo onde, em um cômodo de trinta e três metros quadrados, uma família de seis bolivianos trabalha

concentradamente de doze a quatorze horas por dia na costura de roupas que serão comercializadas nas lojas de grife, geralmente, pertencentes aos coreanos no Bairro do Bom Retiro. Esse é um típico ambiente que imigrantes radicados no mercado de confecção e costura usam para extrair o seu sustento material e, ainda, para viver. Homens, mulheres e crianças dividem o mesmo espaço que,

geralmente, conta ainda com um banheiro de uso comum e uma pequena cozinha onde as refeições são preparadas. O fato de serem bolivianos não quer dizer que a língua mais falada nesse ambiente seja o espanhol. O fato dessa família já contar com uma segunda geração nascida no Brasil, tampouco, quer dizer que o

português seja a língua corrente. Nessa família específica, e não raro em outras, o Aymará é usado com muita frequência e, quando o seu uso não é exclusivo, mistura-se com o castelhano típico falado por bolivianos oriundos das regiões cercanas e interioranas a El-Alto e/ou La Paz. Mais um dia de trabalho chega nessa oficina, iniciando, da mesma forma, o som frenético das máquinas de

costura que começam a funcionar antes mesmo de seus operadores fazerem o desjejum. Às mulheres da casa cabe preparar o café da manhã, aos homens o empenho imediato nas encomendas de peças de roupas feitas, geralmente, por outros imigrantes de uma cadeia étnica existente dentro do mercado de confecção e costura. Entre o levantar da cama e o início do laboro há um ato que se repete

todos os dias, um ato quase automático no qual o rádio é, como dizem os nativos,

encendido, começando a funcionar e produzindo um som que, muito em breve, se

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Para os ouvidos não treinados, como os nossos, que tiveram o privilégio de estar com aquela família durante algum tempo, que não conseguíamos ouvir exatamente o que o rádio dizia ou tocava, dado o barulho das máquinas, a impressão era que não era possível entender nada do que o rádio transmitia ao

ponto de questionarmos, mesmo que mentalmente, qual a função do rádio ligado o dia todo em meio a tantos ruídos causados pelas máquinas que, ao nosso entender, prejudicavam a própria compreensão do que estava sendo veiculado pela mídia em questão. Em uma ocasião em que estávamos almoçando dentro

dessa oficina perguntamos se o barulho das máquinas não atrapalhava o entendimento do que estava sendo falado ou tocado no rádio. A resposta do patriarca daquela familia foi: “En la vida solamente nos preocupamos con lo que nos interesa. Nuestros ojos están en las overlocks1 y nuestros oídos y pensamiento en la radio, que nos llevan al infinito. No percibimos nada fuera eso”.

Naquele momento, iniciava-se dentro de nós uma reflexão que envolvia encontros e desencontros culturais, globalização, alteridade, comunicação, meio, mensagem e receptor. Começava, assim, o nosso entendimento do que poderia ser um boliviano vivendo da costura em São Paulo e de qual papel o rádio feito pelos

bolivianos teria dentro da vida dessas pessoas.

O patamar tecnológico atingido pela humanidade no início do Século XXI, com produtos altamente sofisticados geradores de realidades virtuais, imagens em terceira dimensão, Ipods, internet sem fio, telefones celulares multifuncionais, TV Digital, entre outras coisas, pode trazer a indagação se há algum sentido em

interessar-se pelo rádio, como uma mídia atual, com plenos poderes de comunicação, articulação popular, mobilização social e capilaridade comunitária. Com esse questionamento, pretendemos abordar as relações possíveis entre mídia, imigração e identidade, focando no uso e nas funções do rádio junto aos imigrantes bolivianos radicados na Cidade de São Paulo. Assim, as bases de

nossas observações foram estipuladas em três rádios que, por motivos éticos, decidimos chamar de Rádio Número 1, Rádio Número 2 e Rádio Número 3. Todas elas operam em Frequências Médias, irregulares perante a Legislação Brasileira,

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contando com um considerável alcance de suas ondas, agindo na mediação dos termos identidade e cultura quando destacamos a mobilidade humana de bolivianos em São Paulo. O foco geral de nossa preocupação é conhecer como ocorre a relação da mídia rádio com a cultura e a identidade dos imigrantes em

questão.

Especificamente, pretendemos trabalhar em três perspectivas complementares interligadas entre si. A primeira é um questionamento conceitual, comumente encontrado na literatura e no dia a dia dos envolvidos com a temática

migratória em si, de que existe uma (única) comunidade boliviana na Capital Paulista. Nesse sentido, esse estudo determina que o que comumente, no mundo acadêmico e, ainda, em outras instâncias (militância, senso comum, etc.), é chamado de comunidade boliviana, por nós será denominado por Coletividade Boliviana, sendo esta como uma espécie de “guarda-chuva” que designa e abarca

inúmeras Comunidades Bolivianas que se formam em seu interior com propósitos diferentes e com matizes diversos. Esses diferentes propósitos podem estar relacionados a variações econômicas, de procedência de regiões no país de origem, de procedência étnica, de idade, de religião, de ordem cronológica de chegada no Brasil, de status social alcançado na Capital, entre outros. Assim,

nosso primeiro ponto específico é verificar como age o rádio dentro dos agrupamentos e reagrupamentos constituídos no interior da coletividade, relatando seu papel nesse cenário. O segundo ponto específico será compreender as articulações existentes entre o rádio com as manifestações culturais dos

imigrantes bolivianos radicados em São Paulo. O terceiro e último ponto específico de nossas preocupações será averiguar como o rádio participa da construção da(s) identidade(s) boliviana(s) em São Paulo. Assim como a cultura, no entanto acreditamos que com maior dinamismo, a identidade torna-se fluida e moldável de acordo, também, com os mesmos fatores ligados à formação das comunidades. A

identidade, assim, torna-se um dos pressupostos para a criação das comunidades, tendo a cultura como um “pano-de-fundo”, como um agente de recorte transversal.

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mídia rádio em um processo complementar onde ocorrem trocas e necessidades de um pelo outro. O objetivo específico número um dará suporte para isso. Da mesma forma, o segundo objetivo específico foi criado para subsidiar diretamente a segunda hipótese, que relata o papel o rádio como importante agente mediador

nas manifestações culturais. O terceiro objetivo específico dará suporte imediato à nossa segunda hipótese, indicando que o rádio serve como um agente mediador e potencializador das afirmações identitárias dentro do que já chamamos de comunidades, (re)criando, (re)negociando, (re)afirmando (re)pensando processos

identitários que os indivíduos trazem consigo e as que eles adquirem em São Paulo.

No que tange a apresentação das rádios escolhidas, podemos dizer, de forma sintética e resumida, que a Rádio Número 1 tem um forte apelo social e, ainda, está ligada a questões gerais com o foco no noticiário sobre política, saúde

e esporte, dando ênfase no futebol da Bolívia e do Brasil. A Rádio Número 2 atua no campo neopentecostal, tendo a evangelização como um dos seus principais serviços prestados dentro desse “mundo boliviano”, deixando o cenário mais complexo e turvo para análises de cunho identitário e cultural, uma vez que se

percebe a religião evangélica como algo relativamente novo e não pertencente ao sincretismo existente entre o catolicismo e as religiões autóctones. Por fim, a Rádio Número 3 concentra suas atividades na parte de entretenimento aos bolivianos, tendo os jovens como seu público-alvo e contando com o apoio de imigrantes bolivianos bem-sucedidos em São Paulo. A decisão por tais rádios

deu-se pela repredeu-sentatividade que elas possuem dentro da coletividade boliviana, por serem as mais antigas e, para nossa sorte, também as que estavam no ar na época de nossas observações.2 A escolha por tais rádios deveu-se, ainda, ao poder de penetração nas oficinas de costura, local de trabalho da totalidade das pessoas que responderam ao nosso questionário, e ao fato de serem as mais

conhecidas pelos ouvintes.3

2 Dado ao fato de não estarem regulares perante a Legislação Brasileira, as rádios, por algumas ocasiões,

simplesmente saem do ar por tempo indefinido.

3 Soubemos disso em conversas esporádicas com bolivianos de muitas partes de São Paulo, com

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O desenvolvimento do estudo está dividido em quatro capítulos, além deste. De início, faremos um apanhado histórico do contexto migratório que envolve os bolivianos na América do Sul. Faz-se necessário essa elucidação por se tratar da contextualização das diásporas bolivianas dentro da própria Bolívia

até a decisão de imigrar para o Brasil que, em alguns casos, tem a Argentina como uma escala. Posteriormente, partiremos para a discussão teórica e conceitual de como se formam as comunidades no interior de uma coletividade, destacando a função do rádio e de associações bolivianas para que tais

comunidades se concretizem. Mais à frente, abordaremos as manifestações culturais que envolvem mídia e imigração, ressaltando, principalmente, aspectos ligados à religião e às festas públicas e privadas realizadas pelas comunidades dentro do que, também, já chamamos de coletividade. Nesse momento, averiguaremos como o rádio se comporta em meio às celebrações, festas e rituais

realizadas pelos bolivianos em São Paulo. Dando prosseguimento, o último capítulo será dedicado à elucidação da identidade e seus desdobramentos que fortalecem a formação das comunidades e, ao mesmo tempo, faz do universo boliviano de São Paulo algo multifacetado e não passível de afirmações

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1.2 JUSTIFICATIVA

Falar de comunicação, de cultura, de identidade em contexto de imigração

é falar de três universos que se cruzam e que produzem sentidos próprios entre si. A sistematização do conhecimento dentro da Universidade está confinada a departamentalização profunda dos saberes com o intuito de conhecer melhor, de conhecer mais especificamente, de buscar os detalhes mínimos para explicação

de um acontecimento (LUNGARZO, 1989). As contra-indicações desse pensamento, continua o autor, é um possível o isolacionismo que o conhecimento pode receber sem as contextualizações e interfaces necessárias para se tentar compreender, mesmo que parcialmente, os fenômenos que ocorrem ao redor do homem. Dessa forma, falar de comunicação e seus produtos, assim como falar de

migração (estando esta abarcada pela cultura e pela identidade), é falar de contemporaneidade, é falar de atualidade, é falar de um mundo que apresenta uma nova face a cada vez que lançamos o nosso olhar sobre ele ou, quem sabe, a cada vez que ele lança seu olhar sobre nós. A perspectiva teórica escolhida para

esse estudo, os Estudos Culturais, que será abordada com mais profundidade nas páginas seguintes, é capaz de explicar melhor, e por isso a escolhemos, o exercício de analisar uma questão única, mas com fontes e colaborações de outras áreas e saberes, permitindo a interligação de vertentes necessárias para o relacionamento entre comunicação, identidade e imigração, não

departamentalizando demasiadamente e de forma cartesiana o saber, como assinala o autor. Esse estudo, se justifica, também, pela necessidade de compreensão de que os saberes, ainda mais quando falamos em Comunicação, não podem ser pensados de forma isoladas e/ou estanques.

Posto isso, podemos indagar quantas realidades estão presentes entre a

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interagir dentro de suas comunidades? A partir do momento em que questões como essas necessitam ser respondidas, encontramos motivos para desenvolver um estudo dessa envergadura, um estudo que se preocupa em conhecer mais a fundo os “novos” moradores de São Paulo e, principalmente, suas relações com

os meios de comunicação.

O mais grave dos desafios que a comunicação propõe hoje à educação é que, enquanto os filhos das classes mais altas conseguem interagir com o novo ecossistema informacional e comunicativo a partir da própria casa, os filhos das classes populares – cujas escolas não têm, em sua imensa maioria, mínima interação com o ambiente informático, sendo que para estes últimos a escola é o espaço decisivo de acesso às novas formas de conhecimento – acabam excluídos do novo espaço laboral e profissional que a cultura tecnológica configura (MARTIN-BARBERO, 2003 p.62).

Essas diferenças a que se refere o autor são as novas faces que o mundo

apresenta a cada instante que olhamos para ele. É dentro dessa relação desigual que se esgotam as possibilidades de uma vida melhor no local de origem, forçando, entre outras coisas, os deslocamentos populacionais específicos chamados, também, de novos fluxos migratórios, migrações laborais, entre outras.

São caracterizados como “novos” em relação aos tradicionais movimentos migratórios recebidos em várias partes do mundo, inclusive na América do Sul, com a chegada, em suas diversas levas e momentos da História, de europeus, africanos e asiáticos. Nesses novos fluxos migratórios autores como Garcia-Canclini (2007), destaca um “contra fluxo” àquele primeiro, pois de início, a

América do Sul era a terra de chegada daqueles imigrantes e, do último século até então se tornou um pólo emissor de imigrantes com baixa qualificação de mão de obra que decidiram tomar o caminho inverso de alguns de seus antepassados (europeus, por exemplo) rumo a países de atração, geralmente estes situados no hemisfério norte / ocidental do globo, países que ofereciam melhores condições de

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geração a geração, enquanto que as dificuldades de entrada neles também crescem em uma proporção ainda maior. Apesar do desejo de querer partir para os países economicamente desenvolvidos continuar latente nos planos de muitas pessoas que não encontram alternativas em seus países de origem, localidades

fora desse eixo passaram a ser uma alternativa viável e não tão arriscada. Dessa forma, a escolha passou a ser por países de economia mais ampla em comparação com a de origem, em localidades onde a circulação de riqueza fosse maior com relação ao do país natal, mesmo que isso fosse fora da rota inicial mais

visada e, da mesma forma, mais arriscada. Com isso, escolha de destino final passou a ser feita, também, para países ditos “emergentes” ou simplesmente naqueles que pudessem oferecer condições melhores de trabalho. Dessa forma, por exemplo, guatemaltecas e hondurenhos buscavam no México uma nova perspectiva de vida e, da mesma forma, assim, começa parte da história de

bolivianos no Brasil, principalmente com a conhecida “Ola de los 90”, quando um número específico e expressivo de andinos começou a entrar no país para trabalhar no mercado de costura e confecção de São Paulo trazendo na bagagem, além de poucos pertences materiais, um rico e simbólico universo de significados

que se faz necessário conhecer.4

McLuhan (1979 apud SANTOS, 2008) insinuou que em todos os países os receptores se relacionam com os meios da mesma forma e que a cultura não tem influência alguma nesses processos. O exemplo usado por ele é que a televisão padroniza o comportamento dos telespectadores independentemente da

língua falada ou dos costumes locais desses mesmos receptores. Tal ideia foi disseminada com a perspectiva do mundo assemelhar-se a uma Aldeia Global, na qual todos estariam interligados e, além de tudo, padronizados em aspectos midiáticos. McLuhan, com isso, sofreu graves críticas de outros autores, como Eco (1988 apud. SANTOS, op.cit.), que afirmou que o receptor tem a liberdade para

interpretar as informações e que este atribui significados diferentes sem ser “controlado” por ninguém, salvo em raríssimos casos, afirma o autor. Tal

4 A expressão “Hola de los 90” foi algo detectado de forma repetida na fala de muitos imigrantes e de pessoas

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interpretação é subjetiva e, obviamente, influenciada pela cultura e pelo meio ao qual o sujeito encontra-se imerso. Kellner (2001) destaca a existência de uma Cultura da Mídia que simboliza o lugar onde se travam batalhas pelo controle de alguns espaços dentro da sociedade. Esses espaços são denominados por nós de

comunidades sobre os quais discorreremos com maiores detalhes no Capítulo Dois.5 Dessa forma, faz-se necessário saber como se reproduzem esses processos em ambientes tão complexos, como o de cidades como São Paulo, onde se encontram, e também se desencontram, inúmeros contingentes nacionais

e internacionais, com suas coletividades próprias, com seus bairros próprios, com suas línguas próprias, com seus problemas e anseios próprios. Os bolivianos fazem parte desse contexto e, assim, conhecer como se organizam e pensam as suas próprias mídias, como os ouvintes relatam suas experiências com as rádios, como essas rádios se formam dentro da relação existente entre o massivo e o

popular, entre outras questões, faz parte de um complexo emaranhado de causas e consequências presentes no processo de globalização.

A globalização da comunicação é um fato inegável. No entanto, Mattelart (2002) destaca que se trata de uma utopia falar de comunicação universal, pois

falar disso seria admitir a superação das desigualdades entre as classes, grupos e nações. Para ele, existe um contraste flagrante entre o discurso utópico de promessas de um mundo melhor por meio da técnica e a realidade das lutas pelo controle dos dispositivos de comunicação, a hegemonia sobre as normas e sistemas de se fazer e de se conceber a comunicação em uma escala universal.

Para isso, o autor cria o termo “comunicação-mundo” que pretende caracterizar as lógicas de exclusão ao invés de reproduzir o “fetiche”, ressaltado por Mcluhan, que faz crer em uma representação igualitária e “globista” do planeta. Esse termo, destaca o autor, “permite analisar o sistema em via de mundialização restituindo sua concretude histórica, ele volta a considerar a história das relações mundiais

em suas desigualdades” (MATTELART, id. pp.150-151). O autor complementa seu pensamento ao afirmar que “a história encarregou-se de apontar, em diversas

5 Por convergência, nos referiremos aos termos coletividade e comunidade, a partir de agora, sempre em letras

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ocasiões, as falhas das representações baseadas na aldeia global que tem alimentado o imaginário do grande público sobre o futuro da comunidade humana (id. p.157). Será que as particulares histórias de países como Bolívia e Paraguai, por exemplo, são simplesmente anuladas frente ao advento da Aldeia Global?

Será que a uniformidade proposta pela globalização afeta países como estes da mesma forma como afeta outros países como Estados Unidos e Canadá? É importante frisar que esse não é o foco do nosso estudo, mas o foco que pretendemos conhecer são desdobramentos destes primeiros, não sendo possível

não ligar uma coisa à outra. Conhecer o poder que os fenômenos de globalização e comunicação trazem consigo de compor, recompor e decompor a identidade e cultura de pessoas oriundas dos rescaldos e substratos produzidos, também, pela globalização justifica suficientemente nossa proposta de estudo. Elhajji (2005, p.194) assinala que:

A teoria da globalização, por meio de seus principais formuladores, não deixou de chamar atenção sobre a correlação dialética ou até paradoxal existente entre o processo de globalização que provocam reações abruptas e muitas vezes violentas por parte das culturas e das identidades singulares ou minoritárias ameaçadas pelo trator nivelador do mercado mundial e do molde existencial único.

Ainda sob a ótica da globalização, o mundo até pode ser pensado como uma aldeia global, no entanto, a ideia da forma como foi concebida, entendida e debatida anteriormente, não pode ser usada como um sinônimo para a afirmação

de que todas as pessoas inseridas nela desfrutam da mesma forma das produções e riquezas acumuladas pelo homem. A Aldeia de McLuhan falava da televisão, mas nem mesmo na era digital e com o advento da internet tal ideia cabe sem que se receba o devido posicionamento crítico de saber que nem todas as pessoas têm acesso a esses meios digitais. Acreditamos que a ideia de aldeia

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De um lado, é abusivamente mencionado o progresso das ciências e das técnicas, das quais um dos frutos são os novos materiais artificiais que autorizam a precisão e intencionalidade. De outro lado, há, também, referência obrigatória à aceleração contemporânea e todas as vertigens que cria, a começar pela própria velocidade. Todos esses, porém, são dados de um mundo físico fabricado pelo homem, cuja utilização, aliás, permite que o mundo se torne esse mundo confuso e confusamente percebido. É a maneira como se produz a história humana que é a verdadeira responsável pela criação da torre de babel em que vive a nossa era globalizada (SANTOS, 2009 p.17).

Muito claramente, os bolivianos radicados em São Paulo e que formam a base da pirâmide produtiva no mercado de confecção e costura, fazem parte dos que não desfrutam dessas benesses e que são dificilmente percebidos, entre

outras coisas, pelo citado paradoxo e pelas “vertigens” causadas pela aceleração contemporânea citadas pelo autor. Santos (id.) declara que a idéia da Aldeia Global não passa de uma fábula e que a globalização é perversa em sua forma e conteúdo, pois, também de forma paradoxal, ao mesmo tempo em que aproxima as pessoas é capaz de ampliar o “fosso” social que as separa, deixando claro

quem são os que têm de quem são os que não têm. Pobres esses que, em muitas ocasiões, vêem-se obrigados a buscar melhores perspectivas de sobrevivência em outros países que não o seu de origem, caso típico do imigrante em questão neste estudo. Por outro lado, como afirma Foucault (2002), “onde há poder há resistência”. Resistência essa que é pensada na medida em que as classes

subalternas se utilizam de alguns recursos da comunicação de massa para se organizarem e falarem do mundo de uma maneira própria. Martin-Barbero (2003) destaca que a globalização, com todos os seus contrastes, faz com que o “local” ganhe um novo sentido, alimentando a capacidade de se criar relatos de identidade fragmentados pela “desterritorialização”, que significa pensar a si

mesmo e suas formas de se relacionar com o mundo independente do local físico de seu nascimento. É dentro desse movimento em que a identidade pode assumir aspectos mutantes e simbióticos com a cultura e com os meios de comunicação.

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ligados a música e imagens que representam estilos e valores desterritorializados. Porém, esses fenômenos de globalização comunicativa não podem ser pensados como meros processos de homogeneização. O que está em jogo é a profunda mudança no sentido da diversidade (MARTIN-BARBERO, 2003 p.60).

Estima-se que existam mais de cento e cinquenta mil bolivianos em São Paulo, considerando os regulares e irregulares. Trata-se, na verdade, de um universo paralelo que existe naquela cidade, reproduzindo e alimentando os

sonhos, valores, tradições, perspectivas, desigualdades, entre outras coisas, em um ambiente migratório internacional marcado pela simbologia interativa com a sociedade receptora do que é ser boliviano imigrante. É essa diversidade, à qual se refere Martin-Barbero (id.) que se faz necessária conhecer mais a fundo, pois os grandes meios de comunicação não conseguem atender às demandas

surgidas no interior dessa coletividade, fazendo nascer assim, a necessidade desse expressivo contingente se organizar para suprir suas inúmeras necessidades, contando nesse leque também as necessidades comunicacionais e de pensarem a si mesmos durante a aventura vivida com a emigração chamado por Sayad (1998) de Elghorba, que se reflete no ato de uma pessoa viver no

“exílio” ou no exterior, tornando-se, assim, um imigrante, um emigrado que saiu de seu local de nascimento em busca de uma melhor perspectiva de vida em terras alheias. É deste imigrante que trata nosso estudo e que, pelos motivos expostos,

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1.3 REFERENCIAL TEÓRICO

As culturas vivem enquanto se comunicam umas com as outras e esse comunicar-se comporta um denso e arriscado intercâmbio de símbolos e sentidos (MARTIN-BARBERO, 2003 p.68).

Mesmo que os trabalhos advindos dos Estudos Culturais sejam trabalhos advindos de uma jovem tradição, eles precisam ser debatidos, por vezes até contestados, jamais ignorados. Ignorá-los seria chocante em razão de suas contribuições, pois constituem o suporte de parte essencial dos debates científicos contemporâneos sobre a cultura e comunicação (MATTELART e NEVEU, 2006 p.16).

Mattelart (2008), destaca que o Estudo Comunicacional no Terceiro Milênio está permeado por uma “multiplicidade de sentidos”, situados na

“encruzilhada” de várias disciplinas, despertando o interesse de ciências tão diversas como a Filosofia, a História, a Geografia, a Psicologia, a Sociologia, a Economia, as Ciências Políticas, as Ciências Biológicas, entre outras. Ao longo de sua construção, continua Mattelart (id.), esse campo particular das Ciências Sociais esteve, por outro lado, continuamente às voltas com a questão de sua

legitimidade teórica e, até mesmo, científica. Martino (2007) polemiza o estudo do Campo Comunicacional ao questionar o que poderia ser considerada uma Teoria da Comunicação. O autor destaca que as teorias usadas na comunicação são abundantes e extremamente variadas, pois abrangem a produção de diversas

disciplinas e outros campos do saber. Ele ainda complementa ao dizer que, quando se estuda as teorias da comunicação não se pode deixar de lado uma visão crítica daquilo que é reconhecido, de fato, como uma teoria do campo em análise pois esse mesmo campo, somente a partir de 1960, com a ampliação do volume de produção e com a organização sistemática, passou a ser considerado,

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objeções, “temos certeza de que podemos falar em Teorias da Comunicação, elas existem à despeito de todo e qualquer obstáculo colocado à sua definição

(MARTINO, 2007, p.14).

Uma teoria somente pode ser considerada teoria da comunicação se respeitar o preceito da centralidade do fenômeno comunicacional. Isto significa dizer que a realidade humana deve ser explicada, entendida e descrita, tomando-se a comunicação como fator privilegiado. O comunicólogo deve explicar a realidade humana a partir dos fenômenos comunicacionais, pois é sob essa perspectiva que serão lidos e interpretados os fenômenos humanos. Daí o nome “comunicacional”, pois toma a comunicação não necessariamente como causa, mas como fator central para a compreensão desses fenômenos. É este engajamento – hipotético, perspectivados – que caracteriza uma teoria como pertinente a uma disciplina (MARTINO, 2007, p.28)

Por campo específico de estudos, Prado (2003, p.135) entende como sendo o “conjunto de relações estabelecidas entre cientistas, pesquisadores, professores, profissionais e estudantes que trabalham e refletem sobre cada atividade científica”. Assim sendo, complementa o autor, qualquer que seja o debate do panorama epistemológico do campo da comunicação no Brasil, por

exemplo, deve-se considerar tal campo como emergente, com escolas distintas, e como um espaço em que inúmeras correntes, com definições similares, paradoxais e, até mesmo discordantes, do que seja a própria comunicação.6 Essas correntes surgem, de acordo com Melo (2003), como consequências de demandas coletivas em uma tentativa de dar conta de explicar fenômenos sociais

emergentes que têm o fator Comunicação em seu cerne. Por emergentes, compreendemos, também, as relações existentes entre o saber comunicacional e suas interfaces com a mobilidade humana internacional, como o caso dos bolivianos em São Paulo. Mattelart (2008) destaca que o estatuto de “Escolas de

Comunicação” pode ser uma definição “meramente ilusória”, pois não é garantia alguma de que encontremos homogeneidade no que pese o seu modo de agir perante aos fenômenos que têm a comunicação como eixo central.

6 O autor destaca seu entendimento acerca do que é campo da comunicação e área da comunicação. Para ele,

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Uma dessas correntes teóricas, que não está isenta de críticas pela forma de se comportar dentro do saber comunicacional é a Teoria dos Estudos Culturais / Pensamento Latino-Americano em Comunicação. Ela compõe a base das idéias pensadas por autores consagrados e escolhidos para a sustentação de nosso

estudo. A escolha pelos Estudos Culturais foi feita com base no cruzamento que se pretende alcançar entre os termos Mídia, Cultura e Identidade. Castells (2003) entende a identidade como sendo uma fonte de significado e experiência de um povo, tratando-se de um processo de construção de significados com base em um

atributo cultural, ou “ainda em um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras formas de significado, podendo haver para um único indivíduo identidades múltiplas” (CASTELLS, id., p.3). Continua o autor ao afirmar que:

Não é difícil concordar que, do ponto de vista sociológico, toda e qualquer identidade é construída. A principal questão, na verdade, diz respeito a como, a partir de quê, por quem e para que. A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória colectiva e por fantasias pessoais, pelos aparelhos de poder e revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades que reorganizam o seu significado em função de tendências sociais e projectos culturais enraizados na sua estrutura social, bem como na sua visão de tempo e espaço (CASTELLS, id. p.4).

Esse tempo e espaço aos quais o autor se refere podem ser

interpretados, também, como o tempo e espaço que separam, ou que unem, as pessoas que decidem deixar os seus países em busca de outros, em busca de trabalho e melhores condições de vida, caso dos imigrantes em destaque nesse estudo. Nesse contexto, conforme sinaliza o autor, a identidade do imigrante

torna-se um produto em negociação e mutação e as questões ligadas ao “como”, “a partir de” e “para que”, tornam-se os eixos que precisam ser respondidos ao longo das nossas análises, que tentam conhecer os desdobramentos midiáticos, culturais e identitários que envolvem os imigrantes bolivianos radicados no

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Estudos Culturais, pois acreditamos ser, dentre as possíveis bases teóricas existentes e possíveis, as mais propícia para uma análise de questões que geralmente não se encontravam no centro das preocupações acadêmicas até pouco tempo, como as relações entre mídia e migração, por exemplo. Mas,

mesmo assim, não estamos falando de qualquer migração ou de qualquer mídia, estamos falando de uma mídia teoricamente obsoleta para os tempos de realidade virtual e de pessoas tornadas teoricamente “obsoletas” por um processo sócio-histórico. Esse processo é corroborado pelo que Santos (2009, p.32) designa de

“globalitarismo”, que transforma coisas e pessoas em “ferramentas úteis até certo ponto dentro de um processo de substituição tão perverso e tão bem arquitetado que dá a impressão de natural”.

Sousa (2006) destaca que o nascimento dos Estudos Culturais deu-se em um contexto de observação da cultura a partir de uma perspectiva histórica,

abrindo novas frentes de análise para os fenômenos comunicacionais na sociedade em oposição ao paradigma funcionalista americano, este último explicado pela idéia de que os meios de comunicação tinham um grande poder de modificar atitudes e opiniões de seus públicos. Mattelart e Neveu (2006) assinalam

que os Estudos Culturais foi fundada na Inglaterra, mais precisamente na cidade de Birmingham na década de 1970, ocupando-se de compreender, justamente, os mecanismos existentes entre cultura e política dentro dos grupos sociais. No entanto, o diferencial proposto por tal corrente de pensamento, era de não considerar qualquer grupo social como sendo válido para suas análises, mas sim

grupos sociais específicos emergentes das classes populares, tendo como mote o elemento contestador da ordem social na qual havia um “lugar” destinado aos ocupantes de patamares basilares de tal “ordem” social estipulada. Esses ocupantes dos patamares basilares de sociedades hierarquicamente organizadas poderiam receber recortes de gênero, recortes étnicos, recortes de consumo,

entre outros, cabendo aí, também, os mecanismos midiáticos organizados por imigrantes em países estrangeiros.

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aceleração da circulação mundial dos bens culturais. Mesmo com tudo isso, após os anos de 1980, os Estudos Culturais enfatizaram suas preocupações em compreender a capacidade crítica dos consumidores, os Estudos Culturais questionam o papel de pivô da classe social como fator explicativo para reavaliar as identidades étnicas (MATTELART e NEVEU, 2006 p.15).

Tivemos condições de averiguar empiricamente em São Paulo o que os autores tratam de maneira teórica acima. A questão da “aceleração da circulação dos bens culturais” foi algo constatado, principalmente, em nossas visitas às feiras típicas bolivianas dos Bairros do Canindé e Bom Retiro. Nessa localidades há um

espaço físico e imaginado no qual existem trocas efetivas e simbólicas quando os imigrantes decidem ir até elas para comprar produtos genuinamente bolivianos, pois o consumo de tais produtos tem valor representativo do que significa viver fora do seu país de origem. A segunda perspectiva apontada pelos autores, do

papel pivô das classes sociais como fator de explicação para suas afirmações identitárias e étnicas, pode ser considerado e relacionado com a própria fundação das rádios que estamos preocupados em investigar. Ou seja, fundar rádios bolivianas em São Paulo com um propósito de avaliação e resignificação de sua

identidade, seja ela de migrante, de costureiro, de paceño, cochabambino ou qualquer outra, à revelia da própria lei, é um claro e evidente sinal do que os autores desses processos são os “pivôs” da resignificação do papel do sujeito dentro de uma ordem pré-estabelecida e que passa a ser re-estabelecida pela proposta dos Estudos Culturais, que pensa o mundo contemporâneo com base no

prisma cultural.

Acreditamos que os Estudos Culturais, pela sua própria gênese de formar de conceber a cultura como um possível eixo norteador das relações sociais, assemelha-se muito com a definição de “campo comunicacional” supracitado anteriormente, que “bebe” de diversas “fontes” para caracterizar-se, mesmo que

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Pensar os conteúdos ideológicos de uma cultura nada mais é do que perceber, em um contexto dado, em que os sistemas de valores, as representações que eles encerram levam a estimular processos de resistência de resistência ou de aceitação do status quo, em que discursos e símbolos dão aos grupos populares uma consciência de sua identidade e de sua força, ou participam do registro “alienante” da aquiescência às ideias dominantes.

Nossa escolha teórica parece mais uma vez adequada tanto para o estudo como um todo, quanto para aspectos pontuais vivenciados em campo. O trecho em destaque de Mattellart e Neveu ficou explícito quando, por exemplo, nos deparamos com as ofensas sofridas por Vânia, uma das nossas principais interlocutoras bolivianas, que era chamada de Cholla Villera por alguns de seus

próprios conterrâneos mais antigos em São Paulo. Ou seja, a identidade de mulher, recém-emigrada, vinda do interior da Bolívia, era ressaltada pejorativamente por seus paisanos ao ponto de, como uma medida de resistência, assumir tal identidade e usar isso a seu favor a ponto de sugerir a organização de

uma Fraternidade das Chollas Villeras de São Paulo. As relações cotidianas de poder passam por essas situações em que a perspectiva identitária encontra-se imbricada com a cultura e, ainda, com a comunicação, seja esta última mediada ou não mediada. Teoricamente, à essa questão da Cholla Villera, Castells (2003)

denomina tal fenômeno como uma “identidade de resistência” que se trata de identidades assumidas por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, “trincheiras de resistência” e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade que lhes impõe tal identidade. Ou seja,

a resistência surge como uma resposta de transformar o que é negativo em algo afirmativamente composto de outra conotação.

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importante diz respeito aos benefícios gerados por cada identidade para as pessoas que a incorporam (CASTELLS, 2003 p.5)

O que o autor sinaliza em termos dos benefícios gerados por cada identidade precisa ser compreendido em nosso estudo como um reflexo e desdobramento que tais identidades provocam na criação do que chamamos de comunidades existentes dentro da coletividade. Ou seja, as comunidades são locais de encontros identitários para compartilhar questões em comum e, por

consequência, criação de comunidades que têm o intuito de apoio mútuo ao teoricamente considerado como igual. Tais comunidades, que podem ser constituídas sob o “manto” da identidade e pertença são fundamentais dentro das composições grupais existentes de imigrantes no exterior e, no caso dos

imigrantes bolivianos em São Paulo não precisamos de fontes bibliográficas para afirmar isso, pois tal questão foi constatada empiricamente e não duvidamos que tal processo se reformule dentro de outras comunidades de estrangeiros, principalmente os socialmente vulneráveis, que vivem fora de seu país de origem.7

Schwarz (1994, apud. ESCOSTEGUY, 2001) define que os pilares do

projeto sustentador dos Estudos Culturais são a identificação explícita das culturas vividas como um projeto distinto de estudo, o reconhecimento da autonomia e complexidade das formas simbólicas em si mesmas; a crença em que as classes populares possuíam suas próprias formas culturais, dignas de nome, recusando todas as denúncias, por parte da chamada alta cultura, do barbarismo das

camadas sociais mais baixas; e a insistência em que o estudo da cultura não poderia ser confinado a uma única disciplina, mas que era necessariamente inter, ou mesmo “antidisciplinar”. Hall (2006) declara que os Estudos Culturais tratam, ainda, de uma espécie de recorte que reflete a esfera cultural como um campo de

relações estruturadas por poder e por diferenças sociais. As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças oriundas, entre outras coisas, do advento imigratório e das diásporas, comporão o

7 O “socialmente vulnerável” é aquele imigrante oriundo das classes baixas e que já esgotou suas

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eixo norteador das preocupações levantadas pelos Estudos Culturais e seus autores, fazendo dessa proposta teórica um campo vasto com carga polissêmica de objetos de estudos. Hall (2009) salienta que não se trata de encarar esse modelo de análise como uma “disciplina”, mas como um campo no qual diferentes

disciplinas interatuam, visando o estudo de aspectos culturais de uma sociedade hierarquicamente organizada. Kellner (2001) assinala que os Estudos Culturais supera a divisão acadêmica convencional do trabalho por meio da superação da especialização que divide o campo de estudo da mídia, da cultura e das suas

relações, principalmente, no nosso caso, com a comunicação.

O Estudo Cultural, portanto, opera com uma concepção interdisciplinar que utiliza teoria social, economia, política, história, comunicação, teoria literária e cultural, filosofia e outros discursos teóricos. As abordagens interdisciplinares à cultura e à sociedade transpõem os limites existentes entre várias disciplinas acadêmicas. Em particular, propugnam que não nos devemos deter nos confins de um texto, mas devemos procurar saber como ele se encaixa nos sistemas de produção textual e de que modo vários textos fazem parte de sistemas de gêneros ou tipos de produção e têm uma construção intertextual (KELLNER, 2001 p.42).

Essa intertextualidade apontada pelo autor é a mesma que buscamos

entre o cruzamento proposto sobre o universo da comunicação, da identidade e, ainda, como estes dois se encontram para tratarmos de imigração. O desafio que encontramos, em termos teóricos é fazer com que ocorra sentido no cruzamento e sintonia entre os universos citados (comunicação, cultura e imigração) que, por si sós e analisados um a um em separado (se é que isso é possível), já trazem o seu

grau específico de complexidade. Hoggart (1957, apud. ESCOSTEGUY, 2001.) contempla que o foco da atenção dos Estudos Culturais recai sobre materiais culturais antes desprezados da cultura popular e dos meios de comunicação de massa, através de metodologia qualitativa. O autor inaugura o olhar de que no âmbito da cultura popular não existe apenas submissão, mas também resistência,

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social. Os grupos sociais negligenciados, como os imigrantes bolivianos em São Paulo, em outras análises teóricas encontram nos Estudos Culturais espaço para uma reflexão profunda de suas práticas e formas sociais organizativas.

O ponto comum das preocupações dos estudiosos dessa Escola Teórica é o de afirmar que através da análise da cultura de uma (micro) sociedade discriminada – as formas textuais e as práticas documentadas de uma cultura – é possível reconstruir o comportamento padronizado e as constelações de ideias compartilhadas pelos homens e mulheres que reproduzem e consomem os textos e as práticas culturais daquela sociedade. É uma perspectiva que enfatiza a atividade humana, a produção ativa da cultura, ao invés de seu consumo passivo. (STOREY, 1997 apud. ESCOSTEGUY, id.)

Mattelart (2008) defende que o papel ideológico da mídia, na perspectiva dos Estudos Culturais, representa a constituição de um postulado capaz de responder contrariamente às ideias funcionalistas. Hall (1973, apud. Mattelart, id.)

revela que o processo de comunicação está embasado em quatro pilares: produção, circulação, distribuição/consumo e consumo. Na audiência, complementa o autor, há dois níveis de decodificação: dominante e negociada. O primeiro sinaliza o autor, corresponde aos modos de ver hegemônicos, que

aparecem como naturais legítimos e inevitáveis, o senso comum de uma ordem social e de um universo profissional. O segundo, complementa o autor, interpreta a mensagem a partir de outro quadro de referência, de uma visão contrária, traduzindo o “interesse nacional” pelo “interesse de classe”. É sob a ótica dessa segunda que procuramos conhecer como funciona a programação das rádios em

análise. A identidade torna-se um fator que destoa, podendo falar mais alto acerca dos grupos que se unem a partir dela para pensar o seu universo de uma forma própria.

Mattelart e Neveu (2006) citam Hoggart (1973) para ressaltar a relevância dos Estudos Culturais em um projeto etnográfico compreensivo da cultura das

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estilos de vida são resignificados e os meios de comunicação acompanham tais processos. As questões que envolvem a etnicidade dos fluxos migratórios permitem conhecer e compreender os processos de modificação e negociação identitária que ocorrem em ambientes multiculturais, como os dos bolivianos em

São Paulo. Os autores assinalam, ainda, que:

As dimensões culturais do desenraizamento e da mobilidade espacial ligados à imigração ou a uma fragmentação crescente dos espaços de vida constituem provavelmente um dos domínios de invenção dos saberes e campo de atuação dos Estudos Culturais... A questão das diásporas, das migrações e da mobilidade espacial é essencial, porquanto permite uma abordagem concreta das formas e dos efeitos da globalização, enquanto abre ao pesquisador um campo que permite algo além de análises de textos. Averiguar como emigrados combinam a utilização das mídias específicas de seus países de acolhida com programações originadas, ou ao menos pensadas assim, carrega a percepção mais positiva de que tal mídia vai ser um vínculo de uma comunidade imaginada. (MATTELART E NEVEU 2006, pp.188-189).

Escosteguy (2001) considera que foi na segunda metade dos anos de 1970 que os Estudos Culturais perceberam os meios de comunicação de massa como agentes importantes constituidores de valores, autonomia, constituição identitária, perspectivas de resistência e de universo de sentidos para as culturas

populares. É justamente nesse ponto em que pretendemos fazer a interface com as rádios bolivianas de São Paulo e encará-las como agentes mediadoras de busca de resistência, produção de sentidos e constituição identitária negociada ou, em alguns casos, imposta. Com relação às identidades e culturas híbridas, o

pensamento comunicacional latino-americano trouxe contribuições significativas para uma nova abordagem dos Estudos Culturais. A questão do hibridismo cultural tem como um de seus principais criadores Garcia-Canclini (2008) que o destaca como uma espécie de “termo detonante”, pois tal termo foi capaz de mudar o

campo de conhecimento no qual os Estudos Culturais encontra inserido, modificando a abordagem teórica e conceitual dessa tradição de pensamento ao relacionar-se com a identidade e cultura. “Entendo por hibridação processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”

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Expressões como mestiçagem, sincretismo e crioulização continuam a ser utilizados em boa parte da bibliografia antropológica e etno-histórica para especificar formas particulares mais ou menos clássicas. Mas como designar as fusões entre culturas de bairro e midiáticas, entre estilos de consumo de gerações diferentes, entre músicas locais e transnacionais, que ocorrem nas fronteiras e nas grandes cidades? A palavra hibridação aparece mais dúctil para nomear não somente as combinações de elementos étnicos e religiosos, mas também a produtos de tecnologias avançadas e processos sociais modernos ou pós-modernos (Id. Ibid. 29).

As fusões midiáticas e consumos musicais que mesclam o local e o transnacional são facilmente percebidas no momento em que, dentro da

programação de alguma das rádios em análise, é possível ouvir um rap dos Racionais MC’s cantado em espanhol, por boliviano radicado em São Paulo, como uma forma de expressão híbrida sofrida pela música e que ganha uma nova roupagem que fala melhor, que explica melhor, que se aproxima mais da realidade vivida dentro das comunidades bolivianas em questão. No entanto, a cultura e

identidade, na perspectiva dos Estudos Culturais, dentro da reformulação assumida na América Latina, as oportunidades de hibridar-se não são infinitas ou tampouco irrestritas. Para Garcia-Canclini, a hibridação ocorre em condições históricas e sociais específicas, em meio a sistemas de produção e consumo que se estima na vida de muitos imigrantes. Appadurai (1996 apud. id. p.31) destaca

que:

As grandes cidades condicionam e auspiciam os processos de hibridação cultural e identitária. As megalópoles multilíngues e multiculturais, por exemplo, Londres, Berlin, Nova York, Los Angeles, Buenos Aires, São Paulo, México e Hong Kong, são estudadas como centros em que a hibridação fomenta maiores conflitos e maior criatividade cultural

Estar no Bom Retiro, no Brás ou no Canindé é estar dentro do que conta Garcia-Canclini acerca do que chama de hibridação, pois há um cenário e agentes

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da matriz presente no país de origem, independente se uma se sobrepõe à outra ou não. As identidades produzem sentidos e esses sentidos produzem consumo, consumo este que pode ser de fato ou simbólico/imaginado que é realizado nas feiras típicas existentes nesses bairros. A América do Sul, com isso, oferece

contribuições significativas e relevantes para a proposta inicial dos Estudos Culturais. O Brasil, São Paulo, mais especificamente, abriga coletividades (a boliviana, a japonesa, a judaica, a italiana, a coreana, a nordestina, entre outras) capazes de sinalizar isso claramente, capazes de mostrar o quanto a cultura e a

identidade se imbricam em processos híbridos e complexos que não são estáticos, pois ao mesmo tempo em que existem as coletividades supracitadas, em seus interiores há comunidades que se concebem a partir de recortes mais específicos, recortes de identidades mais plurais e passíveis de aglomerações simultâneas como a identidade boliviana, católica, colla, caporal e paceña, todas ao mesmo

tempo, todas em um único indivíduo, todas em um único ser.

Dessa forma, o pensamento Latino-Americano em Comunicação contribui no entendimento de que o campo da comunicação é marcado por questões ideológicas e disputas por espaços de hegemonia, ocasionando segmentos

“marginais” que, por sua vez, precisam criar as suas próprias mídias para satisfação de seus interesses (SANTOS, 2008). As rádios bolivianas de São Paulo são uma tentativa de delimitação de espaço reservado para o boliviano radicado em São Paulo como uma forma de busca coletiva e comunitária para os diversos anseios daquele grupo de imigrantes que vivem o seu dia a dia nas oficinas de

costura dos principais bairros da capital paulista. Garcia-Canclini retoma o termo hibridação para falar de identidade, cultura, diferença, desigualdade e do multiculturalismo existente em locais onde há o encontro entre “nacionais e estrangeiros” (2008). O autor entende que o “popular”, na interligação entre comunicação e cultura, se dá na perspectiva das lutas de determinados grupos

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compreender as complexas redes de relacionamento apresentadas por um mundo marcado, também, pela mobilidade humana e de como pessoas deslocadas territorialmente organizam suas mídias e “negociam” identidades e culturas. Para ele:

Os estudos sobre narrativas identitárias com enfoques teóricos que levam em conta os processos de hibridação mostram que não é possível falar das identidades como se tratasse apenas como o conjunto de traços fixos, nem afirmá-las como a essência de uma etnia ou de uma nação. A história dos movimentos identitários revela uma série de operações de seleção de elementos de diferentes épocas articuladas em um relato que lhes dá coerência, dramaticidade e eloqüência. Em um mundo tão fluidamente interconectado, as sedimentações identitárias organizadas em conjuntos históricos mais ou menos estáveis (etnias, nações, classe) se reestruturam em meio a conjuntos interétnicos, transclassistas e transnacionais. Isso faz com que os membros de cada grupo se apropriem de diferentes formas de produção midiática. Se quisermos ir além da liberdade de análise cultural de seus fundamentalismos identitários, devemos situar a hibridação em outra rede de conceitos que envolvem a contradição, a mestiçagem, o sincretismo e a transculturação (GARCIA-CANCLINI, id. p.35).

A transculturação, que é uma das expressões usadas por Garcia-Canclini para definir essa perspectiva de encontros culturais e resignificação de práticas, abre um campo fértil para as análises de estudos de emissão e recepção, tendo Martín-Barbero (2003) como um de seus principais pensadores, afirmando que a

comunicação midiática aparece, portanto, como parte das desterritorializações e realocações que acarretam as migrações sociais e as fragmentações culturais da vida urbana, do campo de tensões entre tradição e inovação e outros processos que nos desafiam diariamente como: 1) os modos de sobrevivência das culturas tradicionais ressignificando o que é ser campesino no exterior, e 2) as aceleradas

transformações das culturas urbanas renovando os modos de estar juntos em grupos juvenis, comunidades pentecostais, tendo a identidade como agente agregador dessas junções, entre outras coisas.8 O autor preocupa-se, em se tratando das relações entre cultura e comunicação, com uma reformulação do conceito e entendimento do que vem a ser o “povo”, resituando-o em um novo

8 Vassallo de Lopez (1999) destaca que Martin-Barbero é hoje o mais importante teórico da comunicação e da

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local dentro de um processo sócio-histórico, processo esse comumente negado por uma história que relegava a ele a perspectiva de ser abordado e pensado somente a partir da ótica do anonimato, a partir da ótica da cultura popular (MARTÍN-BARBERO, 2008). Essa cultura popular, define o autor:

É a cultura que fala então não de algo estranho, mas de um resto e um estilo. Um resto: memória da experiência sem discurso, que resiste ao discurso e se deixa dizer só no relato. Resto feito de saberes inúteis à colonização tecnológica, que assim marginalizados carregam simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de criação muda e coletiva. E um estilo, esquema de operações, modo de caminhar pela cidade, habitar a casa, de ver televisão, um estilo de intercâmbio social, de inventividade técnica e resistência moral (MARTÍN-BARBERO, id. p.122).

Entendemos nas palavras do autor que esse estilo próprio ao qual se refere é, também, o estilo próprio dessas “classes mudas” se relacionarem não só com a televisão, mas com a mídia de uma maneira em geral, incluindo nesse certame, obviamente, o rádio. Essas classes mudas, ou até mesmo quem sabe

“invisíveis”, podem ser compreendidas como os que não tem espaço dentro da normalidade social, uma normalidade que produz mudos e invisíveis que podem ser chamados, também, de imigrantes socialmente estigmatizados, como o caso dos bolivianos em São Paulo. O estigma advém, também, do “peso nacional”, da questão fenotipicamente indígena e, ainda, pelo recorte social que a pobreza

emprega a eles, sendo estes os traços marcantes do boliviano empregado na costura em São Paulo e que é alvo de nossas observações. Esses traços são recortes claros para a divisão e diferenciação entre uns e outros imigrantes, pois em ocasiões embasadas pelo senso comum ou pelo conhecimento científico ideologicamente manipulado pode haver divisão hierárquica entre o peso nacional

que o boliviano traz consigo para o peso nacional que um italiano traz consigo, por exemplo. Tal peso pode diferir o pleito, perante as autoridades brasileiras, de legalização das atividades de uma rádio boliviana ou de uma rádio italiana na Capital Paulista que esteja em situação irregular, como ressalta a fala de um dos

radialistas entrevistados durante nossa pesquisa de campo.

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imutável, pois qualquer vestígio de autenticidade, confirma o autor, somente se encontra no passado e qualquer atividade de intercâmbio apareceria como uma contaminação espúria. Paradoxalmente, conclui o autor, não é possível ser fiel a uma cultura sem transformá-la, sem assumir os conflitos que toda comunicação

profunda envolve (MARTIN-BARBERO, 2003). Acreditamos que as idéias de Garcia-Canclini e Martin-Barbero coincidem e se “encontram” quando ressaltam que os processos de fusões e mutações culturais advém de processos de encontros de pessoas diferentes, de pessoas que têm culturas não iguais umas

das outras. É nesse ponto que entendemos os acompanhamentos existentes entre cultura e identidade, dado o caráter mutável de ambas. Ou seja, é a mutabilidade que as faz genuinamente únicas, é o movimento de transformação permanente que faz com que permaneçam as mesmas, por mais complexo que isso possa parecer. É dentro desse jogo que ocorrem, também, as negociações entre o meio

e o receptor, sem haver uma sobreposição do primeiro sobre o segundo, sem o primeiro achar que o segundo é vazio e passivo.

Um último aspecto teórico que precisamos relatar é que as linhas de pensamento defendidas pelo autor ao longo de sua obra não mostram oposições

entre meios massivos e meios populares de comunicação, mas sim que o popular é uma esfera do massivo e que o primeiro emerge do segundo, valendo-se das “brechas” encontradas em determinados momentos com maior ou menor intensidade (MARTÍN-BARBERO, 2003). Peruzzo (2004) reconhece que os veículos de comunicação massiva não são “perversos” no tocante aos interesses

populares.9 Muitas experiências têm demonstrado sua potencialidade emancipatória e educativa, valendo-se de uma comunicação massiva, para setores subalternos das interações sociais cotidianas, sinaliza a autora. Para ela, o rádio constitui um núcleo que pode ser utilizado para divulgação de interesses próprios dos setores que não encontram respaldo às suas demandas nas demais

mídias de massa, como a Televisão, proporcionando iniciativas próprias e

9 A questão da “perversidade” está relacionada com o que comumente é da função alienadora, deturpadora e

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