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3.3. Organização e gestão do tempo e da actividade educativa

3.3.1.3. Papel do professor

“A noção de «papel» liga-se à estrutura dos actos finalizados que se podem observar nos indivíduos que têm uma posição definida numa organização social” (Postic, 1990: 89). Sendo assim, o trabalho do professor na sala de aula e o seu relacionamento com as crianças é expresso pela forma da sua relação com a sociedade e com a cultura e “é o [seu] modo de agir […] em sala de aula, mais do que as suas características de personalidade, que colabora para uma adequada aprendizagem dos alunos. O modo de agir do professor […] [neste âmbito] fundamenta-se numa determinada concepção do

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papel do professor, que por sua vez reflecte valores e padrões da sociedade” (Abreu & Masetto, 1990: 115).

O professor deve ser inovador e educar para as mudanças, ter liberdade de divergir e ser diferente, construindo “uma organização que favoreça uma estratégia alternativa que valorize a expressão livre e a participação dos alunos” González 2002: 108). Ao contrário de planos que estimulem a competição, que giram o conflito, a actividade incompatível e a organização hierárquica e que suscitem formas de contra poder, o professor apela para a tolerância e aceitação «do diferente». Neste ponto, o mesmo autor (2002: 113) relembra a necessidade de estar atento à diversidade do grupo e às características e singularidades de cada aluno. Só assim o professor pode dialogar, envolver na discussão toda a turma e pensar na socialização e prestação que a criança desempenha enquanto elemento do grupo, em detrimento da sua evolução individual. Assiste-se aqui, portanto, à “integração social e escolar” (Antunes, 1999: 76), onde domina a inclusão como um direito que as crianças têm. E com esta indiferença perante as diferenças se vão formando cidadãos consciente dos seus deveres e das suas responsabilidades sociais, já que “o papel que se espera que o professor desempenhe na sociedade passa […] por uma intervenção cívica na escola” (González, 2002: 104). E Sérgio Niza (1998) acrescenta, ainda, a importância de lhes dar o direito à cidadania. Como tal, esta relação da formação com “as desigualdades sociais e as diferenças culturais passa, de modo crucial, pela pedagogia, pela distribuição de conhecimento e construção do saber que induz, produz e proporciona” (Antunes, 1999: 78). Pedagogia esta que “materializa-se na diferenciação das propostas de actividades e da organização do trabalho escolar” (González, 2002: 113) que fomentem a participação democrática e a cooperação dos educandos. A nível da relação pedagógica o professor deve valorizar a “comunicação envolvendo forma e conteúdo, expectativas e representações” (Morgado, 2000: 21) uma vez que a forma de comunicação, organização e gestão dos processos educativos e da vida na sala de aula assume um papel nuclear nesta relação.

E o profissional do 1.º Ciclo deve procurar “construir representações positivas sobre a totalidade dos seus alunos, […] expectativas positivas sobre os alunos e sobre as suas capacidades, mantenha representações e expectativas positivas sobre a sua profissão e as suas próprias capacidades de proporcionar relações pedagógicas com sucesso”

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(Morgado, 2000: 38). Mas para além das expectativas é essencial que também reforce positivamente o aluno através do diálogo, incentivando qualquer aprendizagem ou evolução. Só assim o professor trabalha o lado positivo dos alunos.

Tudo isto favorece a criação de ambientes produtivos, na consciencialização de que a ordem, mais do que imposta, tem de ser vivida e construída no microssistema da sala de aula. É nesta consciência que se começa por ser complacente com a regra, cooperante com ela, decidindo-se, em última análise, aceitá-la, adoptando-a. Então, seguindo o raciocínio de Sérgio Niza, “o professor tem mais do que um papel preponderante no processo de mudança social, visto que lhe cabe formar uma nova geração compreensiva, tolerante e democrática” (Resende, 2002: 44). Este contexto vai ao encontro da afirmação Sanches e Isabel Rodrigues (2001), ao defender que “a autoridade que o professor detinha, por ser depositário do saber, ruiu e deu lugar a uma autoridade que se conquista no dia-a-dia. A transmissão vertical do saber acaba por dar lugar a uma atitude de horizontalidade, numa contínua procura desse mesmo saber, em que professor e alunos confrontam as conquistas realizadas e cada um de per si complementa e enriquece o resultado da sua pesquisa. Alguns professores não aceitam confrontar-se com situações em que os alunos possam saber mais do que uma qualquer matéria que eles próprios”. Para tal o professor tem de se consciencializar que o seu papel é de facilitador e não transmissor da aprendizagem, estando receptivo a novas experiências, procurando compreender, numa relação empática, os sentimentos e os problemas de seus alunos e tentar levá-los à auto-realização. E, ao contrário da dependência educativa por parte do professor, este deve educar para a autonomia, para a liberdade possível numa abordagem global, na qual “a subordinação, a dependência, a obediência cega […] não são valores positivos” (González, 2002: 104). Assim, a relação professor – aluno passa de autoridade para uma relação de ajuda e partilha. Nesta partilha o profissional da educação não se considera o único detentor do saber, na medida em que a decisão de tudo que se passa na sala de aula é do grupo. Portanto, o que o aluno sabe é uma fonte de informação e é fulcral que o professor valorize a participação dos alunos, para assim ajudar a melhorar a comunicação entre estes dois agentes (professor-aluno). Desta forma, os alunos desenvolvem o seu trabalho de um modo mais activo e consciente. É-lhes, por isso mesmo, proporcionado “a oportunidade de trabalho em

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equipa, [onde se juntam em] grupos heterogéneos em termos de capacidades” (Kaye, 1982: 144). E aqui é essencial não esquecer as ideias dos alunos, os seus interesses e necessidades, em detrimento do programa estandardizado em manuais.

Ao longo do estágio, quer a professora na fase de observação, quer as estagiárias aquando da responsabilização, valorizaram as crianças enquanto elemento do grupo, fomentando a inter-ajuda entre pares. Os alunos consideravam-nos como elementos do grupo. Todos os intervenientes, em plenário, negociavam e tomavam as decisões sobre tudo o que sucedia na sala, funcionando, assim, num processo de cooperação e socialização do trabalho. No fundo, traçou-se uma relação pedagógica que González (2002: 105) caracteriza “pela dimensão de entreajuda e de estímulo à autonomia [intelectual, social e afectiva] que os alunos devem ir construindo, a partir de uma plataforma de confiança e respeito”.

E como a construção da profissão e a construção da pedagogia permanecem ligadas intrinsecamente, na medida em que “a alma da profissão é o trabalho pedagógico”como defende Sérgio Niza (1998) o nosso perfil aproximava-se do modelo do MEM. Este “sistema de formação intelectual, estética e sociomoral das crianças radica na convicção de que a organização da vida […] é o fundamental operador da educação escolar. […] [Portanto, esta organização é movida, de acordo com a cooperação, tendo em conta o respeito, a automatização e a solidariedade que a leva à organização participada democraticamente. O papel de] “promotora da organização participada, dinamizadora da cooperação, animadora cívica e moral do treino democrático, auditora activa, de modo a provocar a livre expressão e a atitude crítica” (Niza, sd: 154, 155) dominava. Mantendo e estimulando, assim, a automatização e responsabilização de cada criança no grupo de educação cooperada.

A gestão dos conflitos criados na sala apoiava-se no Diário de Turma, onde nós tínhamos o papel de promover o diálogo e gerar o consenso. No fundo, neste momento, “a relação professor aluno é idêntica à manifestada pelo treinador para um pequeno grupo de atletas ao seu cuidado. O professor é um animador de grupos, intervindo ao início dos trabalhos, na discussão das conclusões e sempre que a sua ajuda seja solicitada” (Marques, 1985: 76).

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Em detrimento da relação tradicional de autoridade entre o professor e o aluno, baseada numa hierarquia a priori aceite por ambas as partes, na qual a posição do professor é superior à do aluno, por força do seu poder legítimo, neste percurso assistiu-se a uma relação de partilha e respeito com os alunos. Aqui, o nosso papel prendia-se com a capacidade de ouvir, reflectir e discutir um nível de compreensão dos alunos e da criação dos andaimes para o seu conhecimento e crescimento.

Com a restante comunidade estabelecemos uma boa relação, porque considerávamos que todos os seus elementos se assumiam como fonte de aprendizagem e de formação. Houve assim, uma promoção de encontros com os familiares das crianças, reforçando a sua ida à sala para ler uma história, por exemplo. Participávamos nas reuniões de pais, nas quais a professora mostrava o desenvolvimento de alguns trabalhos e solicitava sugestões. “A participação dos pais denota um processo através do qual eles são postos em contacto com a equipa responsável por atender a criança com o propósito de fazer intervenções pedagógicas e actividades que envolvam a criança” (Spodek & Saracho, sd: 166).

Deste modo, pode-se concluir que “o papel do professor é a criação de uma zina de contacto de duas culturas: a da infância, com a sua exuberância de sugestões, de motivações, de queres; e a do adulto, com uma forma cultural de racionalizar e priorizar as decisões” (Formosinho, 1996: 63), onde as crianças são reconhecidas como “elementos privilegiados da relação pedagógica” (González, 2002: 112).