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O papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico tributário

7. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

7.1 O papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico tributário

O intuito do Direito, enquanto conjunto de normas jurídicas válidas, é disciplinar as condutas humanas no plano das relações intersubjetivas. Para tanto, parte das concepções abrangentes com o intuito de se aproximar da região material, concreta das condutas intersubjetivas.

Acerca do disciplinamento de condutas, leciona Maria Rita Ferragut:

Na hierarquia dos enunciados prescritivos, as normas gerais e abstratas concentram- se em posição mais elevada, surgindo as demais em virtude do processo de positivação. As normas gerais e abstratas, dada a generalidade e abstração que lhe são próprias, não têm condições efetivas de atuar num caso materialmente definido. Projetam-se em direção à conduta intersubjetiva, desencadeando regras que objetivam atingir o caso específico. E nessa sucessão de normas, denominada

processo de positivação do direito, entre duas unidades, estará sempre o ser

humano praticando aqueles fatos conhecidos como fontes de produção normativa.215

Assim, temos que o Direito estrutura-se em uma ordem escalonada de normas jurídicas, de modo que, situam-se em uma posição mais elevada as normas gerais e abstratas, que caracterizam-se pela generalidade e um forte grau de abstração. Mas, para que uma norma

do Direito discipline as relações humanas, no plano das relações intersubjetivas, faz-se necessário que a norma detenha um maior grau de eficácia e concretude.

São as normas individuais e concretas que têm o condão de identificar determinadas situações no tempo e no espaço, individualizando determinadas pessoas ou uma classe delas.

Desse percurso necessário não pode prescindir o Direito, com o intuito de aproximar do mundo fenomênico, identificar determinadas ocorrências no domínio do mundo real-social e regular o convívio social, sendo denominado como processo de positivação do direito. Ou seja, das normas gerais e abstratas derivam as normas individuais e concretas.

Assim, no processo de positivação, parte-se das normas jurídicas gerais e abstratas para, posteriormente, aproximar-se das normas individuais e concretas, conforme estabelece Fabiana Del Padre Tomé:

Denominamos positivação do direito o processo mediante o qual o aplicador, partindo de normas jurídicas de hierarquia superior, produz novas regras, objetivando maior individualização e concretude. Os preceitos de mais elevada hierarquia e, portanto, ponto de partida para o ciclo de positivação, encontram-se na Constituição da República: são as competências tributárias. Com base nesse fundamento de validade, o legislador produz normas gerais e abstratas, instituidoras dos tributos: são as regras-matrizes de incidência tributária, descrevendo conotativamente, em sua hipótese, fato de possível ocorrência, e prescrevendo, no conseqüente, a instalação de relação jurídica, cujos traços relaciona. Avançando cada vez mais em direção à disciplina dos comportamentos intersubjetivos, o aplicador do direito veicula norma individual e concreta, relatando o evento ocorrido e, por conseguinte, constituindo o fato jurídico tributário e a correspondente obrigação.216

216 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 269. Sob o olhar de Paulo de Barros Carvalho, “esse

caminho, em que o direito parte de concepções abrangentes, mas distantes, para se aproximar da região material das condutas intersubjetivas, ou, na terminologia própria, iniciando-se por normas jurídicas gerais e abstratas, para chegar às individuais e concretas, e que é conhecido por “processo de positivação”, deve ser necessariamente percorrido, a fim de que o sistema alimente suas expectativas de regulação efetiva dos comportamentos sociais”. (CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributário..., 2009. p. 404). Nesse mesmo

sentido, é também o posicionamento de Fabiana Del Padre Tome acerca do processo de positivação, afirmando que “É pelo ato de aplicação do direito que se tem o processo de positivação.(...). Convém esclarecer que a

aplicação do direito não dista da própria produção normativa. (...) Trata-se de ato mediante o qual se extrai de regras superiores o fundamento de validade para a edição de outras regras, cada vez mais individualizadas. E é somente por meio dessa ação humana que se opera o fenômeno da incidência normativa em geral, assim como da incidência tributária, em particular. Sem que um sujeito realize a subsunção e promova a implicação, expedindo novos comandos normativos, não há que se falar em incidência jurídica”. (TOMÉ, F. D. P. op. cit.,

O sistema de direito positivo contém diferentes espécies de normas jurídicas, diferenciando quanto aos destinatários aos quais a norma se refere (qualificativos geral e

individual) bem como quanto à descrição do fato contida no antecedente normativo

(qualificativos abstrato e concreto). Sendo assim, as normas podem ser geral ou individual, ou, ainda, abstratas ou concretas.

Relativamente aos destinatários a que a norma refere-se, a norma geral é àquele em que o conseqüente normativo visa regular o comportamento de um conjunto indeterminado de destinatários, enquanto que na norma individual o conseqüente normativo está voltado a regular certos sujeitos de direito já individualizados e determinados.

Relativamente à descrição contida na hipótese normativa, na norma abstrata, o antecedente normativo descreve critérios aptos a identificar uma classe de eventos de possível ocorrência, enquanto que na norma concreta, o fato descrito no antecedente normativo já ocorreu, em tempo e espaço determinados, sendo um fato passado, de existência concreta.

Prosseguindo, Fabiana Del Padre Tomé esclarece, ainda, que “esses caracteres

podem ser combinados de modo que constituam normas (i) gerais e abstratas, (ii) gerais e concretas, (iii) individuais e abstratas e (iv) individuais e concretas”.217

Nesse contexto, para se analisar a imprescindibilidade da teoria das provas para a constituição do fato jurídico tributário, tanto no âmbito do procedimento quanto no âmbito do processo administrativo tributário, faz –se mister analisar acerca do papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico tributário.

217 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 29. Cabe destacarmos a lição de Norberto Bobbio,

referenciada por Maria Rita Ferragut: “Norberto Bobbio, por sua vez, aprofunda-se nessa análise e propõe o

rompimento do entendimento de que é sempre necessária a presença dos binômios ‘geral e abstrata’ e ‘individual e concreta’, ao assinalar que esses conceitos são independentes e que, portanto, as normas jurídicas podem ser de quatro tipos. São as seguintes, segundo ele: ‘normas generales y abstractas (de este tipo son la mayor parte de las leyes, por ejemplo, las leyes penales); normas generales y concretas (uma ley que declara la mobilización general se dirige a uma clase de cuidadanos y al mismo tiempo prescribe uma acción particular que, uma vez cumplida, , extingue la eficácia de la norma); normas particulares y abstractas (uma lei que atribuya a determinada persona uma función, por ejemplo la de juez de la corte constitucional, se dirige a um solo individuo y le prescribe no uma acción, sino toda aquellas acciones que son inherentes al ejercicio del cargo); normas particulares y concretas (el ejemplo más característico ell de la sentencia del juez”.

Desse modo, no processo de positivação do direito, as normas gerais e abstratas e seus enunciados conotativos, tais como as regras-matrizes de incidência tributária, e que são veiculadas no corpo da lei, devido à sua generalidade, indeterminação e abstração, não atuam, de forma direta, sob as condutas humanas intersubjetivas, mas sim, com a intenção de atingir, de forma mais individual e concreta sob os comportamentos das pessoas, são emitidas as normas individuais e concretas e seus enunciados denotativos.

As normas individuais e concretas, tais como o lançamento tributário, são construídas e emitidas com fundamento nas normas gerais e abstratas. Para tanto estabelecem que, em virtude da ocorrência de um determinado fato jurídico, deve, conseqüentemente, fazer nascer uma relação entre um sujeito de direito que detém uma obrigação, permissão ou proibição relativamente a um outro sujeito de direito.218

É por intermédio da norma individual e concreta que é possível ao aplicador aproximar-se da disciplina dos comportamentos intersubjetivos, de modo que, ao relatar o evento ocorrido, por conseguinte, constituir o fato jurídico tributário e a correspondente obrigação.

Desse modo, observa-se que, para a caracterização da obrigação tributária e seus efeitos legais, deve ocorrer, primeiramente, a prescrição geral e abstrata, o que se dá por intermédio da lei. Tal norma geral e abstrata descreve um fato hipotético que, se vier a ocorrer, implica no nascimento do respectivo vínculo obrigacional, mediante a instituição do tributo. No entanto, tal ocorrência é apenas um liame previsto abstratamente, de modo que não basta apenas a existência da regra-matriz de incidência tributária instituindo um tributo.

218 Cabe a ressalva feita por Maria Rita Ferragut: “(...) insistimos que as normas jurídicas não são somente as

gerais e abstratas, veiculadas por meio de leis ordinárias, complementares, delegadas, decretos, etc. As individuais e concretas, bem como as gerais e concretas e individuais e abstratas, por integrarem a ordem jurídica, também são normas jurídicas. Portanto, não deve surpreender a afirmação de que a sentença judicial, o lançamento, ou mesmo o ato do contribuinte que declare a ocorrência do fato, e consitua a relação jurídica tributária, sejam veículos introdutores no sistema de normas individuais e concretas, sendo, por força disso, direito positivo”. (FERRAGUT, M. R. Presunções no Direito Tributário..., 2005. pp. 41-42)

Para que ocorra o surgimento concreto de tal liame previsto, se perfaz necessário que ocorra a materialização do fato jurídico, o que se dá mediante o relato no antecedente de uma norma individual e concreta, que seja resultado da aplicação do direito.

Paulo de Barros Carvalho, ao fazer referência à instauração da relação jurídica, pontifica:

Neste sentido, tomando-se a norma individual e concreta, todos os elementos utilizados para a composição do enunciado relacional serão formados a partir do fato e não do evento, que já se consumiu. No processo de positivação da obrigação tributária, identificamos as seguintes etapas: (i) existindo uma regra-matriz de incidência tributária e (ii) verificando-se o acontecimento do evento previsto na hipótese da norma geral e abstrata, (iii) com a correspondente produção da linguagem competente que constrói a norma individual e concreta, (iv) devidamente comunicada ao outro sujeito da relação jurídica, (v) dar-se-á o aparecimento formal do débito tributário.219

Somente por intermédio do disciplinamento de uma conduta por intermédio da norma individual e concreta é que um indivíduo pode tornar-se obrigado a pagar o tributo se praticar o evento descrito no fato jurídico tributário.

Cabe aqui a lição de André Felipe Saide Martins, que nos ministra o seguinte ensinamento acerca do papel da norma individual e concreta na formação do fato jurídico tributário:

O papel da norma tributária individual e concreta é registrar a incidência e constituir o fato jurídico tributário. O fato jurídico tributário é constituído pelo ato de lançamento executado tanto pelo agente administrativo (art. 142 do CTN) quanto pelo contribuinte (art. 150 do CTN) – “lançamento por homologação”. O lançamento é a própria norma jurídica individual e concreta, ou, como propõe Eurico de Santi, o ato-norma administrativo. Seja qual for o conceito aferido, está patenteado na doutrina que o lançamento faz irromper a relação jurídica tributária entre o fisco e o sujeito passivo.220

Desse modo, a produção da norma individual e concreta é representada através dos atos de lançamento, de aplicação de penalidade e de decisão administrativa.

219 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário. Linguagem e Método..., 2008.p. 832. 220 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurídico tributário..., 2007. p. 82.

Nesse contexto, para a correta constituição do fato e o correto surgimento da obrigação, deve, necessariamente, ocorrer o perfeito enquadramento do fato ao que encontra- se previsto na norma, sendo que tal constituição deve ser embasada mediante a linguagem das provas, já que, é através da demonstração mediante a linguagem das provas que será possível certificar acerca da veracidade do enunciado subsumido, sendo então, de extrema importância a fundamentação das normas individuais e concretas por intermédio da linguagem das provas.221

Fabiana Del Padre Tomé, ao tratar da fenomenologia da incidência tributária e o necessário quadramento do fato à norma, assevera:

Obviamente, para que essa positivação seja realizada de modo apropriado, é imprescindível o perfeito quadramento do fato à previsão normativa. Esse fato, por sua vez, deve ser constituído segundo a linguagem das provas, com vistas a certificar a veracidade do enunciado subsumido. Observa-se a importância capital que apresenta a prova no ordenamento jurídico, inclusive no âmbito da tributação: ao constituir a obrigação tributária e aplicar sanções nessa esfera do direito, não basta a observância às regras formais que disciplinam a emissão de tais atos; a materialidade deve estar demonstrada, mediante a produção de provas da existência do fato sobre o qual se fundam as normas constituidoras das relações jurídicas tributárias.222

Portanto, notamos a imprescindibilidade da norma individual e concreta na constituição fato jurídico tributário, tal como o lançamento tributário, tendo em vista que relata e constitui em linguagem competente uma determinada ocorrência de um fato jurídico, determinado em um certo tempo e em uma delimitação de espaço, e prescreve no conseqüente uma relação jurídica em que um sujeito fica investido de um direito subjetivo de exigir de outro sujeito determinada conduta, instituindo, assim, a relação jurídica, e logo, a obrigação tributária.

Nesse contexto, convém apenas lembrarmos que, para que haja a produção de normas individuais e concretas, a partir de normas gerais e abstratas, é necessário que existam provas

221 TOMÉ, F. D. P. A prova no direito tributário..., 2005. p. 30. 222 Ibidem., p. 30.

que sirvam de suporte ao fato jurídico constituído, sendo a prova o respaldo à produção de normas individuais e concretas, e logo, à constituição do fato jurídico tributário.